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Showing posts from May, 2011

Prosa minha

I Dentro da terra, finalmente livre: casca e miolo metamorfoseados numa nova existência múltipla e porosa: uma multidão anônima, silenciosa e indiferente de flores microscópicas, fungos coloridos, vermes e microorganismos que transitam dentro e fora de um dentro e fora que já não existe mais. A consciência adormece e sonha em palavras: debaixo do pó que vai se acumulando em cima de mim renasce da minha pele dissolvida o meu corpo, que de si mesmo também se desata. Meu tempo agora se come por dentro, pelas entranhas. Sepultado dentro desse peito de pedra, nesse ovo de terra, quente e úmido, eu ainda existo. Roça a minha testa o rio do passado. As memórias são uma manada de icebergs que passam boiando por cima das pálpebras ocas. Aqui a vida é regida por um relógio descomposto: uma seqüência infinita de repetições do passado, indo e voltando do paraíso visceral do feto até a boca do inferno.

Novo/velho partido brasileiro: PUB, partido dos ornitorrincos

Enquanto todos se degladiam com a fúria de sempre por causa de Ana de Holanda que administra R$1.6 bilhões, só a Eletrobrás tem orçamento de R$8,1 bilhões esse ano e continua nas mãos de Edison Lobão, ex-jornalista da Globo, ex-deputado federal e/ou senador pela ARENA, PDS e PFL, que foi parar no PMDB seguindo seu padrinho Sarney e está no governo pela mão do mesmo bigodudo. Já Wellington Moreira Franco é ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República. Não é um cargo decorativo nem desimportante. O Ipea, órgão de excelência do pensamento estratégico nacional, é subordinado a ele. Quem é Moreira Franco? Foi prefeito de Niterói e em 1982 foi candidato a governador do Rio de Janeiro pelo PDS [novo nome da ARENA, partido de sustentação do regime militar] – perde para Leonel Brizola após uma das mais notórias tentativas de fraude eleitoral no Brasil. Do PDS passou a Frente Liberal apoiando Tancredo Neves e daí para o PMDB, seguindo José Sarn

Em homenagem à primavera que teima em não esquentar...

Elephant Gun - Beirut If I was young, I'd flee this town I'd bury my dreams underground As did I, we drink to die, we drink tonight Far from home, elephant gun Let's take them down one by one We'll lay it down, it's not been found, it's not around Let the seasons begin - it rolls right on Let the seasons begin - take the big game down Let the seasons begin - it rolls right on Let the seasons begin - take the big game down And it rips through the silence of our camp at night And it rips through the night And it rips through the silence of our camp at night And it rips through the silence, all that is left is all that I hide.

Profetas

“El hipócrita peca contra Dios y con Dios, pues le toma por instrumento para pecar.” Quevedo, Desengaño Ilustração: Retrato do papa Inocêncio X Velazquez e estudo de Francis Bacon sobre o quadro de Velázquez.

O avanço atrasado ou a calça amassada no chão

"Quando uma criança, hoje, entra no quarto, tira a roupa e deixa a calça amassada no chão, do jeito que saiu do corpo, eu falo “isso é uma sociedade escravista”. Essa desqualificação do trabalho menos qualificado, por exemplo, menos considerado, como tem até hoje no Brasil. Todo trabalhador é basicamente igual: a gente tem que acreditar nisso. No Brasil não é assim." Trecho da boa entrevista da historiadora Laura de Mello e Souza à revista da Fapesp . Não gosto muito desses termos: arcaico e moderno. Mas me impressiona quando escuto alguém da elite [cultural ou econômica] se referindo ao povo brasileiro como uma força do atraso. O que seria a coisa mais arcaica no Brasil: um camarada que se locomove de motocicleta e usa celular e lan house e ouve mp3 ou um sujeito que talvez faça tudo isso também mas mal sabe limpar a própria bunda e nunca lavou uma trouxa de roupa?

Delícias da norma curta ou "espere um minuto, querida, eu a amo!"

