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Showing posts from August, 2014

Nossa classe média, de plebiscito em plebiscito...

Um conto que faz parte daquela série dedicada ao maravilhoso Cartola "rir para não chorar"... Saldanha da Gama tanto fez que, quase cem anos depois de morrer, acabamos fazendo o tal plebiscito. O resultado não foi bem o que ele queria,,, Plebiscito Arthur Azevedo A cena passa-se em 1890. [1] A família está toda reunida na sala de jantar. O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade. Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário belga. Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias. Silêncio De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta: — Papai, que é plebiscito? O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme. O pequeno insiste: — Papai? Pausa: — Papai? Dona Bernardina intervém: — Ó seu Rodrigues, Mand

Recordar é viver: Lupicínio Rodrigues explica porque era gremista

Todos os times de futebol brasileiro têm torcedores e jogadores que atravessam de ponta a ponta a sociedade, em termos étnicos e de classe. Alguns deles até hoje se identificam como equipes "de elite" e servem para o discurso de alguns imbecis que promovem o racismo a la brasileira, do tipo que cospe veneno contra o jogador negro do time adversário e convenientemente ignora o mesmo tom na cor dos jogadores do seu próprio time. E depois pede desculpas e diz que não é racista.  Porque sou gremista! Lupicínio Rodrigues    Jornal Última Hora, dia 6/04/1963, Coluna Roteiro de Um Boêmio Domingo, estive em um churrasco, da Sociedade Satélite Prontidão, onde se reúne a “Gema” dos mulatos de Pôrto Alegre. Lá houve tudo de bom, bom churrasco, boa música e boa palestra. Mas, como sempre, nestas festas nunca falta uma discussão quando a cerveja sobe, lá também houve uma, e, esta foi a seguinte. Uma turma de amigos quis saber porque, sendo eu um homem do povo e de origem humi

Recordar é viver: Almirante canta Noel Rosa

Não Brinca, Não Noel Rosa Canta Almirante, 1932 Pega na saca, Tira a jaca, Leva a faca, Que a macaca Sai da estaca Ela te ataca À traição E não brinca, não... Que ela hoje tá com o cão! Seu Fortunato, Olha o rato No sapato. E o seu gato, Que é de fato, Foi pro mato Com meu cão. E não brinca, não... Que vais ficar de pé no chão! Com sua farda, Toda parda, Bem galharda, Na vanguarda, De espingarda, Vem um guarda No pifão. E não brinca, não... Que ele tá cheio da razão! Dona Adalgisa Só me avisa, Só me frisa Que a camisa Não é lisa Não precisa De botão. E não brinca, não... Que não tá paga a prestação! Eu bem dizia Que eu sabia Que a Maria Fazia Na sacristia Cortesia Ao sacristão. E não brinca, não... Que até o padre é gavião!

Diário de London 5: Where is the Ghost Town?

A Londres que eu conheci em outra vida era assim:  Ghost Town The Specials This town is coming like a ghost town All the clubs ‘ave been closed down This place is coming like a ghost town Bands won't play no more [too much fighting on the dance floor!] ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah ah, ah ah ah yah ah ah ah yah Do you remember the good old days Before the ghost town? We danced and sang, and the music played inna de [in the, Jamaican style] boomtown. This town is coming like a ghost town Why must the youth fight against themselves? Government leaving the youth on the shelf This place is coming like a ghost town No job to be found in this country Can't go on no more The people getting angry ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah yah ah ah, ah ah, ah ah ah yah ah ah ah yah This town, is coming like a ghost town This town, is coming like a ghost town This town,

Diário de Londres 4: I am now root

Queria escrever poemas como os que Miklos Radnoti escreveu em seu último caderno , aquele que ele carregou consigo até a vala comum que os nazistas cavaram para ele e mais um vinte e um pobres coitados, antes de meterem-lhe um tiro na nuca. Poemas de certa forma inacessíveis para mim, porque escritos em Húngaro, essa língua sem irmãs nem mãe no meio da Europa. Só conheço as traduções para o inglês: The bullocks’ mouths are drooling bloody spittle, all the men are pissing blood, our squadron stands in rough and stinking clumps, a foul death blows overhead. Queria escrever poemas que ajudassem alguém a me identificar nessa vala comum que eu mesmo cavei para mim há oito anos - o tiro na nuca, obviamente, não poderia ter sido dado por mim mesmo. In the back pocket of the trousers a small notebook was found  soaked in the fluids of the body and blackened by wet earth.  This was cleaned and dried in the sun. E escrever assim: I am now a root myself -  It

