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Showing posts from October, 2013

Escavando notas: de Rulfo a Duke Ellington e de Duke Ellington a Faulkner

--> A cantora Ivie Anderson é discretamente citada no conto “Paso del Norte” de Juan Rulfo como “la Anderson esa que canta canciones tristes.” Paso del Norte era o antigo nome de Ciudad Juárez , na fronteira com os Estados Unidos. Aqui o trecho: “—¿Y qué diablos vas a hacer al Norte?              —Pos a ganar dinero. Ya ve usté, el Carmelo volvió rico, trajo hasta un gramófono y cobra la música a cinco centavos. De a parejo, desde un danzón hasta la Anderson esa que canta canciones tristes; de a todo por igual, y gana su buen dinerito y hasta hacen cola pa oír. Así que usté ve; no hay más que ir y volver. Por eso me voy.” “La Anderson” canta entre muitas outras coisas uma canção da fronteira com a orquestra de Duke Ellington: o primeiro sucesso de Harry Warren, filhos de imigrantes italianos [nome de batismo Salvatore Antonio Guaragna] nascido no Brooklin famoso pelo seu trabalho com trilhas de Hollywood. A canção de 1922 se chama “Rosa of the Rio Grande”:  

Meu Lou Reed favorito: Gay e com uma tuba fazendo o contra-baixo

[Meu Lou Reed preferido vem do álbum Transformer , que eu ganhei numa fita K-7 da minha querida prima Sílvia Emanuela quando eu tinha 17 anos e passei um mês inesquecível na Espanha ainda de ressaca depois da longa noite do franquismo. No mesmo Transformer estava a famosa "Walk on the Wild Side," que não celebra o roquenrrol machão-cerveja-arroto-cigarro-no-bar-da-esquina mas uma outra onda, que nesse século XXI parece outro planeta, que continua existindo mas ainda mais clandestino. A tuba não me deixa mentir!]   Make Up   Your face when sleeping is sublime and then you open up your eyes. Then comes pancake factor number one, eyeliner, rose hips and lip gloss, such fun. You're a slick little girl. You're a slick little girl. Rouge and coloring, incense and ice, perfume and kisses, oh, it's all so nice You're a slick little girl. You're just a slick little girl. Now we're coming out, out of our clos

Telegrama de Mictlan

--> Desenho meu: "Quem ama nomeia quem ama não mata quem nomeia mata" Desta vez prometo não me esconder atrás de mim mesmo. Deixa vez prometo deixar no papel nada que não seja meu sangue e nada mais. Quando a onda vem e eu perco o pé, não me desespero. Eu solto meu corpo e sinto o silêncio vibrar no meu corpo a paz do esquecimento. Um vento mais denso de água e sal balança meu corpo feito um saco plástico vazio de mim. Imagino meu esqueleto solto dançando por dentro em ondas de sangue ainda mais denso. A próxima onda chega e me puxa ainda mais longe. Respirar me custa, me cansa subir. Devagar aos poucos tomo ar e volto. Não me sinto preso. Não estou me afogando ainda agora. Não estou vencido ainda que passe agora por mim o salva-vidas que vem atender alguém mais próximo da praia que eu. Não peço ajuda. Não é por orgulho. Estou à deriva por bem mais de meia hora. O salva-vidas me vê e me oferece levar-me de volta à praia. Não quero dizer que sim, quero me cal

Gosto como preconceito de classe

--> 95% das opiniões que as pessoas no Brasil têm sobre música são puro preconceito de classe e preconceito de inferioridade disfarçados em gosto musical. Um ritmo bate estaca na frente e dois ou quatro acordes com sujeitos com as marcas certas [roupas, cor da pele, penteado, nome] é música roquenrrol; sem as marcas certas, é lixo-brega:  

Conhecimento é mercadoria?

