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Showing posts from May, 2010

Trecho de "Um diário de idéias" de Fábio Durão

"O mundo do respeito pela privacidade é também o mundo da frieza e da indiferença (na Alemanha), ou do pânico em face do outro (nos Estados Unidos). A histeria contra o cigarro, o cuidado obsessivo com a comida (cf. o conceito surrealista de organicfood , que ninguém questiona), a prevenção exagerada contra o álcool, o asceticismo lingüístico (que faz contar piadas tão difícil), o sorriso ubíqüito, a idealização da família nuclear como espaço de realização plena dos afetos, o café descafeinado - tudo isso conota a horror estadounidense diante do que é diferente, daquilo que tem substância, que aponta para uma forma de gozo, que fere o instinto de auto-preservação. (....) Mas é claro que o importante aqui não é louvar a nossa barbárie como se ela fosse superior à pureza frieza e ao medo, mas sim tentar vislumbrar a utopia que surgiria do confronto desses negativos."

Pablo Trapero 4 - La Leonera

Este é o filme mais conhecido de Trapero no Brasil por causa da participação de Rodrigo Santoro. Familia Rodante era um filme sobre a família; Nacido y Criado era um filme sobre a paternidade; La leonera é um filme sobre a maternidade. De novo a maravilhosa combinação de coisas que indicariam uma produção "caseira" com atores amadores que são parentes do diretor [Martina Gusman é casada com Pablo Trapero] e uma qualidade de atuação, fotografia e enquadramento estupenda. E na trilha sonora o Palavra Cantada.
El boanaerense, segundo filme de Trapero, é um retrato desconcertante da polícia, porque não há preocupação aqui de identificar culpados e apontar caminhos mas sim de contar uma história de um cara qualquer, um Zé Mané que ganha a vida como chaveiro até abrir uma porta que não devia e que depois cai de pára-quedas na polícia. Vale a pena comparar com Tropa de Elite...

Charles W. Chesnutt

Charles W. Chesnutt é um escritor afro-americano mais ou menos contemporâneo de Machado de Assis. Ele escreveu um livro de contos narrado por um preto-velho made in usa que é maravilhoso . É prosa mas é também, até certo ponto, poesia feita por alguém que conhecia a fundo o vernáculo. Apesar de todas as precauções em não ser ofensivo demais nem agredir a sensibilidade do público leitor da sua época, a fala do narrador/personagem Uncle Julius é forte porque remexe as memórias do tempo da escravidão. À primeira vista parece outra língua mas se você se atém ao som das palavras acaba entendendo. Uma palhinha do conto "Dave's Neckliss" [o começo eu “traduzi” para inglês da norma culta]: "Dave use' ter b'long ter my ole marster," said Julius; "he wuz raise' on dis yer plantation, en I kin 'member all erbout 'im, fer I wuz ole 'nuff ter chop cotton w'en it all happen'. “Dave used to belong to my old master” / “he was raised on this

Chico Buarque? Não, Radiohead.

Depois de comparar TomWaits com Chico Buarque da Ópera do Malandro [ou seja o astral soturno dos anos de chumbo injetado com Kurt Weil] acabei me lembrando desse momento Chico Buarque do Radiohead. "Life In A Glass House" Once again, I'm in trouble with my only friend She is papering the window panes She is putting on a smile Living in a glass house Once again, packed like frozen food and battery hens Think of all the starving millions Don't talk politics and don't throw stones Your royal highnesses Well of course I'd like to sit around and chat Well of course I'd like to stay and chew the fat Well of course I'd like to sit around and chat But someone's listening in. Once again, we are hungry for a lynching That's a strange mistake to make You should turn the other cheek Living in a glass house Well of course I'd like to sit around and chat Well of course I'd like to stay and chew the fat Well of course I'd like to sit around and ch

De volta ao futuro: 3 mortos-vivos do século XIX

[foto tirada de site sobre os Adventistas do sétimo dia - juro, não é sacanagem. Ali estão de camisa azul, o neo-liberalismo; de cabelo comprido o neo-positivismo; e de blusa azul escura, o neo-fundametalismo. Obviamente os três estavam com pressa e uma baita fome de cérebros. Não sei se a foto foi tirada em Bagdá ou em Nova Iorque] Rowan Williams é o bispo Anglicano principal [os Anglicanos, claro, não têm Papa] que anda tentando lidar diplomaticamente com grupos da sua igreja na Inglaterra que ameaçam ir embora para a Igreja Católica [o Papa fez a gentileza de convidar publicamente os rebeldes para "voltar" ao manto de Roma]. A causa desse motim religioso é a ordenação de "bispas" na Igreja Anglicana Inglesa. Willians é um teólogo famoso e numa entrevista fez a seguinte reflexão: "One of the odd things about fundametalism in its American form, but not exclusively, is that it's paradoxically a very modern thing. A crude 19th century reaction to a crude 1

Ai, ai

O Estrago de Minas dá na primeira página: "madrugada mais fria do ano: 12 graus". Aqui, já na segunda metade da primavera e às 10 horas da manhã, faz 11 graus.

