Skip to main content

Posts

Showing posts from March, 2014

Poesia: "Os Dois" de Cruz e Souza

OS DOIS Aos pobres – Minha mãe, minha mãe, quanta grandeza Nesses palácios, quanta majestade; Como essa gente há de viver, como há de Ser grande sempre na feliz riqueza. Nem uma lágrima sequer – e à mesa Dentre as baixelas, dentre a imensidade Da prata e do ouro – a azul felicidade Dos bons manjares de ótima surpresa. Nem um instante os olhos rasos d’água, Nem a ligeira oscilação da mágoa Na vida farta de prazer, sonora. – Como o teu louco pensamento expandes Filho – a ventura não é só dos grandes Porque, olha, o mar também é grande e... chora!

Voltar atrás para seguir em frente: Sobre a Cultura do Estupro

O capítulo 22 do Deuterônimo , livro do velho testamento e também da Torá, trata,na sua metade, de regras referente ao trato de animais domésticos. A segunda metade do capítulo trata do que chamaríamosem termos contemporâneos de "cultura do estupro". Ei-los: 13  Se um homem tomar uma mulher por esposa, e, tendo coabitado com ela, vier a desprezá-la, 14  e lhe atribuir coisas escandalosas, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher e, quando me cheguei a ela, não achei nela os sinais da virgindade; 15  então o pai e a mãe da moça tomarão os sinais da virgindade da moça, e os levarão aos anciãos da cidade, ã porta; 16  e o pai da moça dirá aos anciãos: Eu dei minha filha por mulher a este homem, e agora ele a despreza, 17  e eis que lhe atribuiu coisas escandalosas, dizendo: Não achei na tua filha os sinais da virgindade; porém eis aqui os sinais da virgindade de minha filha. E eles estenderão a roupa diante dos anciãos da cidade. 18  Então os ancião

Quando é que arte incomoda?

Trecho de entrevista de Vladimir Safatle ao Coletivo Zagaia acessível no site da revista Sibila : “normalmente quando se fala sobre a autonomia da arte isso parece um pouco retomar um discurso da arte pela arte, onde a relação entre arte e sociedade desaparece. Eu insistiria no contrário: só quando é radicalmente autônoma, quando a arte fala dela mesma, ela é política; só quando ela deixa de falar da sociedade e fala dela mesma que ela é política. Por quê? Jacques Rancière tem uma ideia boa a esse respeito, que é mais ou menos a seguinte: aqueles que criticaram a importância da discussão sobre a autonomia no modernismo estético, esqueceram que a autonomia é uma maneira que a arte tinha de fazer apelo a uma comunidade por vir; ou seja, uma maneira de dizer que a obra de arte não reconhece mais a ordem reificada na realidade social. Ela não conhece mais o modo de visibilidade naturalizado na realidade social, não conhece mais o modo de narrativa reificado na rea

Poema meu: Oroboro

Guardiães da Ordem

Arte Minha: Correntes Subterrâneas Profundas “Estos guardianes del orden son unos caníbales.”  Carta do pai de Juan Rulfo de 1922, um ano antes de ser assasinado.   Página 11 do fascinante livro/biografia que escreveu Alberto Vital  sobre Juan Rulfo chamado Noticias sobre Juan Rulfo  

Poesia minha: anti

Arte Minha: O Outro Practica inquisitionis hereticae pravitatis And therefore, since I cannot prove a lover To entertain these fair-spoken days, I am determined to be a villain. Ricardo III apaga o outro estereotípico e morre em vida  constrói seu inferno reduzindo o outro  a um inimigo

Diario da Babilonia - Books-n-Parks

Finalizando os posts sobre a democratização da leitura na cidade onde eu moro, uma iniciativa chamada Books n Parks feita nos muitos parques da cidade - 10 deles [sim, New Haven têm 200.000 habitantes e 3 parques imensos - calcule agora quantos parques imensos Belo Horizontes teria que ter]. É uma simples e pequena idéia, que eu acho muito simpática: uma dúzia de livros usados fornecidos pelo New Haven Reads são colocados dentro de uma caixa que os protege das intempéries [e o que não falta por aqui são intempéries]. A caixa não tem qualquer tipo de tranca. Qualquer pessoa pode chegar no parque e encontra, estrategicamente perto dos playgrounds para as crianças, essas caixas. Pode pegar um livro qualquer para ler ou folhear enquanto está no parque. A escolha é sua: você pode devolver à caixa quando for embora para casa ou pode até levar o livro para terminar casa sem problema. Nesse caso, só se pede que você deixe outro livro qualquer no lugar. Acho também extraord

