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Showing posts from March, 2015

Mini-ensaio apressado: Flannery O'Connor e Clarice Lispector

Flannery O’Connor tinha cinco anos de idade e uma galinha de estimação. Sabe-se lá de que jeito, a menina ensinou a galinha a andar para trás e o feito virou tema de um curta-metragem de 1931 que a Pathé inseria antes da principal atração nos seus cinemas. A futura escritora do alto dos seus cinco anos aparecia na tela por alguns segundos com seu bichinho de estimação empoleirado no ombro. A galinha faz seu número e depois o narrador engraçadinho diz que o cameraman podia fazer isso com todos os outros bichos e começava a mostrar vários animais de fazenda em sequências mostradas de de trás para frente: Aqui está o filme no site da Pathé, com seus detalhes técnicos e aqui o depoimento com o sarcasmo típico de Flannery O'Connor. Flannery O'Connor gostava de dizer que aquilo tinha sido o ponto mais alto da sua vida e que tudo depois tinha sido um anticlimático. Na universidade O'Connor ocupou o posto de cartunista no jornal dos alunos já com um tipo de humor ácido e

Poesia [narrativa] minha: "Tudo vai ficar da cor que você quiser"

Tudo vai ficar da cor que você quiser Um ser humano pariu num sonho duas meninas a liberdade e a segurança são um casal muito moderno que já não sabe viver sozinho mas já não sabe viver em paz uma co’a outra vivem trancadas o dia inteiro no mesmo quarto se debatiam feito afogadas no mar bravio até que mortas de tão cansadas dormiam juntas no mesmo catre quando acordava de madrugada a segurança admirava embevecida a liberdade sua parceira de toda vida infatigável e devagar se devolvia ao sono leve dos assassinos dormia muito a segurança perdia a hora quando saía e não chegava a tempo ao porto perdia a hora perdia o barco chegava tarde ao velho forte feito ruína pelo inimigo perdia a praça perdia o emprego e sem dinheiro assim perdia seu quinto império a profecia o Daniel que acalmava dentro da cova os meus leões a liberdade assassinada ressuscitava antes do almoç

Retablos mexicanos ontem e hoje

A partir do fim do século XVIII e principalmente no século XIX, vários artistas mexicanos começaram a fazer pequenas pinturas em placas de zinco de 35 por 35 cm. Essas pinturas eram imagens religiosas ou votivas [em agradecimento por graças concedidas]. Nossa Senhora do Refúgio, la Refugiana, popular em Zacatecas, a Minas Gerais de prata. Ex-voto agradecendo a intervenção da Virgem de Guadalupe evitando uma tragédia num acidente de trem Os retablos refletem o desejo ou a necessidade de uma fé celebrada em casa, numa época de grande instabilidade no México. Exerceram uma influência considerável em Diego Rivera e principalmente em Frida Kahlo, que buscaram se apropriar de uma arte popular entranhada na cultura mexicana para fazer arte popular-engajada. As mãos do Doutor Moore, um retrato feito por encomenda para um cirurgião de Los Angeles por Diego Rivera Retrato do Botanista Luther Burbank de Frida Kahlo Alfredo Vilchis Roque, um artista popular, tem

Recordar é viver: Era uma vez um mural

Diego Rivera foi contratado pela família Rockefeller para fazer um mural no Rockefeller Center, conjunto de edifícios concebido como um verdadeiro monumento de fé da família endinheirada ao capitalismo posto em dúvida pela terrível crise de 1929. Rivera resolveu plantar quase no meio do mural a figura de ninguém menos que Lênin. A família Rockefeller pressionou para que ele apagasse Lênin, mas Rivera bateu o pé. No máximo incluiria um Abraham Lincoln do outro lado do mural. Resolveram então pagar integralmente ao muralista mexicano a quantia combinada e depois destruíram o mural, ainda que alguns na família Rockefeller quisessem transportá-lo para o MoMA. A inteligência de Rivera fez da destruição do mural no coração de Manhattan um ato simbólico poderoso e ele considerou a obra como tal plenamente bem sucedida. Lucienne Bloch fez escondida fotografias do mural antes que ele fosse destruído e as imagens correram o mundo.   Exatamente um dia depois da demolição do mural, Hitler