José Vasconcelos e o Brasil 2

[foto: Siqueira Campos, Eduardo Gomes e amigos num animado footing armado em Copacabana em 1922] Comentando sobre a revolta dos 18 do forte e os protestos pela eleição de Arthur Bernardes, diz José Vasconcelos: "El caso, un poco complicado, hubiera sido grave en cualquier país menos adelantado que el Brasil; pero bastó que los militares aparecieron entrometidos en la política para que la nación entera se afiliara con Pessoa.El elemento civil y la mayor parte del ejército, educados en ideas modernas de Gobierno, se unieron para aplastar a los pretorianos. Y Pessoa, sin mancharse de sangre, sin consumar una sola ejecución, pudo darse el gusto de tener preso al jefe de los militaristas en la sentina de un barco de guerra. Desde de allí escuchó el fracasado caudillo las salvas y las trompetas que al celebrar del Centenario proclamaban el triunfo definitivo de la cabeza sobre el brazo, de la oratoria de Pessoa sobre el sable del mariscal." Raza cósmica , 102 Quando diz Pessoa [

José Vasconcelos e o Brasil 1

No auge do seu poder político, José Vasconcelos vem ao Brasil em 1922 com a maior de todas as delegações que participam da Feira Internacional que comemora o centenário da independência. Depois visita Uruguai, Argentina e Chile, buscando dissipar a idéia de que a Revolução Mexicana era um reino de bárbaros bigodudos com carabinas prontas para qualquer eventualidade. Encontra um Brasil em polvorosa com a revolta dos 18 do forte de Copacabana e polêmicas com militares envolvendo a campanha de Arthur Bernardes. Mas para Vasconcelos , interessado em propagar a idéia de uma civilização latina superior aos imbecis dos Estados Unidos, tudo são flores e colibris: "Por todas partes se advierte un bienestar efectivo. Los humildes reciben atención del Gobierno y de las empresas y disponen de oportunidades para mejorar su condición. En los de arriba se observa una delicadeza innata, y en la clase intermedia abunda el talento impetuoso. El porvenir se siente ilimitado, como el horizonte pobla

Lydia Davis e a hora em que a porca torce o rabo

The moment when a limit is reached, when there is nothing ahead but darkness: something comes in to help that is not real. Frase tirada do conto "Liminal: the Little Man"

Ainda sobre o texto da Flora Sussekind

Ainda sobre o texto da Flora Sussekind: uma nova crítica literária eu acho que até existe. Posso dar dois exemplos, extremos opostos em muitas coisas: de um lado o calhamaço de Luís Bueno [ História do Romance de 30 ] e do outro os menos de cem páginas de Fábio Durão [ Um diário de idéias ]. Os dois são produto da pesquisa universitária recente e tem uma vontade de comunicação além dos maneirismos e do jargão que afastam leitores leigos inteligentes. E não perdem a agudeza crítica por causa disso. O fato é que a crítica literária e todos os campos da cultura brasileira inclusive a literatura e o cinema têm produzido muito e eu acho que desse muito tira-se alguma coisa boa e de tempos em tempos até coisas excepcionais. Sugiro um experimento: escolha um jornal importante no Brasil na época que você escolher e dê uma rápida conferida no caderno cultural. Para cada ocasional texto de qualidade que você encontra, é preciso nadar num mar de tolices. Não há nada de fundamentalmente errado co

Poesia Minha: Quase glória da ciência nacional [de novo]

Com revisões significativas algumas voltando atrás outras, talvez, afundando ainda mais o pé na jaca Já estavam quase aprendendo a viver quase sem comer quando vieram a falecer, deixando pra trás aqueles que, sem poder dormir seus doces sonhos de consumo, acabaram comprando com uma arma na mão muita disposição e uma idéia na cabeça quatorze passos lacrimosos até Ribeirão das Neves onde, antes de aprender a ser pobre sem trauma de pobreza, vieram a falecer também não sem antes dar a César o que é de César: esse medo que move esse ajustamento duro , esse consenso asmático que faz de quinhentos anos dessa crassa violência companheira nossa diária, fiel, nossa identidade nacional (se tiver esôfago, pergunte à esfinge que atende pelo nome “brasileiro médio” se ele não acha mesmo que o bandido bom é o bandido morto) E enquanto isso, uma cabeça na mão e as idéias enterradas na areia fresca da praia,

E você, quanto ganha?

