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Showing posts from August, 2011

Diretamente do país da piada pronta

Autor de melodrama acusa outro autor de melodrama de plágio por ter usado uma personagem mater dolorosa , mãe humilde que se esfalfa para sustentar filho ambicioso que sobe na vida e finalmente a despreza. Essa personagem é mais velha do que eu, haja vivo Mamãe Dolores de “Direito de Nascer”, cuja primeira versão televisiva, da Tupi, data de 1964: que é versão de um melodrama mexicano de 1951 dos irmãos Galindo [aqui temos o médico filho “martelando a consciência de uma moça grávida que quer abortar”: mas o filme mexicano é versão de radionovela cubana escrito por um haitiano chamado Felix Caignet dos anos 40. Mas essa história remonta ainda aos clássicos do formato, no caso brasileiro a impagável peça “Mãe” de José Alencar de 1860. Nela o filho simplesmente vende a mãe para pagar as divídas do sogro! Isso é que é país anmésico!

Fernando Vallejo: "el que no concede"

Para refletir sobre agronegócio e sobre o suposto fim do imperialismo com o fim da Guerra fria na América Latina.

[Ilustração: da exposição Dores da Colômbia] Num contexto em que comglomerados argentinos da soja se transferem para o Brasil em busca de um “ ambiente mais amigável aos negócios ” é preciso desmistificar urgentemente o discurso que fala de uma modernização capitalista no campo confundindo duas coisas que não têm que coincidir: modernização econômica e projeto democrático. Em sessão de uma corte distrital americana em Março de 2007, a multinacional Chiquita Brands International admitiu culpa em uma instância de “Engaging in Transactions with a Specially-Designated Global Terrorist” [engajar-se em transações com organizações listadas como terroristas]. No caso trata-se da rede de grupos para-militares colombianas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), listada como terrorista pelo departamento de estado estadounidense desde 2001, que recebeu da Chiquita 1.7 milhão de dólares em uma centena de pagamentos entre 1997 e 2004 para “pacificar” a região bananeira no esta

1991

Primeira guerra do Iraque reduzida a luzinhas brilhando na tela da CNN, bombas do IRA explodindo em Londres, o rápido desmantelamento do mundo comunista por trás duma cortina de ferro que parecia eterna. Em 1991 eu me casei com 22 anos e comecei dolorosa e lentamente a me libertar de amarras e maldições próprias da minha família. De quebra enfrentei em 1991 duas crises pessoais terríveis: o fim de uma banda a qual tinha me dedicado corpo e alma durante quase quatro anos – era também o fim dos meus sonhos de ser músico – e o fim de um longo curso de arquitetura que eu tinha enrolado despudoradamente por cinco anos. Desses anos todos de dedicação e enrolação eu só ganhei mesmo experiência: nem um CDzinho furreca pra contar história de “Os Feios e Eu” e nem um diplomazinho furreca que me livrasse pelo menos de ser preso em cela comum. Foram mudanças dolorosas mas necessárias: o duro reconhecimento de que os primeiros anos da minha vida adulta não tinham servido para quase nad

Um hino para uma outra Inglaterra que parece que voltou...

Ghost Town The Specials This town, is coming like a ghost town All the clubs have been closed down This place, is coming like a ghost town Bands won't play no more too much fighting on the dance floor Do you remember the good old days before the ghost town? We danced and sang, and the music played in a de boomtown This town, is coming like a ghost town Why must the youth fight against themselves? Government leaving the youth on the shelf This place, is coming like a ghost town No job to be found in this country Can't go on no more The people getting angry This town, is coming like a ghost town This town, is coming like a ghost town This town, is coming like a ghost town This town, is coming like a ghost town

Emprego dos sonhos de Macunaíma

[Imagem: Macunaíma recebe sua pauta de hoje: explicar à opinião pública as razões dos conflitos étnicos no nordeste da China, a demissão do ministro da defesa no Brasil e a greve dos soldadores na Austrália.] Ser “articulista” da grande mídia brasileira é o emprego dos sonhos de qualquer Macunaíma: faturar alto para ficar dando palpites sobre qualquer coisa sem ter o mínimo conhecimento sobre nada. O resultado: sandices como "a morte do Kirchnerismo", armações como o “alcoolismo” de Lula ou uma mistura das duas coisas como as “análises” sobre as universidades americanas [vide o post gentilmente demolidor do Pedro Meira Monteiro sobre um desses "gênios da raça"].

Fúria, imersão, fogo

O que eu quero é escrever ininterruptamente, e com tal fúria, tal imersão, tal fogo, que mesmo me esqueça da vida, até de que sou Guimarães Rosa, e de que exista algum Guimarães Rosa. Guimarães Rosa, 1954, um dia depois de escrever a página 219 de Grande Sertão: Veredas

Quando Londres era no Rio de Janeiro

Foi em setembro de 1983. A revista inVeja fazia uma reportagem já marcada por sua militância em defesa da ordem e do respeito à propriedade, mas pelas frestas do texto tendencioso surge a voz de Zelinha Conceição Sobrinho: "'Estamos com fome' e 'Joga pedra na Geni' eram os gritos de guerra dos saqueadores, insuflados principalmente por Zelinha Conceição Sobrinho, 19 anos. Ela participou ativamente do tumulto, xingando os policiais, jogando pedras e organizando os ataques, protegida pela barreira humana que a separava da PM. No final, acabou presa. 'Não me arrependo de nada', disse ao ser detida. 'Estou desempregada, ninguém resolve a minha situação e, quando votei no Brizola, esperava que as coisas mudassem', argumentou. 'Como o voto não muda nada, o jeito é agitar. É a única maneira de mostrar às autoridades, que estão ficando ricas às custas da nossa paciência, que o Brasil pode explodir.'" [segue um veneno da reportagem

Pyrilampos...

