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Showing posts from June, 2015

Sobre literatura contemporânea

Cinco trechos bastante interessantes de texto recente de Alcir Pécora , alguém com um ponto de vista bastante crítico sobre literatura contemporânea no Brasil, mas que consegue ir muito além da rabujice besta que aparece no jornal umas duas vezes por semestre, chorando saudades dos bons tempos em que os gigantes literários de antanho passeavam suas panças viris pelos bares, cafés e livrarias cariocas e paulistanas... 1. "... diluição da história e da memória na ficção de segundo grau, a serviço de um eu-mínimo. Mas não dá para fazer boa literatura fazendo glosa ou trívia de literatura. Literatura forte não pode estar no passivo das conquistas da literatura, e sim na sua disposição para o novo, para o árido, para o que ainda não se pode definir sequer como literatura." 2. "... a ideia de “Brasil” parece diluída na vontade de ser escritor ou de ser publicado. Mas, desgraçadamente, nem por isso as ideias de “mundo” ou de “estrangeiro” são mais sólidas ou mais trabalh

Recomendação: Nuvem Cigana

Estou lendo com imenso prazer e curiosidade o livro Nuvem Cigana - Poesia e Delírio no Rio dos Anos 70 , organizado por Sérgio Cohn.  É uma espécie preciosa e heterodoxa de livro de história da literatura brasileira, uma forma muito adequada para um grupo de pessoas que primava pelo elogio à alegria vitalista. O livro conta a história de um movimento desprezado por muitos que mal o conhecem por esnobismo e/ou elitismo e/ou dificuldade de aceitar escolhas de vida que passaram mais ou menos longe de um certo conformismo classe média, por bem ou por mal. Junta documentos preciosos e os depoimentos de uma pá de gente. Como toda a produção literária de qualquer época que eu conheço, encontra-se aí coisas muito legais, coisas mais ou menos meia-bomba e coisas ruins. "Isso vai ser ótimo! O primeiro não se lembra, o segundo esquece e o terceiro inventa!" Charles "Em cima daquelas dunas começou a se reunir uma estranha espécie de seres peludos, esqueléticos, com pouquíssima

Borges e Perón atando as pontas

Excelente texto sobre as celeumas a respeito dos direitos de uso da obra de Borges, fugindo do clichê Yoko Ono destruiu os Beatles que andam aplicando à viúva do homem e aproximando borgianamente esses dois monstros argentinos, Perón e Borges: Ilustração minha:  uroboro “Pongamos por ejemplo otro Pierre Menard: la invención de la Triple A, viz. historia nacional de la infamia. Juan Domingo Perón creó y firmó el decreto que proscribía al Ejército Revolucionario del Pueblo; imaginemos que este documento es luego copiado por un Pierre Menard que lo reproduce al dedillo y que, oh, es la Junta Militar. Mutatis mutandis , Borges es una especie de Perón que inspira y libera a la juventud para que estallen mil Vietnams del intertexto y a la vez firma el documento que proscribe y persigue a esos miles (o esos pocos guerrilleros literarios). Avala el terrorismo (literario, creativo: verbigracia “escribir es robar”), pero deja instrucciones específicas a su mujer donde proscribe su u

Filhos que resgatam pais: Cruz e Souza

Ando às voltas com o maravilhoso João da Cruz e Souza, pedra no sapato de quem acha que a poesia modernista começou em 1922, quando começou a vanguarda que adotou esse nome tão ambíguo. Cruz e Souza dedicou o poema abaixo a seu filho. Gosto muito das suas redondilhas rimadas em duplas, esquema que Cruz e Souza usa com igual perícia e astúcia no também maravilhoso "Litania dos Pobres". E gosto principalmente da ideia de que os filhos resgatam seus pais  dos seus próprios infernos e demônios . Isso creio que acontece pelo menos certos pais, pelo menos parcial ou provisoriamente. São os que têm sorte. Tem sido assim comigo há mais de 10 anos. Sou um sortudo.    Recolta* de estrelas                                 *colheita (1 out. 1895) A Tibúrcio de Freitas Filho meu, de nome escrito Da minh'alma no Infinito. Escrito a estrelas e sangue No farol da lua langue... Das tuas asas serenas Faz manto para estas penes. Dá-me a esmola de um carinho Como a luz de um claro vinho.