Dilma inaugurando creche ao lado do prefeito Li no London Review of Books uma resenha crítica demolidora que deveria ser leitura obrigatória no Brasil nesses dias em que, por exemplo, Dilma visita e Belo Horizonte e rasga seda com o prefeito pisca-pisca pelos seus esforços de deixar a iniciativa privada mamar nas tetas da prefeitura o leite ralo que sobra para a educação pública da cidade, que serve à maioria das crianças da cidade. Antes de qualquer coisa é necessário esclarecer um ponto importante. É comum no Brasil as pessoas confundirem universidades americanas particulares famosas como Yale ou Columbia com universidades brasileiras particulares, quando na verdade trata-se de duas coisas completamente diferentes. As universidades privadas brasileiras funcionam como as universidades "for-profit", que são geridas como negócios que distribuem dividendos aos seus acionistas ao fim do ano. A mais famosa [infame] dessas universidades é a University of Phoenix. Elas cresc

Feliz aniversário, Pelé!

  Pelé e Médici trocam abraços no país liberal ou na terra da felicidade, não tenho certeza. Trecho de entrevista dada por Pelé para o jornal La Opinión de Montevideo em 1972: “Não há ditadura militar no Brasil.  O Brasil é um país liberal, uma terra de felicidade.  Somos um povo livre.  Nossos dirigentes sabem o que é melhor para nós,  e nos governam com tolerância e patriotismo. ” A fonte é o artigo de Robert Levine chamado “Esporte e Sociedade: O caso do futebol Brasileiro” no livro Futebol e Cultura – Coletânea de Estudos.

Viva la mídia loca: censuráveis e incensuráveis

Um texto pequeno saiu no The Guardian sobre as políticas de censura do FCBK. Cenas de cabeças rolando: ok; cenas de mulheres amamentandoonde seus mamilos se deixam revelar: proibido! Esclareço de uma vez que eu não estou minimamente interessado em proibir ou "permitir" nada nem no FCBK nem em lugar nenhum. Esses momentos de ridículo são bons para salientar o que digo aos meus alunos daqui: um filme com uma decapitação gráfica e duzentas cenas de tortura e assassinatos não ganha a atenção de uma fração de mamilo feminino no sistema de censura americano e eles então não se sentem à vontade assistindo a um filme em que alguém fica pelado por 15 segundos porque já foram "treinados" para sentir-se assim, como nós no Brasil fomos treinados a achar normal que uma pessoa pública se chame "Mulher Filé" e venda parafusos com a imagem do seu traseiro ao lado de sujeito com cara de bonzinho vestido dos pés à cabeça e com um apelido infantilóide do tipo Gugão ou Faus

Confundindo continente e conteúdo?

  Luiz Cardoza y Aragón disse o seguinte sobre a relação de Artaud com a América Latina:   “confundió por desesperación, el Nuevo Continente con un Nuevo contenido. Algo hay de ello, pero no bastaba a su exigencia absoluta. También mucho de Europa moría en nosotros.” Uma exigência [obviamente não tão absoluta] por um novo conteúdo no continente novo não é má ideia. Principalmente quando nos repetimos a nós mesmos tão tristemente.   

Postais: Artaud de Silviano Santiago

O Artaud de Silviano Santiago em Viagem ao México : " Esses latino-americanos são todos uns infelizes em desterro, encantados com as maravilhas da industrialização que não conhecem e da cultura ocidental que conhecem como ninguém. Acreditam que as chaminés das fábricas vão nivelar todo o mundo das letras e deixar à mostra as formas ocultas e variadas da opressão capitalista. Mal sabem o que os espera no dia em que não forem mais cópias disformes, mais iguais ao original que tanto invejam.”

Escavando notas ou a raiz do peculiar racismo brasileiro

Carl Friedrich Philipp von Martius [1794-1868] articulou provavelmente pela primeira vez o tema das “três raças” que tem tido tanto impacto na identidade do Brasil. Von Martius escreveu a monografia “Como se deve escrever a história do Brasil” em resposta à chamada do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro por indicações para o estudo da história do então nascente Brasil. Von Martius saiu-se com a ideaia de que “o homem brasileiro” era resultado “do encontro, da mescla, das relações mútuas e mudanças” de “três raças, a saber: a de cor de cobro ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiópica” (442). A história do Brasil para Von Martius seria o resultado da “lei particular” que dirige o “movimento histórico” das três raças, movimento que implicava na sujeição de duas delas ao “sangue português (…) poderoso rio que deverá absorver pequenos confluentes das raças india e etiópica” (443).