[imagem: o também insuperável Liberace] Pérolas do insuperável conde Affonso Celso em seu romance Lupe , enquanto descreve a protagonista coberta de jóias: “Idolo extranho; flôr de sonho, crivada de pyrilampos divinos!” [68]

Ainda Sor Juana Inés de la Cruz e Padre Vieira sobre as finezas de Cristo

[Imagem: a escada de Jacó em ilustração de William Blake] 1. O Padre Vieira descreve a escada de Jacó como uma construção espantosa, que descia de Deus a nós uma descida infinita e subia da terra ao céu uma subida sabidamente mais curta. E descreve ainda Jacó, atônito e assombrado, “ver” juntarem-se esses dois extremos obviamente incompatíveis da tal escada no Verbo encarnado. Uma harmonia espantosa porque impossível de compreender pelo entendimento humano, ainda mais espantosa num mundo de extremos incompatíveis onde o teimoso Lúcifer quer subir uma distância infinitiva e ser Deus e Deus, de repente, desconcerta seu adversário decidindo descer a escada e virar homem. “Duas coisas viu Jacó no que viu, que muito e com muita razão lhe assombraram, não a vista, senão o entendimento. E quais foram? (…) E vendo unir dois extremos infinitamente distantes, quem, ainda estando muito em si, não ficaria atônito e assombrado?” 2. “su costo y nuestra utilidad (…) los dos tér

Lágrimas, dor e as finezas de Cristo

Sor Juana Inês de La Cruz fica famosa [e dizem alguns que acaba se ferrando e tem que abdicar da vida intelectual, pública e privada] quando sua carta contestando um dos Sermões do Mandato do Padre Vieira [sobre as finezas do Cristo] é publicada no México no século XVII. O procedimento retórico da monja é o seguinte: se o grande Vieira ousou contradizer Tomás de Aquino, João Crisóstomo e Agostinho, então eu, “humilde” monja, ouso nessa carta [formalmente endereçada ao próprio Vieira] contrariar o grande jesuíta. E então ela desmonta tijolo a tijolo todo o edifício retórico do tal sermão até o que ela chama de “Aquiles” do sermão. Um exemplo da desmontagem de Sor Juana me chamou particularmente a atenção. Comparando a crucificação com a ressurreição, Vieira diz que a dor causada pela morte é maior que a dor causada pela ausência do Cristo e dá como prova o fato de Maria Magdalena ter chorado na crucificação mas não na ressurreição. Sor Juana diz que é justamente o contrário –

Diário de Curitiba 4

Nem toda a palestra produtiva é produtiva do mesmo jeito. Uma excelente apresentação sobre o ato de traduzir na ABRALIC de Curitiba deu nisso aqui: Anatomia da leitura como cacofonia Deitado na rede respirando o ar límpido, fase tropical do meu inverno constante, do futuro leio cartas de cinquenta anos: uma tradução solar duma estação no inferno. Nela ao mesmo tempo falam eu, o poeta e o tradutor; falam duas línguas tronchas e também uma terceira, zumbi monstro da lagoa, meta-matéria incolor refratando ao contrário verdades recônditas rascunhadas pelas margens entre as duas páginas da folha em minhas mãos vejo um palco iluminado onde cantam ódio e amor e suas dezessete gradações em surdina no meu ralo coração esburacado. Do vizinho canta o galo da noite suja de Belo Horizonte. Da sua rede canta tu, leitor do domingo universal canta o rabo do tatu. Cantam todos juntos, multidão mam

Nem só perto, nem só longe

Leio Antonio Vieira de tempos em tempos e me espanto sempre - a prosa em língua portuguesa realmente chega nele num ponto altíssimo de integração entre domínio técnico e expressividade. E trombo com o seguinte possível aforismo: “Assim como as semelhanças se não podem conhecer senão de perto, assim as distâncias não se podem medir senão de longe.” Aí estão continuidades e rupturas e distâncias entre leitor e texto dançando um balé eloquente num espaço apertado de uma frase. Daí me lembrei sobre uma certa discussão sobre "close reading" [leitura cerrada, interpretação do texto literário linha a linha] e o "distant reading" [uma abordagem a partir de uma visão panorâmica das formas literárias, feita mais em cima de fontes secundárias] levantada por Franco Moretti, um cara empenhado em contar a história da evolução do romance em escala mundial. Quer costurar "semelhanças" no texto que estuda? Fique perto dele. Prefere enxergar "distâncias"? Tom