Diário da Babilônia: Um pequeno conto sobre corrupção I

1. Em 2013 um senador estadual [sim, existem senados estaduais nos EUA] do partido democrata aventou a possibilidade de se candidatar a prefeito da Cidade de Nova Iorque pelo partido republicano. Para isso ele precisava do apoio de membros do Partido Republicano na cidade. Um envelope contendo 40 mil dólares em dinheiro foi entregue a um certo J. Hallorand III, vereador da "cidade" de Queens na cidade. Halloran serviu como intermediário para um contato com Vincent Tabone e Joseph Savino, que receberam respectivamente 50 e 75 mil dólares. O FBI estava monitorando toda a negociata usando um certo Moses Stern que, condenado a 450 anos de prisão, buscava reduzir sua pena. 2. Em abril de 2013 a notícia estourou e o governador do estado de Nova Iorque convocou a imprensa e anunciou a criação de uma comissão de 25 membros para investigar a corrupção política no estado, dizendo, "eles poderão investigar qualquer coisa que eles quiserem investigar; podem me investigar, investig

Adeus, Fernando Brant!

Foto minha: Água e Pedra em Diamantina Nessa época na casa dos meus pais cada disco novo de Milton Nascimento ou de Chico Buarque era um acontecimento. Meu pai comprava o disco, levava para casa e a família inteira se reunia em volta da vitrola. Escuteavamos quase me silêncio um lado, alguns faziam uns comentários [nunca eu] e escutávamos o segundo lado. Meu pai se maravilhava com Fernando Brant e eu me encantava mesmo era com a voz do Milton. Pensava comigo que o Milton podia compor em cima de um anúncio de Colorama e tudo ficava lindo. Um desses grandes enganos da infância, direito de qualquer um. Além do mais eu curtia os discos mais antigos, menos doces e as letras nonsense do Márcio Borges. O fato é que quando Milton se fazia acompanhar de um grande letrista que sabia encontrar as palavras justas para os meandos delicados dessas melodias de fazer o coração palpitar... Fernando Brant, nos seus momentos mais felizes, era o melhor deles; meu pai tinha razão.  Itamarandiba Fer

Postais do Inferno: O testamento de Victor Hugo

Testamento de Victor Hugo, um exemplo de concisão: " Je donne cinquante mille francs aux pauvres. Je veux être enterré dans leur corbillard. Je refuse l'oraison de toutes les Eglises. Je demande une prière à toutes les âmes. Je crois en Dieu. " "Dou cinquenta mil francos aos pobres. Quero ser enterrado num féretro como os deles. Eu recuso as orações de todas as igrejas. Eu peço uma prece a todas as almas. Eu creio em Deus.

Notas para livros impossíveis

1. "Ao invés de dar sua própria opinião, um grande crítico possibilita aos outros formar a opinião deles com base na sua análise crítica." "O realismo de ontem é o maneirismo de hoje." 2. "As coisas para ele eram engraçadas e tristes ao mesmo tempo, mas você não conseguiria ver a tristeza das coisas se não enxergasse a sua graça porque as duas estavam amarradas." Meu tio Zuza costumava dizer que o que a mulher mais queria do homem era mandar no casamento, mas há que se considerar que meu tio Zuza viveu a vida inteira solteiro. 3. "O mundo diminuiu sem que tenhamos crescido." "Antes de criar devemos existir mas para existir havemos de criar sem trégua." Não somos consumistas por frivolidade mas por desespero. Nosso mundo está dividido em duas metades complementares. Uma delas é o terrível universo da produção: dominado pelo intelecto, pela objetividade, pela padronização e pelo mais desapiedado desencantamento. A outra met

Primeira frase do Discurso sobre o método em cinco versões

Primeira Frase de Discurso sobre o Método Le bon sens est la chose du monde la mieux partagée; Good sense is the best shared-out thing in the world; O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: El buen sentido es lo que mejor repartido está entre todo el mundo, Il buon senso è fra le cose del mondo quella più equamente distribuita, car chacun pense en être si bien pourvu, for everyone thinks he has such a good supply of it pois cada um pensa estar tão bem provido dele, pues cada cual piensa que posee tan buena provisión de él, giacché ognuno pensa di esserne così ben dotato, que ceux même qui sont les plus difficiles à contenter en toute autre chose even if he is extremely hard to please about other things. Que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa que aun los más descontentadizos respecto a cualquier otra   cosa, che perfino quelli che sono più difficili da soddisfare riguardo a ogni altro bene n'on