Escavando notas: Ignorância ou cara-de-pau contando com a ignorância alheia?

Trecho do meu livro que sai no final deste ano: "Em entrevista a Márcia Abos de O Globo no dia 8 de maio de 2008, Tadeu Jungle, então envolvido no projeto chamado Amores Expressos , chamou o mesmo de “um projeto inédito no Brasil e no mundo.” Oito anos antes a Random House-Mondadori lançou o projeto Colección Año 0 , convidando sete jovens autores latino americanos (Roberto Bolaño, Rodrigo Fresán, Santiago Gamboa, Rodrigo Rey Rosa, José Manuel Prieto, Gabi Martínez, Lala Isla e Hector Abad Faciolince) a escrever um romance que se passava em uma cidade específica. Os romances foram lançados entre 2000 e 2001 e os mais bem sucedidos foram Una Novelita Lumpen de Bolaño passado em Roma e  Mantra de Fresán na Cidade do México."

Notícias de além TVlândia

Ou nada [Rômulo Fróes] Ou nada São cabeças cortadas no céu  de uma estrela chamada sol Todo o resto e você me detesta  e com isso seguimos nós Meu consolo é que eu morro de sono,  de chumbo, de bala e dó Um dó não devia no vidro uma bolha de ar Onde havia beleza, incerteza e pó Meu consolo é que eu morro de culpa,  de porre, de berro e só Só sob a estrela da noite  estrelada de alguém De algum astronauta,  de algum outro mundo Meu consolo é que eu morro de vício,  o início do fim de tudo ou nada...

Postal: Uma espécie diversa de morte

--> Colagem minha “Contudo, às vezes sucede que morramos, de algum modo, espécie diversa de morte, imperfeita e temporária no próprio decurso desta vida. Morremos, morre-se, outra palavra não haverá que defina tal estado, essa estação crucial. É um obscuro finar-se, continuando, um trespassamento que não põe termo natural à existência, mas em que a gente se sente o campo de operação profunda e desmanchadora, de íntima transmutação precedida de certa parada, sempre com uma destruição prévia, um dolorido esvaziamento; nós mesmos, então, nos estranhamos.” "Páramo" de Guimarães Rosa

Um bilhete do inferno

Arte minha: "Folha com notas sobre Marx em estado de desespero", 2013 Obs. Se não aparecer a imagem inteira, clique na mesma que ela aparece em outra janela.

Postal: Falando de forma contra o formalismo

Foto minha: Avenida Paraná "Form is not the neutral frame of particular contents, but the very principle of concretion, that is, the 'strange attractor' which distorts, biases, confers a specific colour on every element of totality." Slavoj Zizek, "Jameson as a Theorist of Revolutionary  Philately" 114

Uma primeira cooperação entre pai e filho

--> Ilustração: Samuel Na esfera cabal A esfera de cristal Vive o homem de marfim Vive dentro de mim Uma vida sem bolor Sem medo da morte Sem medo da dor Olha para o lado Tira de dentro de si os dois bracinhos O homem de marfim Quer sair de mim Ilustração: Samuel A esfera de cristal Flutuando no ar Numa nuvem de gás O homem de marfim Deixa os braços pra trás Agarrando a si mesmo No pedestal tambor A cabeça de marfim Olhando para mim Numa nuvem de gás Os olhos vaziinhos Se enchendo de mim

Antes do Nobel, Alice Munro entre o céu e o inferno

"There’s something confusing about the consensus around Alice Munro. It has to do with the way her critics begin by asserting her goodness, her greatness, her majorness or her bestness, and then quickly adopt a defensive tone, instructing us in ways of seeing as virtues the many things about her writing that might be considered shortcomings. So she writes only short stories, but the stories are richer than most novels. Over a career now in its sixth decade, she’s rehearsed the same themes again and again, but that’s because she’s a master of variation. She has preternatural powers of sympathy and empathy, but she’s never sentimental. She writes about and redeems ordinary life, ordinary people – ‘people people people’, as Jonathan Franzen puts it." Christian Lorentzen detonando Alice Munro aqui . "There are writers for whom reality seems a secret novelty; and there are writers for whom it seems a shared habit. In the first category-which would include Dost

