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Showing posts from February, 2009

Posts velhos que acaba voltando como velhos fantasmas da ditadura

Recordar é viver - Editorial da Folha de São Paulo de 1971 "Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca ouve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. O país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa que reflete o sentimento deste." Octávio Frias de Oliveira, 22 de setembro de 1971

É nisso que dá ter um TS Eliot no lugar de um Drummond...

Eu não gosto nem um pouco do oba-oba feito [principalmente em São Paulo] em torno ao modernismo brasileiro. Mas nossa tradição modernista nos traz grandes benefícios. Vejam o texto abaixo sobre o meio poético Americano atual e o problema da melancólica vontade de “grandeza” por lá: “The easiest way to see this phenomenon in action is to look at a peculiar development in American poetry that has more or less paralleled the growth of creative-writing programs: the lionization of poets from other countries, especially countries in which writers might have the opportunity to be, as it were, shot. In most ways, of course, this is an admirable development that puts the lie to talk about American provincialism. In other ways, though, it can be a bit cringe-worthy. Consider how Robert Pinsky describes the laughter of the Polish émigré and Nobel Prize-winning dissident Czeslaw Milosz: “The sound of it was infectious, but more precisely it was commanding. His laughter had the counter-authority o

Machado e as trapaças da tradução

Machado de Assis tem um conto chamado "Suje-se gordo!" que teve o título traduzido como "Wallow, Swine". O problema é que não se trata de mandar alguém gordo [que você poderia chamar de suíno no contexto sem problemas] chafurdar na lama, mas sim de que, se você vai chafurdar na lama, que o faça por inteiro, sem timidez – mensagem do personagem do conto que condena no júri a um tímido ladrão de meia-tigela e anos depois é absolvido em um grande caso de fraude. O termo “gordo”, assim como advérbio não me soa português corrente, mas dá para entender [e se deliciar com uma linguagem um pouquinho diferente]. A pressa do tradutor acabou dando em lambança… Mas é melhor do que um conto de Lima Barreto em que dois adultos se sentam para conversar em uma “candy shop” [um equívoco causado pela “confeitaria” onde os dois personagens se encontram]. A idéia que esse “candy shop” evoca em inglês são dois adultos conversando sobre a vida enquanto chupam um pirulito…

Ó Minas Gerais!

A tal "grobarização" me permite viver no cu gelado do mundo e mesmo assim estar antenado com o cuzinho do mundo de onde eu vim. Vejam só a seguinte notícia que saiu no "Estrago de Minas" online: " Mulher é presa por alugar quartos da própria casa para programas sexuais Uma mulher foi presa nesta sexta-feira em Santa Luzia, na Grande BH, suspeita de alugar os quartos da própria casa para outras mulheres se prostituírem. Quando a polícia chegou ao local, após uma denúncia anônima, a suspeita conseguiu fugir, mas foi encontrada logo em seguida. Uma adolescente de 16 anos também foi apreendida. A mulher alegou para os policias que fazia a casa de motel. A residência tem nove quartos e fica quase ao lado do 35º Batalhão da Polícia Militar da e da Prefeitura de Santa Luzia." Eu daqui do meu cantinho me pergunto uma pergunta que não quer calar: Uai, na Guaicurus pode mas em Santa Luzia não pode? Será uma questão de jurisdição ou do proprietário do imóvel? Ladrão

Correntes que não vão para frente

Minha religião não permite que eu participe de correntes, pelo menos não no papel ativo. Assim sendo, vou cumprir com a minha parte, mas não vou espalhar essa coisa por aí. A quinta [miseravelmente imensa] frase da página 161 do livro que estava mais perto de mim dizia: "Cette lutte a repris sa place dans votre histoire parmi les faits incontestables; il reste à en déterminer toutes les causes et toutes les formes, à rechercher d'oùvint le principle d'une nouvelle vie dans l'organization municipale, pourquoi, aux approches du XIe siècle, la population urbaine, selon les paroles d'un contemporain, s'agite et machine la guerre; porquoi tous les troubles du temps servent la cause de la bourgeousie, soit qu'elles les excite ou qu'elle s'y mêle, soit qu'elle se soulève pour son propre compte ou qu'elle prenne parti dans les combatsque se livrent les pouvoirs déodaux." Agustin Thierry, "Récits des temps Mérovingiens"

Alfonso Reyes e o charme de Getúlio

Alfonso Reyes chega ao Brasil da Argentina e vive nas laranjeiras como embaixador do México durante seis anos. Profundamente traumatizado pela violência da Revolução Mexicana que matou seu pai de uma maneira dramática, Reyes mal chega e testemunha a Revolução de 30, ficando deslumbrado com a habilidade de Getúlio Vargas de executar e consolidar a tomada do poder não só com a força mas também com a habilidosa costura de alianças quase esdrúxulas entre Deus e o Diabo a quatro. Acho que vem daí essa visão admirada do brasileiro como negociador nato: “Al llegar (…) al hombre, el resultado fue paradójico: por combinación y armonía entre los excesos contraries, resultó la sabia moderación. El brasileño es el diplomatico nato, y el mejor negociador que ha conocido la historia humana. No hay conflicto que se resista a su espíritu de Concordia y a su ardiente simpatía. Como posee la aptitud, desdeña la violencia. Nació para deshacer, sin cortarlo, el Nudo Gordiano.” Tivesse conhecido Reyes as c

