Skip to main content

Posts

Showing posts from July, 2012

prosa minha

E aí a chuva engrossa e começa a cair um daqueles temporais violentos de fim de ano: as nuvens baixas cor de chumbo vão despejando um aguaceiro furioso em contraponto com o coro surdo dos trovões, roncando num contínuo lento e abafado, como se os céus odiassem Belo Horizonte e quisessem afogar e apagar do mapa a cidade de uma vez. E eu enfiado ali dentro, sentindo o rio tomando corpo, inchando, subindo, o bafo quente e líquido de tudo quanto é porcaria dos esgotos de Belo Horizonte se aproximando. E eu sei que eu tenho que sair rápido, mas eu não consigo. Meu corpo dói inteiro, o meu joelho parece uma bola de futebol, roxo – eu não consigo mais me mexer e sair daqui.         A água não pára de subir e do buraquinho já dá para ver uma massa espessa e escura que me sussurra alguma coisa que soa como um lamento profundo e indiferente em duas vozes e que vem com o hálito quente que se desprende dos redemoinhos que atravessam a superfície da água e seguem em frente. O rio acorda.

Último parte das 5

V O tempo indicaria que a cara definitiva do imperialismo não seria a de aventureiros sulistas como Walker mas do grande capital que afinal puxara seu tapete. Em 1857, derrotado na Nicarágua, Walker fugiria e tomaria um trem da Panama Railroad Company para voltar aos Estados Unidos, onde foi recebido como   herói popular. Absolvido pela justiça americana e enrolado outra vez em aventura neo-colonialista na América Central, dessa vez em Honduras, Walker seria capturado pelos ingleses e entregue aos hondurenhos, que o fuzilaram em 1870.

Escavando notas - parte 4 de 5

IV Em setembro daquele ano de 1856 os marines americanos invadiriam pela primeira vez o Panamá, para assegurar condições de trabalho para a Panama Railroad Company e em represália pela relutância da Colômbia em indenizar a empresa por seus prejuízos com o distúrbios. A correspondência do diretor da empresa mostra que a companhia via William Walker como um indesejado competidor rival tentando abrir outra via para o lucrativo transporte atlântico/pacífico pela Nicarágua, mas publicamente a empresa mantinha-se neutra com relação a um tipo visto como herói pela opinião pública norte-americana.

Escavando notas - Parte 3

III A Panama Railroad Company , com sede em Nova Iorque, tinha sido criada em 1850 e mudado a vida econômica do Panamá. José Manuel Luna, como vários outros panamenhos, sofria com a perda dos negócios transportando os gringos, que agora tomavam o trem construído pela multinacional americana, e sofria a falta de empregos depois do término da construção da ferrovia. Juan Manuel Luna era negro, ferreiro de profissão, eleitor registrado pelo menos desde 1851 e, portanto, cidadão em pleno exercício de seus direitos. Os panamenhos, como outros habitantes da América Central, principalmente os negros e mestiços da região, viviam naquela época o receio da ação dos filibusteiros, gente como o famigerado aventureiro William Walker, que saiu do sul dos EUA e tomou o poder na Nicarágua, declarando-se presidente, reinstituindo a escravidão e fazendo do inglês a língua oficial do país. Texas, Alta Califórnia, Nicarágua – seria o Panamá a próxima vítima do “destino manifesto” anglo-saxão?

Escavando notas - Parte 2 de 5

II No dia 15 de abril de 1856, um desses Americanos, Jack Oliver, embriagado, pegou uma fatia de melancia da barraca de um vendedor chamado José Manuel Luna, deu uma mordida na dita melancia e jogou o resto no chão. José Manuel exigiu o pagamento, o bêbado o xingou e o vendedor, lembrando ao gringo [em inglês] que ele não estava em seu país, exigindo outra vez o pagamento. O tal Oliver retorquiu puxando uma pistola da sua cintura. Confusão, empurra-empurra e logo a coisa degenera numa gigantesca briga de rua, Na qual panamenhos do arrabaldes quebraram o pau com uns 800 norte-americanos, com um saldo de 17 mortos [15 deles norte-americanos] e várias propriedades da Panama Railroad Company depredadas.