Diário de Londres 3: Obituário 2, a Vingança

Noel Annan Outra marca registrada deste blogue é a sua falta de sincronicidade, um termo inclusive muito sincrônico. Assim, justo quando já sai de moda alabar a um defunto, é aí mesmo que alabaremo-lo. Ainda seguindo o espírito "cafona" do blogue, alabaremo-lo com um texto ainda mais velho e fora de moda. Nicolau Sevcenko publicou "O professor como corretor" na Folha de São Paulo no ano 2000 . Agora, aparando com a sacanagem, esse texto, digamos que "de intervenção", é o que vou mostrar aos meus alunos de Introdução à Cultura Brasileira amanhã. Ele exemplifica, para mim, a vantagem principal de se debruçar de verdade sobre uma cultura estrangeira, sem domesticá-la transformando-a numa versão estilizada da sua própria cultura. Qual seria essa vantagem? Justamente pode testemunhar outras pessoas verem e falarem sobre as coisas com outros olhos, de outros lugar. O texto em questão é daqueles que mantém um gume duplamente afiado que corta fundo até ho

Diário de Londres 2: Ainda sobre biografias: Virginia Woolf

Ainda sobre as biografias ou a construção de personagens em biografias, me parece simplista do ponto de vista historiográfico sintetizar um personagem com um punhado de atributos fixos. Alguém pode ser, em diferentes momentos da vida, extremamente covarde e depois extremamente corajoso sem qualquer problema de personalidade múltipla. Quero passar muito longe de qualquer preconceito realista de achar que literatura precisa de personagens complexos. E, do ponto de vista historiográfico, passar ainda mais longe ainda de qualquer relativismo bobo e acabar dando a entender que seja impossível compor personagens com um nível de complexidade digno das figuras biografadas ou que biografia e ficção são exatamente a mesma coisa. No mesmo Times Literature Supplement onde li sobre a biografia de Eleanor Marx [numa resenha escrita por uma estudiosa feminista famosa], li também sobre uma exposição de pinturas/fotografia montada em torno da figura de Virginia Woolf . Veja o contraste com a reflexã

Diário de Londres: Sobre biografias que decifram vidas

Saiu agora uma biografia da filha de Karl Marx, Eleanor, considerada por muitos uma pioneira do feminismo. A resenha indica uma certa tendência a "resolver em excesso" a vida da biografada, um defeito muito comum em biografias em língua inglesa que eu conheço, que tentam explicar tudo que aconteceu na vida de alguém em função de algumas ideias ou eventos importantes, subordinando tudo a eles, como se a vida de uma pessoa tivesse essa coerência lógica aguda que personagens de ficção às vezes têm. No caso da biografada em questão o problema parece agravado ainda mais em se tratando de uma pessoa que cometeu suicídio. A tendência a esse esquematismo transparece não só no livro como resenhado como na própria resenha também. O curioso é que a epígrafe do livro é uma frase da própria Eleanor, que diz o seguinte: "Is it not wonderful... how rarely we practise all the fine things we preach to others?"  Como se diz na gíria, "you can say that again"...

Postal: Gota 3

Foto minha: José Luis Cuevas, 1934 Uma Gota de Fenomelogia 3 Não acredito em destino mas sou dos que acreditam que antes de descobertas as coisas são pressentidas pela nossa imaginação. Isso acontece porque antes de se fazerem sentir pela sua presença as coisas se fazem sentir pela sua ausência e a ausência das coisas é precisamente o alimento primordial da imaginação humana.

Sugestão: Raízes do Brasil

Do mesmo jeito que acho uma pena pensar que a grande maioria dos brasileiros podia mas ainda não leu   Grande Sertão: Veredas , também acho uma pena pensar que a grande maioria dos brasileiros podia mas ainda não leu  Raízes do Brasil . Ler para gostar, para não gostar, para concordar e discordar das ideias do livro. De qualquer jeito, Raízes do Brasil  é uma viagem fundamental. Como leitor me senti às vezes desanimado, às vezes esperançoso, e muitas vezes desnudado no meu próprio pior e no meu próprio melhor. E fui descobrindo uma maneira crítica de ser brasileiro além do ufanismo chulé e do auto-desprezo crônico que ainda movimentam muita, muita gente no Brasil.    O que mais eu posso dizer de um livro que mais ou menos começa dizendo: "somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra" e que mais ou menos termina dizendo: "nos encontraremos um dia com a nossa realidade"?