Um desembargador [que ganha pelo menos uns R$20.000] julga ilegal a greve dos professores estaduais [que têm um salário base de R$369] já que, “embora as aulas sejam repostas, haverá prejuízos irreparáveis para os alunos, pois não se pode afirmar que a reposição ocorrerá com qualidade” e “além disso, não houve a comunicação da decisão da greve aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 horas” . Enquanto isso dois donos de empreiteira [rendimentos incalculáveis] tentam subornar policiais [salários de talvez uns R$ 2300] oferecendo R$10.000 para que eles "não vissem" que um dos eminentes engenheiros colocava um guarda corpo no décimo andar da obra [onde cada apartamento deve valer pelo menos uns R$100.000]. O tal guarda-corpo lá não estava quando um servente de pedreiro [R$4 por hora] de lá caiu e morreu. Os policiais marcam encontro com os emprenteiros para o pagamento do suborno e prendem os dois em flagrante. A realidade às vezes não merece comentários.

Avatar em Pindorama

João Ramalho [1493-1580] casou-se com Bartira sob os auspícios do pajé dos Guaianases e tornou-se líder de uma gigantesca liga de tribos tupis. que, com a ajuda providencial de antas, jibóia, onças e outras bestas selvagens, mandou todos os portugueses que não matou em combate de volta ao seu país com os rabos entre as pernas. O filme Avatar imagina, num mundo ficcional, essa fantasia meio tola de que, se cada Cortés se tornasse um nobre Mexica, cada Caramuru um general dos Tupinambás, cada John Smith um comandante dos algonquians, os povos indígenas das Américas poderiam ter derrotado os invasores europeus e a tragédia humana e ecológica nada edificante que já dura cinco séculos nem teria começado.

Recordar é viver: Paracatú, última luz da civilização

Falando sobre Paracatú quando segue em viagem rumo ao sertão de Goiás [com ortografia da época]: "Última povoação de Minas que reflete a luz da civilização; é a coluna de Hércules que a separa do deserto, que, digamol-o assim, d'alli por diante estende seu amplo e selvagem domínio." Viagens pelo interior de Minas Gerais e Goyaz , Virgílio de Mello Franco, 1888 A coluna de Hércules [foto ao lado] é o estreito de Gibraltar, a porta de saída do mediterrâneo.

Poesia Outra: César Vallejo

Poema do Trilce de 1922. De matar... LXXV Estáis muertos. Qué extraña manera de estarse muertos. Quienquiera diría no lo estáis. Pero, en verdad, estáis muertos, muertos. Flotáis nadamente detrás de aquesa membrana que, péndula del zenit al nadir, viene y va de crepúsculo a crepúsculo, vibrando ante la sonora caja de una herida que a vosotros no os duele. Os digo, pues, que la vida está en el espejo, y que vosotros sois el original, la muerte. Mientras la onda va, mientras la onda viene, cuán impunemente se está uno muerto. Sólo cuando las aguas se quebrantan en los bordes enfrentados y se doblan y doblan, entonces os transfiguráis y creyendo morir, percibís la sexta cuerda que ya no es vuestra. Estáis muertos, no habiendo antes vivido jamás. Quienquiera diría que, no siendo ahora, en otro tiempo fuisteis. Pero, en verdad, vosotros sois los cadáveres de una vida que nunca fue. Triste destino el no haber sido sino muertos siempre. El ser hoja seca sin haber sido ver

Poesia Minha: O beija-flor

O sol cruza o céu num dia em quatro partes: manhã, tarde, noite e madrugada. O sol sobe-desce o céu num ano em quatro partes: primavera, verão, outono e inverno. O sol vê no chão silencioso e indiferente o leva-e-traz de esperma e sangue que abastece o inferno da existência. O sol atravessa cada corpo agarrado ao chão numa vida em quatro partes: infância, juventude, madureza e velhice. O sol é um beija-flor.

Enquanto isso na sala de justiça...

O número 26 do sempre excelente e urgente Sopro traz um texto muito interessante de Giorgio Agambem, que de certa forma ajuda a entender o post anterior. Cito aqui apenas o parágrafo inicial: "Muitos anos atrás, eu discutia com Guy Debord questões que a mim pareciam ser de filosofia política, até que em certo ponto Guy me interrompe e diz: ‘Olhe, eu não sou um filósofo, sou um estrategista’. Esta frase me chocou porque eu o considerava um filósofo, assim como considerava a mim mesmo um filósofo, e não um estrategista. Mas creio que aquilo que Guy queria dizer é que todo pensamento, por mais puro, por mais geral e por mais abstrato que seja, é sempre marcado por assinaturas históricas, temporais e, portanto, sempre preso, de alguma maneira, a uma estratégia e a uma urgência. Fiz esta introdução porque as minhas considerações serão necessariamente gerais e não entrarão no tema específico dos conflitos. No entanto, espero que estas considerações gerais carreguem de algum modo uma as