Escavando notas - Em cinco partes

I Notícias de ouro na Califórnia em 1848 desencadearam um fluxo de imigração sem precedentes da costa leste para a costa oeste dos Estados Unidos. Naquela época, antes da construção da estrada de ferro que conectaria o país de ponta a ponta, o caminho mais rápido da travessia leste/oeste passava pelo Panamá, na época uma província da Colômbia, então chamada Nueva Granada . O Panamá tinha uma população majoritariamente negra e mestiça e era ainda por cima um dos estados mais liberais de um país que tinha abolido a já quase inexistente escravidão em 1852. A passagem pelo Panamá de hordas de aventureiros norte-americanos brancos, profundamente racistas, acostumados a um regime brutal de segregação racial ou ao regime da escravidão e ainda por cima cheios de ambições imperialistas, logo criou problemas.

Tom Waits - um performador?

Tom Waits nos ensinar a similar com esmero um desastre e fazer dessa simulação esmerada um momento intenso de poesia. Poesia indissociável da performance, da voz e do piano do autor. Escuto essa música num velho cassete enquanto trabalho e só consigo me lembrar da “Poética” do Manuel Bandeira e sua opção preferencial pelo lirismo dos bêbados… e me lembrar de uma ainda breve conversa sobre performance, poesia, música, letra etc. The Piano Has Been Drinking Tom Waits The piano has been drinking my necktie is asleep and the combo went back to New York the jukebox has to take a leak and the carpet needs a haircut and the spotlight looks like a prison break cause the telephone's out of cigarettes and the balcony's on the make and the piano has been drinking the piano has been drinking... and the menus are all freezing and the lightman's blind in one eye and he can't see out of the other and the piano-tuner's got a hearing aid
Diário de uma oficina 2 Receita de felicidade: Ouvir dez haikais um atrás do outro, numa roda de dez pessoas sentadas, com o leitor caminhando e discretamente endereçando cada um dos dez poemas a cada uma das dez pessoas. Depois dez minutos de preparação solitária, cada um lê em voz alta o seu haikai respectivo, de três jeitos diferentes. Caí com esta pérola de Taniguchi Buson [1716-1783]: A sensação de tocar com os dedos o que não tem realidade - uma pequena borboleta. Obra do mesmo Buson
Ilustração: Colagem de minha autoria Só o tempo dirá Só o tempo dirá se há ou não há raízes profundas. Só o tempo dirá se a dor penada assim, em comum, ata-nos laços mais duros que o mero apreço do interesse mútuo. Só o tempo dirá se aqui, na medula do nosso colosso, não vivem tremendas feras que nos ão de devorar. Só o tempo dirá.

Escavando notas: Bolívar, 1815

Coloco em versos, esta longa frase de Bolívar, que é não apenas bolivariana mas também faulkneriana em versos porque acho que assim ela fica ainda mais bonita: Yo considero el estado actual de América, como cuando desplomado el imperio romano cada desmembración formó un sistema político, conforme a sus intereses y situación, o siguiendo la ambición particular de algunos jefes, familias o corporaciones, con esta notable diferencia, que aquellos miembros dispersos volvían a restablecer sus antiguas naciones con las alteraciones que exigían las cosas o los sucesos; mas nosotros, que apenas conservamos vestigios de lo que en otro tiempo fue, y que por otra parte no somos indios, ni europeos, sino una especie mezcla entre los legítimos propietarios del país y los usurpadores españoles; en suma, siendo nosotros americanos por nacimiento, y nuestros derechos los de Europa, tenemos que disputar a éstos a los del país, y que man

Diário de uma oficina

Relativo ao sábado, 31 de Junho de 2012: Qual o pior efeito do obstinado mono-lingualismo brasileiro? A maioria das pessoas aqui perde a oportunidade de realmente escutar a si mesmas. Num meio social em que todos falam mais ou menos a mesma língua passam completamente batidos, por exemplo, os muitos sons nasais e os muitos “Us” guturais que espalhamos pelas nossas palavras e passam batidas até aquelas fatídicas vogais meio-pronunciadas no fim das palavras, entre outras coisas que a ortografia portuguesa esconde e o dogmatismo na alfabetização transforma em tabu. Não me falem em fatalidade quando falamos sobre a mono-lingualismo brasileiro, pois muitas outras línguas cruzaram nossas portas e passearam pelo país no século XX. Entre muitos exemplos possíveis levanto apenas o mais óbvio: milhões de falantes de italiano, espanhol, alemão, japonês e polonês vieram viver no Brasil e foram sistematicamente desestimulados e mesmo impedidos de manter suas línguas e ensiná-las a seus