Diario da Babilônia - New Haven Reads

New Haven Reads é um "banco comunitário de livros" criado em 2001, quando constatou-se que dois terços da população adulta de New Haven tinham um nível de leitura abaixo da terceira série do primeiro grau. A coisa funciona assim: você tem livros em casa que não quer guardar? Traga para nós. Você quer um livro novo para ler? Venha aqui e escolha um do nosso acervo. O "banco" inicial foi montado a partir de doações de um grupo específico [ex-alunos de Yale graduados em 1955 - a universidade faz um grande esforço para manter os ex-alunos em contato e engajados com a instituição]. O "portentoso" prédio onde fica o New Haven Reads O espaço é pequeno mas bem montado e confortável. De tempos em tempos passamos por lá, ou para pegar livros ou para levar livros. O pessoal "dando uma testada" nos livros Logo depois de aberto o espaço permanente foi incorporado um sistema que funciona com voluntários da cidade que oferecem aulas de reforço p

Diário da Babilônia - Bibliotecas

Moro em uma cidade de mais ou menos 200.000 habitantes no nordeste dos Estados Unidos. A minha cidade conta com uma biblioteca pública central no centro da cidade e quatro filiais localizadas em bairros diferentes. Entre 2000 e 2012 a circulação nas bibliotecas públicas de New Haven per capita aumentou em 51%, enquanto no mesmo período ela diminuiu uma média de 17% nas cidades circundantes [Hamden, East Haven, North Haven e West Haven, todas elas “coladas” em New Haven, formando com ela uma zona metropolitana de mais ou menos 1 milhão de pessoas].  Do ponto mais distante de New Haven até o centro gasta-se no máximo uma hora a pé ou quinze ou vinte minutos de ônibus. Mesmo assim as filiais tem prédios novos e modernos – e três delas ficam no coração dos bairros mais humildes da cidade [cidade que tem mais ou menos a metade dos seus habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza]. Isso mesmo: New Haven é pobre e por isso sua população precisa de opções de lazer d

Poesia: Philip Larkin

Foto minha: Olivia Olha Meu Pai Lines on a Young Lady's Photograph Album At last you yielded up the album, which, Once open, sent me distracted. All your ages Matt and glossy on the thick black pages! Too much confectionery, too rich: I choke on such nutritious images.   My swivel eye hungers from pose to pose – In pigtails, clutching a reluctant cat; Or furred yourself, a sweet girl-graduate; Or lifting a heavy-headed rose Beneath a trellis, or in a trilby hat   (Faintly disturbing, that, in several ways) – From every side you strike at my control, Not least through these disquieting chaps who loll At ease about your early days: Not quite your class, I'd say, dear, on the whole.   But o, photography! as no art is, Faithful and disappointing! that records Dull days as dull, and hold-it smiles as frauds, And will not censor blemishes Like washing-lines, and Halls'-Distemper boards,   But shows the

Música: A fossa transcedental de John Lennon

God John Lennon God is a concept By which we measure Our pain I'll say it again God is a concept By which we measure Our pain I don't believe in magic I don't believe in I-ching I don't believe in Bible I don't believe in tarot I don't believe in Hitler I don't believe in Jesus I don't believe in Kennedy I don't believe in Buddha I don't believe in Mantra I don't believe in Gita I don't believe in Yoga I don't believe in kings I don't believe in Elvis I don't believe in Zimmerman I don't believe in Beatles I just believe in me Yoko and me And that's reality The dream is over What can I say? The dream is over Yesterday I was the Dreamweaver But now I'm reborn I was the Walrus But now I'm John And so, dear friends, You'll just have to carry on The dream is over.

Poesia minha: Funk da Auto-Ajuda ou decálogo da ansiedade/depressão

Arte minha: Auto-Retrato [clique para ver a imagem maior] Funk da Auto-Ajuda ou Decálogo da ansiedade/depressão A ansiedade espreme, a depressão sufoca. A ansiedade aponta para cima, a depressão aponta para baixo. A ansiedade acelera, a depressão desacelera. A ansiedade explode, a depressão implode. A ansiedade é o maquinário do corpo batendo pino, a depressão é o maquinário do corpo fundindo o motor. A ansiedade se sente no corpo como pressão, a depressão o corpo sente como imersão num nada opaco e viscoso. A ansiedade ara o campo no qual a depressão depois semeia sua morte em vida. A ansiedade derruba o tronco onde o cogumelo da depressão viceja. A ansiedade e a depressão se alimentam tanto da pressão feita pela razão surda da produção quanto da pressão feita pela emoção cega do consumo. A ansiedade expressa o que a depressão exprime.