Postais: Willem de Kooning lendo William Faulkner

Light in August de Willem de Kooning   “That’s what fascinates me— to make something I can never be sure of,  and that no one else can either.  I will never know  and no one else will ever know.” Willem de Kooning em entrevista “He stood with his hands on his hips,  naked, thighdeep in the dusty weeds,  while the car came over the hill and approached,  the lights full upon him.  He watched his body grow white out of the darkness  like a kodak print emerging from the liquid.” Trecho do romance Light in August de William Faulkner  

Música: Nadie conoce La Habana mejor que o grupo de Pedro Sánchez

--> São quatro Latino-americanos: dois cubanos, um peruano [onde uma cultura negra vibrante existe às sombras das imagens nacionais] e um venezuelano [que é Caribe e portanto tão influenciado pela cultura trazida e reelaborada pelos escravos africanos quanto Cuba ou o Brasil]. Eles se encontram em Nova Iorque e formam um grupo que toca ao vivo três vezes por semana num clube da cidade. Juntos os quatro entortam e reentortam e rereentortam a rumba por todos os lados, provocando-se e respondendo-se incansavelmente, esperando e avançando por todos os lados possíveis da síncope, tocando seus instrumentos e cantando com fúria. A pianista Ariacne Trujillo é um fenômeno de talento e criatividade tanto nos padrões rítmicos do piano como na harmonia e nos solos. E essa canção aí embaixo, doce de saudade, ainda serve para que Pedrito Sanchez, comendo as consoantes como só um caribenho sabe fazer, celebre seu amor pela “capital más linda del mundo” que ele conhece inteirinha como ninguém [

Escavando notas: um poeta brasileiro no México

“ Vi todo o mistério da arte, em sua expressão mais simples e direta, numa fábrica de Talavera de Puebla.  Acurvado sobre o torno primitivo, o ‘alfarero’ é um transfigurador. Como no Gênese, ao seu comando anima-se a argamassa e a ordem domina a matéria. Na argila macia, pegajosa e informe, correm-lhe os dedos sábios. Ao impulso do pé ligeiro, roda o torno, e o artista, secundado por esse movimento inicial, cria o Universo do caos. Cilindros, pirâmides,   esferas, surgem e desaparecem, no côncavo das suas mãos; as linhas se recurvam ou se distendem, alongam-se, interrompem-se, unem-se e, num relâmpago, nascem vasos de colos esguios, candelabros, jarras e copas de esquisito feitio.  Cantava no torno o esteta e, no fogo dos fornos crepitantes, cantava também a terra, a mesma terra que, antes, era poeira e rolava na pata dos animais, e agora seria cântaro para a boca fresca e lasciva da índia de ventre fecundo. Cantava o homem porque  se unira à terra

Poesia prosaica minha: porque eu não me desespero

Foto minha: hospício abandonado em Diamantina, se não me falha a memória Este aí embaixo é um primeiro rascunho de uma série de poesia prosaica [não confundir com prosa poética]: Eu não me desespero Dedicado a Miriam Carey Eu não me desespero, não; sabe por quê? Porque agorinha mesmo eu sei que num futuro talvez nem tão distante os exegetas de um outro planeta recolherão indícios da nossa existência no planeta Terra e se espantarão com essa multidão à minha volta que ainda insiste que não está acontecendo nada demais, que entre ultra-obesos e esfomeados e viciados e diabéticos e psicóticos de todos os tipos (e se um psicótico é alguém que perde contato com a realidade, levando em conta a realidade que nos é oferecida, quem não os pode compreender?) e deprimidos e dementes por Parkinson ou por Alzheimer não somos uma imensa legião de zumbis carregando nos bolsos um cartão de crédito e uma receita médica e uma das m