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Showing posts from September, 2015

Os anos 80: Lembranças do que nunca aconteceu

--> Bela Lugosi, undead Anos 80. Eu tinha sem saber me recuperado sozinho aos trancos e barrancos da minha primeira crise de depressão, mas só queria saber das músicas mais cavernosas e fúnebres que eu pudesse encontrar, além de uma obsessão por dubs de reggae [para quem nnao sabe, um sub-gênero com remixagens com camadas e camadas de eco e toasters, rappers jamaicanos antes do rap existir]. As duas coisas se encontravam na primeira faixa do disco de 1979 de uma banda inglesa com um nome que depois seria muito familiar [fui estudar arquitetura]: Bauhaus. Hoje no rádio uma conversa supostamente inteligente falava sobre a memória comum de uma dada geração como uma coisa supostamente importante que supostamente não existiria mais em tempos de internet. Essas lembranças sobre uma canção cavernosa que ninguém no Brasil nunca ouviu e mesmo na Inglaterra pouca gente hoje em dia conhece são as memórias de alguém que não compartilhou naquela época com ninguém esses gostos es

Flap, flep, flip, flop, flup

Uma das coisas mais legais que eu já vi na relação muitas vezes difícil [às vezes inexistente] entre literatura e cultura popular no Brasil foi em Cordisburgo, uma pequena cidadezinha no meio do nada desde que a estrada ferro morreu e deu seu lugar à rodovia Belo Horizonte/Brasília. Ali a gente simples do lugar se junta com um comerciante humilde da cidade todos os anos e faz uma grande festa para comemorar o aniversário do homem mais famoso dali: João Guimarães Rosa. Flips flops e flups teriam algo que aprender com a festa que Cordisburgo oferece a Guimarães Rosa. Ao invés de lançar fofocas "novas" sobre seus homenageados e convidar "gente chique"para falar coisas chiques e ser aplaudida ou não por uma audiência esperando por alguma coisa que não está lá, imaginem que incrível seria colocar na boca da gente da periferia da Paulicéia os poemas e contos e trechos de romances de Mário de Andrade ou na boca da gente do Recife ou do Rio de Janeiro alg

sobre leões e domadores

Cecile e seu caçador/dentista Uma gota de fenomenologia: sobre leões e domadores Comecemos com uma obviedade: o leão é mais forte que o domador. Mas o leão não sabe disso. A tarefa do domador é esconder suas cicatrizes e apresentar ao leão um modo de ver o mundo em que a existência da jaula e do chicote seja uma consequência natural. Também deve ser uma consequência natural desse mundo que o domador apresenta ao leão com seu chicote e sua jaula o fato de que a carne de primeira está sempre no prato do domador e ao leão enjaulado resta sempre apenas os ossos e os nervos. Esse é o ponto nevrálgico que articula o discurso do domador com o seu poder sobre o leão. Outro nome para esse ponto de articulação é ideologia. Ele é como um corte que se esconde por debaixo de uma cicatriz e a faz coçar. Escondê-lo é ainda mais importante que esconder as cicatrizes que o domador porventura carregue na pele. O discurso que produz essa forma peculiar de ver o mundo

Prosa minha: algo em comum

Foto minha: "Urna de Dias" 7 - Uma gota de fenomenologia ou algo em comum “… è un’impresa senza speranza rivestire un uomo di parole, farlo rivivere in una pagina scritta…” Primo Levi, Il sistema periodico Tomo em minhas mãos uma entre as muitas autobiografias que encontro nas prateleiras da biblioteca que costumo frequentar todos os dias. Dentro do livro, o eu que conta a história não é idêntico ao eu que é contado. Um terceiro eu, que assina a capa do livro e prega uma foto com sorriso de Mona Lisa na orelha, não é idêntico a nenhum dos outros dois. Longe dali, um quarto eu acorda, se levanta, tira o pijama e escova os dentes olhando sonolento para o espelho – ele também não é idêntico a nenhum dos outros três. Enquanto esse quarto eu escova preguiçosamente os dentes, um quinto eu aparece estampado no espelho do banheiro. Esse quinto eu encara sonolentamente o quarto – mas nem esses dois eus, frente a frente dentro do banheiro, são i