Sobre essa celeuma ridícula sobre a língua portuguesa "errada" esse texto do linguista Marcos Bagno já disse tudo. Só quero dizer três coisas: 1. Eu não conheço lugar onde se trate mais mal a língua portuguesa no Brasil do que nos noticiários da TV e da rádio. A CBN, por exemplo, é um festival de lugares comuns pretensiosos e construções "chiques" que não dizem nada, acompanhados de erros de concordância a 3 por 4. 2. Aos defensores inflexíveis da "norma culta 100%, tolerância zero o tempo todo" só digo uma coisa: por favor, NUNCA mais digam coisas como "Espera um minuto!" [pois vocês estarão esculhambando com o uso do imperativo culto]. Ah, e "eu te amo", por favor, só serve para quem conseguir tratar o seu ser amado por "tu" o tempo todo, ok? Por exemplo, imagine a seguinte cena: Seu namorado diz: “vamo embora logo que tamo super-atrasado!” E você então responde: “Espere um pouco: você ofendeu a nor

Recordar é viver: Arnold, o defensor da família americana

Em entrevista em 2001 para a revista Salon Arnold Schwarzenegger dizia: "The parents are the single most important influence on a child, followed by education and the peer group" [...] "The number of single parents in the U.S. has quadrupled since the '60s, and there has also been an increase in violence and school shootings. All that stuff has increased largely because of a lack of parenting, and many households only have one biological parent -- so many of them are fatherless. It really creates a big problem."

Biroscas de New Haven 1 - Caribbean Connection

[Foto do New Haven Independent , excelente jornal online da cidade.] Eles têm só uma portinha na Whalley, avenida perto da minha casa. Na calçada fica a churrasqueira de tampa construída em um tanque de óleo, de onde exalam aromas maravilhosos. Lá dentro tem lugar para umas quatro pessoas [magras] em pé e do outro lado do balcão está a cozinha. Cozinha jamicana, fresquinha, divina! Para um brasileiro não deixa de ser uma forma de voltar para casa: arroz de primeira, repolho refogado no ponto, banana frita, ensopadinho de frango. O tempero é um pouquinho diferente do dia-a-dia no Brasil: uma mistura sutil de ervas, pimenta na medida e outros temperos. Comida de primeira, preços bem em conta: paraíso para um expatriado! Do lado deles tem outro restaurante excelente, Mama Mary's Soul Food restaurant , mas esse não cabe na categoria birosca.

Babel em Buenos Aires

Torre de Babel de Marta Minujín em Buenos Aires

Cinema e Dinheiro

Imaginem a seguinte situação: você e um amigo não têm um tostão furado mas querem fazer um filme. Então vocês resolvem fazer um filme sobre o restaurantezinho chinês do outro lado da rua. Conversam com o dono, com o gerente, com os funcionários e começam a pesquisar sobre o funcionamento daquele tipo de restaurante e sobre as pessoas que tipicamente trabalham lá. Afinal definem um script que é basicamente um plano para uma sequência de cenas improvisadas no próprio local e em ruas da cidade. Depois arrumam uma camera digital, contratam quatro atores profissionais completamente desconhecidos (a 5 dólares por dia cada) através de um anúncio online. Os testes com os candidatos que aparecem vocês dois fazem no meio da rua. Completando o elenco, a gerente do restaurante, uma chinesa simpática que atende o telefone e administra aquele caos todo há anos, faz o papel dela mesma no filme. A filmagem é cuidadosamente planejada para ser feita toda em um só dia de funcionamento real do restau

Fotos

As fotos são tiradas do meu computador no pátio interno da biblioteca principal de Yale, a Sterling.

Fruits of My Labor – Lucinda Williams

Baby, see how I been living Velvet curtains on the windows to Keep the bright and unforgiving Light from shining through Baby, I remember all the things we did When we slept together In the blue behind your eyelids Baby, sweet baby Traced your scent through the gloom Till I found these purple flowers I was spent, I was soon smelling you for hours Lavender, lotus blossoms too Water the dirt, flowers last for you Baby, sweet baby Tangerines and persimmons [persimmon: caqui] And sugarcane Grapes and honeydew melon Enough fit for a queen Lemon trees don't make a sound Till branches bend and fruit falls to the ground Baby, sweet baby Come to my world and witness The way things have changed 'Cause I finally did it, baby I got out of La Grange [La Grange: cidadezinha em Kentucky] Got in my Mercury and drove out west [Mercury: carro popular] Pedal to the metal and my luck to the test Baby, sweet baby I been tryin' to enjoy all the fruits of my labor I been cryin' for you, b