O manifesto revisitado com força de sentido renovado - Charles Bernstein em "Recalculations"

Abaixo meus trechos favoritos de "Manifest Aversions, Conceptual Conundrums, & Implausibly Deniable Links," poema de Charles Bernstein publicado no seu último livro Recalculations: "Immature poets borrow, Mature poets invest. [...] The work of art 'itself' does not exist, only incommensurable social contexts through which it emerges and into which it vanishes. [...] The shock of the new for some, the invigorating tonic of the contemporary for others.   [...] No pardist goes unpunished because in these times the parodist is pilloried for the views he or she parodies. In a world of moral discourse absent ethical engagement, only the self-righteous go unrebuked. [...] I am not the man I was much less the one I will be nor imagine myself as, just the person I almost am. A bird calls but I hear only its song. [...] I'm an observant Jew. I look closely at the things around me, as if they were foreign. [...] My mind is a labyrinth

Leopoldo María Panero

Leopoldo María Panero aos 21 anos escreveu isso:   “Vivo dentro de la fantasía paranoica del fin del mundo y no solo no quiero salir de ella sino que pretendo que los demás entren en ella. Todas mis palabras son la misma que se inclina hacia muchos lados, la palabra FIN, la palabra que es el silencio, dicha de muchos modos” Aos 38 escreveu para nos transportar para o lado de dentro do portão do manicônio:  EL LOCO MIRANDO DESDE LA PUERTA DEL JARDÍN Hombre normal que por un momento cruzas tu vida con la del esperpento has de saber que no fue por matar al pelícano sino por nada por lo que yazgo aquí entre otros sepulcros y que a nada sino al azar y a ninguna voluntad sagrada de demonio o de dios debo mi ruina. Mais de 500 páginas de poemas e 44 anos depois ele achou o seu FIN no dia 3 de março de 2014.

Poesia para meu pai e arte minha: "Os olhos de D. Paula" e "Carnaval"

  Os olhos de D. Paula                                                                                                                                    Para meu pai, que amava Machado de Assis um par de olhos grandes que teriam sido infinitos abaixa-se para deixar passar a onda, e ressurgir, grandes, sagazes e teimosos, lendo devagar, enfiando-se entre sílabas e letras para beber as palavras como um cordial. Tinha de novo toda a vida nos olhos; essa mocidade, inquieta e palpitante, a boca fresca, os olhos ainda infinitos.

Do espantoso ao inconcebível

  “Nem há mais nem sinal da confiança e simpatia das massas do Oeste da Ucrânia para com o Kremlin. Desde o último 'purgo' na Ucrânia ninguém no oeste do país que ser parte da satrapia do Kremlin que atende pelo nome de Ucrânia Soviética. As massas de trabalhadores e camponeses na Ucrânia occidental, na Bukovina, nos Cárpatos ucranianos estão em estado de confusão: A quem recorrer? De quem exigir? Tal situação naturalmente direciona suas lideranças na direção dos grupos ucranianos mais reacionários que expressam seu ‘nacionalismo’ tentando vender o povo ucraniano a um ou outro imperialismo em troca de uma ilusória independência.” Fragmento de texto de Leon Trotski de 22 de abril de 1939.  O texto completo [em inglês] você encontra aqui . “ Que a história tivesse copiado a história já era suficientemente espantoso; que a história copie a literatura é inconcebível...” Fragmento do conto “Tema del traidor y del héroe” de Jorge Luis Borges de 1944

Postal: A única maneira

Arte Minha: "Chang, Ta-tung" “La única manera de fijarse es devorarse” Carlos Monsiváis

Recordar é viver ou porque eu corro para as montanhas quando a direita na América Latina fala em defender a democracia

O que se faz em nome da democracia na América Latina Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí. Augusto Monterroso, 1956  “Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.” Editorial de O Globo, 1 de abril de 1964 “ A oferta de meu compromisso ao povo, perante o Congresso de seus representantes, quero-a um ato de reverdecimento democrático.” Emilio Garrastazu Médici, 30 de outubro de 1969 "Afirmo hoy, una vez más y en circunstancia trascendentes para la vida del país, nuestra profunda vocación democrática y nuestra adhesión sin reticencias al sistema de organización política y social que rige la convivencia de los uruguayos.” Dicurso de Juan María Bordaberry, 27 junho 1973 “Es conveniente la participación consciente y res