De Pindorama a Babilônia, tá feia a coisa

Em 1928 o 1% mais ricos nos Estados Unidos eram senhores de 24% da renda nacional. FDR Um certo Franklin Delano Roosevelt governou os Estados Unidos de 1933 [quando recebeu um país com 13 milhões de desempregados] a 1945 [quando ajudou os russos a derrotar Hitler]. Depois de quatro mandatos na presidência, tinha reduzido a 11% a porcentagem da renda nacional que estava nas mãos do 1% mais ricos em 1944. FDR era um membro da elite americana que estudou em Harvard e formou-se em direito em Columbia, mas sacudiu o país e enfrentou poderes econômicos fortíssimos em confronto às vezes aberto. Brigou por exemplo com a corte suprema até conseguir mantê-la longe de engessar a política econômica em nome de dogmas do liberalismo do século XIX. Seria bom se os políticos de hoje em dia dessem um lida nos discursos de FDR, um sujeito que sabia falar com o público de forma direta, sem esse medo de ofender que transforma muitos políticos em verdadeiros seguidores de Odorico Paraguaçu. Exemplo

Um Playground para os Bilionários

Um apartamento no novo condomínio de luxo One57 em Nova Iorque chegou ao preço de nada mais nada menos que 100 milhões de dólares. Tauscher não está interessado em fazer perguntas demais. 77% dos apartamentos no One57 foram comprados por entidades financeiras de origem obscura e 58% desse tipo de apartamento em Nova Iorque é comprado em dinheiro vivo. Rudy Tauscher, gerente de um desses condomínios disse: “O edifício não sabe de onde vem o dinheiro. Não nos interessa.” Em outras palavras o tal mercado super-luxo é também um convite para que todos os Perellas do mundo venham lavar seus helicópteros cheios de pasta de cocaína em Nova Iorque. Sabe quanto desconto os moradores desses apartamentos terão no seu IPTU [property tax]? 95%. Esse ano cada apartamento deixará de pagar a bagatela de 360 mil dólares em imposto à cidade. Sabe como os empresários que construíram o prédio conseguiram esse desconto? Financiando 61 apartamentos no Bronx. One 57 é aquele magrelo bem mais alt

Fragmentos de um mini-curso 1: Famigerados Tall Men com as raízes presas no nada

“The Anglo-Saxon, who would stay, to endure: the tall man roaring with Protestant scripture and boiled whiskey, Bible and jug in one hand and like as not an Indian tomahawk in the other, brawling, turbulent, uxorious and polygamous: a married invincible bachelor without destination but only motion, advancement, dragging his gravid wife and most of his mother-in-law’s kin behind him into the trackless wilderness, to spawn that child behind a log-crotched rifle and then get her with another one before they moved again, and at the same time scattering his inexhaustible other seed in three hundred miles of dusky bellies: without avarice or compassion or forethought either: felling a tree which took two thousand years to grow, to extract from it a bear or a capful of wild honey.” "Mississippi" de William Faulkner que você ler aqui .  "Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse: — Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens,

Flannery O'Connor explica porquê o Sul tem a literatura dos Estados Unidos que eu mais gosto

Flannery O'Connor "The problem [...] will be to know how far [the writer] can distort without destroying, and in order not to destroy, he will have to descend far enough into himself to reach those underground springs that give life to big work. This descent into himself will, at the same time, be a descent into his region. It will be a descent through the darkness of the familiar into a world where, like the blind man cured in the gospels, he sees men its if they were trees, but walking. This is the beginning of vision, and I feel it is a vision which we in the South must at least try to understand if we want to participate in the continuance of a vital Southern literature. I hate to think that in twenty years Southern writers too may be writing about men in gray-flannel suits and may have lost their ability to see that these gentlemen are even greater freaks than what we are writing about now. I hate to think of the day when the Southern writer will satisfy the tired rea

Poesia minha: Resposta

Resposta Foto minha: Janela do OISS Como é que eu ando na vida Eu sou um homem novo Eu sou o mesmo velho Que eu sempre fui Eu sou um homem livre Eu sou o mesmo escravo de Jó Que eu sempre fui Sou o seu melhor irmão E sou o mesmo assassino Que comeu o seu coração E depois voltou por mais Mesmo quando já não há Mesmo porque sempre há Alguma coisa nova para matar Como é que eu ando na vida Eu quero muito poder morrer Eu quero muito continuar vivo E só peço um fim tranquilo Num cantinho bem quentinho Estou a ponto de implodir Feito um cassino de Hollywood Feito uma válvula de televisão Foto minha: Janela do OISS 2 Como é que eu ando na vida Eu sou puro orgulho Puro sorriso resplandecente Sem vergonha safado demente E sou aquele de quem você tem pena O coitadinho sem rumo O perdido o abandonado O entortado sem conserto Incoerente incompleto inocente Sozinho triste olhar de peixe morto Barriga para cima boiand