Contos - As fomigas da Lygia

"Quando minha prima e eu descemos do táxi, já era quase noite. Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima. -- É sinistro. Ela me impeliu na direção da porta. Tínhamos outra escolha? Nenhuma pensão nas redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes com liberdade de usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refeições ligeiras com a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, cheirando a creolina. -- Pelo menos não vi sinal de barata -- disse minha prima. A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho. " Adoro os contos de Lygia Fagundes Telles e esse "As Formigas" en

Sobre una poesía sin pureza - Neruda

"La confusa impureza de los seres humanos se percibe en ellos, la agrupación, uso y desuso de los materiales, las huellas del pie y de los dedos, la constancia de una atmósfera humana inundando las cosas desde lo interno y lo externo. Así sea la poesia que buscamos, gastada como por un ácido por los deberes de la mano, penetrada por el sudor y el humo, oliente a orina y a azucena salpicada por las diversas profesiones que se ejercen dentro y fuera de la ley. Una poesia impura como un traje, como un cuerpo, con manchas de nutrición, y actitudes vergonzosas, con arrugas, observaciones, sueños, vigilia, profecías, declaraciones de amor y de revolta, bestias, sacididas, idilios, creencias políticas, negaciones, dudas, afirmaciones, impuestos." Pablo Neruda, Caballo Verde para la Poesía, 1935.

The Past is a Grotesque Animal

Eles se chamam Of Montreal e são basicamente uma banda de um cara só, chamado Kevin Barnes. Qualquer um que misture David Bowie e Georges Bataille e escreva com a verve de Bob Dylan como no exemplo abaixo merece pelo menos uma chance. Clicando no título dá para ouvir uma versão quase completa no YouTube [faltam só uns segundinhos no final]. Ler a letra só ou ouvir a música sem acompanhar a letra não dá – tem que ser os dois. The past is a grotesque animal The past is a grotesque animal And in its eyes you see How completely wrong you can be How completely wrong you can be The sun is out. It melts the snow that fell yesterday Makes you wonder why it bothered I fell in love with the first cute girl that I met Who could appreciate Georges Bataille Standing at the Swedish festival Discussing "Story of the Eye" Discussing "Story of the Eye" It's so embarrassing to need someone like I do you How can I explain, I need you here and not here too How can I explain, I need

Sagas dos Grandes Brasileiros 1 - Os Ramos

Os Ramos Tudo começa com a chegada às terras brasileiras do Cacique de Ramos, que ancorou sua magnífica caravela conversível no piscinão que hoje leva seu ilustre nome. Desde então comemora-se em todo mundo o Domingo de Ramos, que celebra justamente a chegada da famosa família Ramos Brasil. O Cacique veio acompanhado de seus dois filhos mais velhos, Lílian e Graciliano. O destino dos dois no país em que se plantando tudo dá foi diametralmente oposto: enquanto Lílian Ramos se aproveitou de um carnaval especialmente quente para se transformar na poderosa Condessa de Itamar, Graciliano acabou preso na Ilha Grande, anonimamente acusado de honestidade ideológica. O Cacique se fixou em Olaria e abriu um supermercado conhecido na região. Lílian e o Conde de Itamar tiveram filhos gêmeos, Nereu e Nuno Ramos e foram morar perto da Lagoa Nelson Rodrigues de Freitas. Nereu seria presidente por dois meses inteiros da Escola de Samba “GRES Unidos por Getúlio”, tendo seu irmão Nuno como ministro de A

A grande batalha entre o cérebro e o orgão genital

Li recentemente um artigo interessante sobre pesquisas sobre sexo, bem mais interessantes que os proverbiais questionários que povoam a imprensa com grandes “descobertas” sobre o comportamento humano. Imaginem a seguinte pesquisa: indivíduos de quatro grupos, do sexo masculino e feminino que se auto-proclamam heterossexuais ou homosexuais são expostos a imagens e filmes que mostram: 1. Cena de sexo heterossexual 2. Cena de sexo homossexual entre homens 3. Cena de sexo homossexual entre mulheres 4. Cena de macacos fazendo sexo 5. Um sujeito musculoso correndo pelado na praia 6. Uma mulher atraente fazendo alongamento com roupas de ginástica Homens e mulheres anotam em um questionário se sentem-se excitados e o quanto estão excitados por cada cena que aparece. Ao mesmo tempo aparelhos medem a circulação e pressão sanguínea dos orgãos genitais e a produção de muco nas paredes da vagina no caso feminino. Um dos grupos apresenta uma discrepância tremenda, digamos assim, en