Laerte

Champion and Vindicator Only of Her Own

Leiam por favor com cuidado: “America does not go abroad in search of monsters to destroy. She is the well-wisher to freedom and independence of all. She is the champion and vindicator only of her own.” Esse é um trecho famoso de discurso no congresso Americano feito em 1821 por John Quincy Adams (1767 - 1848), diplomata e político influente, sexto presidente dos Estados Unidos. Traduzo agora para o português e aproveito para incluir um “mas” entre a segunda e a terceira frases, digamos que a título de ajuda aos leitores menos sutis: “A América não vai ao exterior em busca de monstros a ser destruídos. Ela deseja de coração liberdade e independência a todos, mas é defensora e vingadora apenas de si mesmo.” Pausa para tomar ar. Lendo as manifestações de espanto e indignação com as notícias recentes, não sei o que me espanta mais: o infindável blablabla sobre as intenções nobres dos Estados Unidos e da Europa em suas mirabolantes aventuras imper

Drummond e o Golfinho

[foto: Praça Raul Soares, onde se jogava o tal golfinho. Hoje em dia a praça abriga atividades bem menos inocentes...] Agora que o golfinho tomou conta de Belo Horizonte, ninguém joga mais golfinho no Rio. Quando ele apareceu lá, há meses, fazia calor e algumas jovens de plástica mais interessante tomaram mesmo a liberdade de jogá-lo em maillot. Aqui, a essa altura do ano, e com os queixos batendo, só mesmo de capotão, tweed, sweater, e lãs escocesas bem espessas. Enquanto isso, as elegantes cariocas estreiam modelos notabilíssimos de manteaux russos, siberianos e poloneses, que só chegarão ao conhecimento da família mineira (se chegarem) em dezembro de 1931, isto é, quando toda gente estiver tomando sorvete de coco no bar do Automóvel Clube. Estamos sempre com seis meses de atraso. Se tivermos um pouco dehabilidade ou de paciência, poderemos atrasar doze meses exa- tos e então a moda belorizontina deste ano ficará perfeitamente sincronizada com a moda carioca do ano p

Faulkner e o mundo

Faulkner criou um universo literário, um espaço entre o norte do Mississippi real [um lugar tão pobre e tão rico como o Jequitinhonha em Minas Gerais] e um lugar mítico onde parece caber o mundo - inclusive o Brasil. Para isso ele usa uma noção de geografia interna interessante, com a repetição de lugares que são citados brevemente em várias passagens de livros diferentes. Em volta do condado de Yoknapatawpha estão: ao sul, New Orleans [a capital da perdição sofisticada e da miscigenação]; ao norte, Phoenix [outra capital da perdição, lugar de noitadas em puteiros antológicos e brigas de navalha na rua]; e, ao oeste o Texas, também um lugar simbólico especial no mundo literário de Faulkner. Eis um exemplo paradigmático do Texas, num comentário que aparece em Absalom, Absalom quando Quentin descreve um negócio escuso que Sutpen propõe ao seu sogro como "one of those things that when they work you were smart and when they dont you change your name and move to Texas." O mundo ho

Antas bolsonárias e o país da harmonia racial

Depois de Mayara Petruso, Flavinha Amorim . Frustradas com a derrota de José Serra e do Fluminense, as duas usaram o twitter para dar asas a aspectos muito feios e tristes da cultura brasileira. Quase sinto vontade de agradecer às essas duas antas, porque o caso aqui não tem nada a ver nem com votar em José Serra ou Dilma Roussef nem com torcer pelo Fluminense ou não gostar de Ronaldinho Gaúcho. Tem a ver com uma mistura perversa de RASCISMO e CLASSISMO que sobrevive no Brasil principalmente graças ao seu caráter mais ou menos estrategicamente enrustido que se revela numa esquizofrenia: 99% dos brasileiros dizem que o país é racista e 99% dizem que não são racistas. Não vamos portanto fingir que a dupla de "universitárias" - vale a pena pensar na forma como as duas se identificaram - são parte desse misterioso 1% de preconceituosos que conseguem transformar um país inteiro num país racista. Está mais que na hora das pessoas pararem de fingir que o problema - sério, urgente, i