Segunda versão

6 – Uma Gota de Fenomenologia ou Auto das Flores escovar a história a contrapelo Estou neste momento tomando um café na mesa de um restaurante assentado num pedaço de terra no município de Moctezuma no norte do estado de Minas Gerais no sudeste do Brasil. Esse restaurante está aqui, creio, faz mais ou menos 20 anos. Foi construído com a permissão do dono desse pedaço de terra, que o herdou de seu pai, que o comprou de um ex-proprietário de uma fazenda que incluía outros terrenos envolta desse. Esse antigo dono, por sua vez, herdou a antiga fazenda de seu pai, que a comprou de um outro fazendeiro que por sua vez herdou a terra de seu pai, que a ocupou. Esse primeiro sujeito, que chegou aqui há seis gerações atrás, foi o primeiro proprietário desse pedaço de terra. Antes ela não pertencia a ninguém. Isso não quer dizer que ninguém vivia aqui. E aqueles que viviam aqui antes da chegada desse primeiro proprietário documentado foi destituído de seu direito de usar esse pedaço de

Prosa minha: Uma Gota de Fenomenologia ou Auto das Flores

Uma Gota de Fenomenologia ou Auto das Flores escovar a história a contrapelo Estou neste momento tomando um café na mesa de um restaurante assentado num pedaço de terra no município de Moctezuma no estado de Minas Gerais no Brasil. Esse restaurante está aqui faz mais ou menos 20 anos. Foi construído com a permissão do dono desse pedaço de terra, que o herdou de seu pai, que o comprou de um ex-proprietário de uma fazenda que incluía outros terrenos envolta desse. Esse antigo dono, por sua vez, herdou a antiga fazenda de seu pai, que a comprou de um outro fazendeiro que por sua vez herdou a terra de seu pai, que a ocupou. Esse sujeito que chegou aqui há seis gerações atrás foi o primeiro proprietário desse pedaço de terra. Antes ela não pertencia a ninguém, o que não quer dizer que ninguém vivia por aqui. Quem vivia por aqui antes desse primeiro proprietário documentado foi destituído de seu direito de usar esse pedaço de terra para caça, cultivo ou moradi

Calle 13 & Rubén Blades: La Perla

--> La Perla*                                                         *Bairro de San Juan en Porto Rico Calle 13 y Rubén Blades Oye, esto va dedicado a todos los barrios de Puerto Rico ¡Trujillo*!                                                                                  *Cidade de Porto Rico Dedicado al barrio de La Perla  ¡Pocho! dile a Joana que me haga un arroz con habichuela bien duro. Eh, un saludito a Osián, lo cogemos bajando  Y tú, ¿qué estás mirando?  Yo tengo actitud desde de los 5 años.  Mi mai me la creó con tapabocas y regaños.                           *mai: madre Desde chiquito, canito*, con el pelo castaño,                                      *canito: pálido, branquinho soy la oveja negra de todo el rebaño.  Y fui creciendo poquito a poco Brincando de techo en techo, tumbando coco. Y aunque casi me mato y casi me cocoto*                              *[des]cocotar: romper la cabeza nunca me vieron llorando ni botando moco.

Existe algo mais parecido com um festim de bruxas que um espetáculo de exorcismo coletivo?

Quando a histeria coletiva sobre bruxas e bruxos atacou as colônias dos puritanos ingleses na América em 1692, 25 vilas e cidades denunciaram por bruxaria entre 144 e 185 pessoas entre 5 e 80 anos de idade, a maioria delas mulheres e em 4 meses enforcaram 14 mulheres, 5 homens e 2 cachorros. Os puritanos [como aliás todos os europeus naqueles tempos] eram obcecados com bruxaria, que era a segunda ofensa mais séria no código de justiça da colônia, depois apenas da idolatria e antes da blasfêmia [3], assassinato [4], envenenamento [5] e bestialidade [6]. E não é novidade que a misoginia estava no centro dessa paranóia coletiva. Como dizia um famoso manual de caça às bruxas, "quando uma mulher pensa sozinha, ela pensa o mal". No centro desse caldeirão de neuroses explodindo em um surto violento de psicose coletiva, um jovem pastor puritano formado em Harvard: Cotton Mather, o Padre Vieira do período colonial daquelas bandas empobrecidas das Américas. Cotton Mather, cheio de

Poesia minha: dormindo estamos mortos pro mundo

--> Foto minha: Pedras de New Haven dormindo estamos mortos pro mundo dormindo estamos mortos pro mundo não há dor, não há mágoa, não há pena se o mundo não dorme aqui conosco isso já não é mais nosso problema nós sempre nos deitamos o mais cedo e acordamos o mais tarde que podemos à tarde, se possível, adormecemos e no fim de semana hibernamos o pijama é o nosso uniforme constante e a cama é o nosso endereço permanente dormindo estamos mortos pro mundo nosso coração segue batendo impenitente e nós seguimos então exaustos de tudo dormindo estamos mortos pro mundo