Hilda Hilst

Está ainda disponível na internet entrevista de Hilda Hilst para a CULT . Era uma escritora admirável, no pouco que eu li da sua obra uma escritora magnífica, sempre um pouco aborrecida com a pouca repercussão da sua obra. Deixo só uma resposta dela: - Você nomeia Deus de muitas maneiras: "Grande coisa obscura", "Cara cavada", "Máscara do nojo", "Cão de pedra", "Superfície de gelo encravada no riso". Sua concepção de Deus se aproxima da do poeta alemão Rainer Maria Rilke, do Deus imanente a todas as coisas, do "Deus coisificado"? - Não é bem isso. O meu Deus não é material. Deus eu não conheço. Não conheço esse senhor. Eu sempre dizia que Ele estava até no escarro, no mijo, não que Ele fosse esse escarro e esse mijo. Há uma coisa obscura e medonha nele, que me dá pavor. Ele é uma coisa. Se bem que depois que eu li Heidegger, e releio sempre, não consigo mais falar "coisa". Heidegger escreveu um livro enorme só para f

Poema meu: Confissão às três da manhã, a 18 graus abaixo de zero

But it's like we weren't made for this world (Though I wouldn't really want to meet someone who was) (Eu não gosto de poemas longos, mas vamos lá) Já faz tanto tempo e eu ainda preciso aprender a agarrar como um carrapato o que ainda não existe e deixar de lado quem me rouba a solidão. Já faz tanto tempo e ele tem razão quando diz que o passado é um animal grotesco brincando no meu porão, mas, ao contrário da direção geral dos poemas confessionais de todas as facções, não é o passado que me preocupa; é esse outro monstro, o futuro, o dragão de sete cabeças que me espreita e me assusta. Vai ser difícil falar sobre isso porque muita gente não vai escutar e o resto não vai entender vai ser difícil falar porque conta-se nos dedos de um porco as pessoas que sabem olhar para fora de si mais do que um pequeno instante que desaparece debaixo do espelho d’água sem rastro, sem a menor consequência (um exemplo: meu pai esperando, impaciente, que eu não fosse mais criança para falar co

Complexo de Mazombo

Um crítico perspicaz da obra de Gregório de Mattos chamou sua forma de ver o mundo como "Complexo de Mazombo" [Mazombo era o termo para brancos nascidos na colônia, como o "criollo" no castelhano]. Tudo o que ele vê está filtrado pelo seu ressentimento e até indignação, motivados pela convicção do Mazombo de que ele é melhor do que o lugar onde vive, de que o lugar onde ele nasceu ou onde vive não merece suas qualidades culturais e morais superiores. Junte-se a isso a convicção de que negatividade é necessariamente agudeza de juízo; que grosseria é firmeza de príncipios e um imensa vontade de distanciamento, de não se sentir responsável, co-autor da realidade onde vive e temos o quadro completo. Agora, cá entre nós, bater na Danusa é brigar com cachorro morto. Existem por aí casos bem mais sofisticados do Complexo de Mazombo, mesmo porque desde o pós-ditadura ele é quase uma epidemia entre as elites brasileiras. PS. Para não criar mal-entendidos, Gregório de Mattos

Poema meu: Saudades desde muito longe

“- Dói muito? - Muito, Doutor. Dói demais. Tem um país saindo de dentro de mim e não entra nada no buraco que fica latejando, velando minha insônia, pedindo não sei bem o quê. E não há tango argentino que resolva, Doutor. Nem o tango argentino me resta.” O melhor texto que eu já li passou ali na minha frente quando eu nem esperava nem queria. O capricho das palavras, os caprichos da poesia, como os de Goya, caindo de fora de dentro do meio pediam pelo silêncio sutilmente histérico da cidade que ainda é a minha casa. Ela é que me faz falta. O resto é um outro silêncio que me abraça cada vez que eu encaro duro o fato de que o ser humano humano mesmo, como a imaginação humana concebe nesse sonho que é a vida, não existe – o ser humano de fato é assim, que nem eu: o ser humano mesmo não passa mesmo de um negocinho muito besta.

Contos: "La carne" de Virgilio Piñera

Imaginem um Kafka mais nervoso, parecendo às vezes estar à beira de um ataque de nervos e quando você começa a se preocupar com ele, ele se vira para você e ri na sua cara! É assim que eu imagino o cubano Virgilio Piñera, ou pelo menos o Virgilio Piñera que – devo esclarecer antes que os apressadinhos encontrem aqui ecos de George Orwell tropical – publicou o conto “La carne” DOIS anos antes de explodir a Revolução Cubana. A insanidade de que fala Piñera diz respeito a todos os lugares e todas as épocas desse planeta cheio de seres humanos. O conto abre assim: "SUCEDIÓ CON GRAN SENCILLEZ, sin afectación. Por motivos que no son del caso exponer, la población sufría de falta de carne. Todo el mundo se alarmó y se hicieron comentarios más o menos amargos y hasta se esbozaron ciertos propósitos de venganza. Pero, como siempre sucede, las protestas no pasaron de meras amenazas y pronto se vio a aquel afligido pueblo engullendo los más variados vegetales. Sólo que el señor Ansaldo no

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e