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Showing posts from October, 2015

Música: "I sure hope Gabriel likes my music, when the day is done"

"I sure hope Gabriel likes my music, when the day is done" é o final de Daniel Variations , que Steve Reich compôs em 2006 sob o impacto da morte do jornalista Daniel Pearl, sequestrado e depois assassinado no Paquistão em 2002. Essa é música composta no século XXI. Aqueles que insistem em dizer que vivemos uma crise cultural porque não se faz mais música/poesia/romance/conto/cinema como antigamente, não entendem que vivemos uma crise cultural, sim, mas de outra natureza. É uma crise na distribuição e recepção da excelente produção cultural do nosso tempo. Nos anos 60, quando ninguém queria dar espaço para as composições de gente como Steve Reich no circuito consagrado de música erudita, o que ele fez foi escrever peças para poucos músicos e apresentar sua música em lugares alternativos. Antes da internet seria necessário um grande esforço para encontrar e escutar música como Daniel Variations . Agora basta um par de cliques. Espaços como o Netchfliques, o Gúgol e o FCBK

Sobre Svetlana Alexievitch

Svetlana Alexievitch é o quinto Nobel Russo. Li trechos em inglês dos seus livros e achei muito interessante. A entrevista dela que eu li, sinceramente, não acho que acrescente muito. Dois trechos: "Vivemos um ambiente de banalidades. Para a maioria das pessoas isso basta. Mas como é que você se comunica? Como é que você arranca esse verniz de banalidade? Há que fazer as pessoas descer até as profundezas delas mesmas." e "Não acredito que 'novos fatos' possam nos ajudar a compreender as coisas." Mas também escritor não tem que necessariamente ser bom de entrevista, mas sim bom de livro. Frequentemente falar eloquentemente sobre a própria obra não implica numa obra em si com o mesmo interesse. E Alexievitch tem um método de trabalho muito interessante. Pelo que eu entendi, é assim: 1. Ela escreveu quatro livros sobre momentos significativos da história recente da Rússia no século XX: a segunda guerra mundial, Chernobyl, a guerra no Afganistão. 2

Cordeiro de deus que dá clitóris aos pecados do mundo

Dois trechos da entrevista da linguista Yeda Pessoa Castro para a revista de história da Biblioteca Nacional me chamaram a atenção: "Fui ver a estrutura silábica do português arcaico e a formação silábica e o processo fonológico das línguas faladas em Angola e no Congo, e reparei numa extrema coincidência: é o mesmo tipo de estrutura silábica: consoante-vogal-consoante-vogal o tempo inteiro. Houve o mesmo tipo de encontro do português arcaico com essas línguas, que eram faladas majoritariamente no Brasil. Em vez de haver um choque, em vez da necessidade de emergir outro falar, um falar crioulo, não: houve simplesmente uma acomodação, devido às coincidências dessas estruturas linguísticas." O que mais me marcou foi o trecho que falava em acomodação ao invés de choque como marca do encontro dos sistemas linguísticos do ocidente africano sub-saariano e do português. Porque sem dúvida somos, para bem e para mal, uma cultura de acomodação. A questão é que a nossa cultu

Compulsão pela repetição

Não seria difícil crer na compulsão a repetir certos gestos retóricos dentro de uma dada cultura nacional. Uma observação atenta e percebo em cada figura política de sucesso, apesar de algumas novidades, a repetição de certos temas e certos giros retóricos do passado, mesmo que essas repetições sejam feitas em nome de coisas bem diferentes. Eis o nosso repertório numa lista de samba enredo: Foto minha: Cicatriz Dom Pedro I da independência ao exílio de volta à casa portuguesa, a farsa da regência, as várias revoltas regionais, o ano da fumaça em Carrancas, os malês, o nativismo gaúcho, Dom Pedro II o culto, a Guerra no Paraguay, Dom Pedro II o caduco, a proclamação golpista da república, a ditadura de Floriano Peixoto, Canudos, a Revolta da Vacina, a política do café-com-leite, o Contestado, os tenentes nos anos 20, Washington greve-é-caso-de-polícia Luís, Getúlio Vargas e seus acordos e desacordos com deus e o diabo, o nativismo paulista, a CSN, o Estado Novo e o DIP, a dança

Cinco pontos de reflexão sobre a gravação da vida

Arte minha: Auto-Retrato 1. A biografia é um gênero literário. Não basta ser fidedigno e fazer pesquisa. É preciso montar com os dados que se tem e as interpretações que se inventa um livro que conta a história da vida de alguém de um jeito que toca e provoca o leitor. Nesse sentido a biografia de Benjamin Moser da vida de Clarice Lispector é muitíssimo superior à biografia de Eduardo Jardim da vida de Mário de Andrade. 2. Uma autobiografia é sempre um livro incompleto pelo simples motivo de contar a história de uma vida que não chegou ao ser ponto final. Há apenas uma gloriosa exceção: o Brás Cubas de Machado de Assis. 3. Todo autor consagrado sofre com os amigos de sua obra. Nada pior do que virar santo/gênio. Nem virar monstro, como acontece com frequência em biografias escritas nos EUA. Como o biógrafo de Lou Reed, que chama o músico de "monstro" com base em detalhes sórdidos da vida pessoal do cantor. Mas as obras do santos do panteão literário tem tantas arestas

Um longo trabalho de luto

1. Uma das maiores dificuldades em se inserir numa cultura que você não viveu é que muitas vezes você não sabe o quê perguntar e é pego de suspresa ao pegar de surpresa os outros por não ter tratado de coisas que a eles parecem tão elementares. Nem veio à sua mente perguntar a pergunta nem muito menos veio à mente do seu interlocutor que essa seria uma das coisas que você não saberia. 2. Assim um jovem brasileiro há vinte anos atrás iria para os Estados Unidos sem cartão de crédito e se espantaria ao ter que fazer um depósito de $5,000 para poder ficar num quarto de hotel pelo qual ele já pagara no Brasil por não poder apresentar um cartão de crédito no momento do registro. 3. Assim nunca passaria pela cabeça de uma pessoa que fez toda a sua carreira acadêmica nos Estados Unidos que ela precisaria trazer uma carta assinada e autenticada em cartório do seu ex-chefe confirmando que ela tinha trabalhado por nove anos como professor. E nem passaria pela cabeça de um brasileiro que alguém

Da série "Lista de coisas que me recuso a compartilhar com os outros" ou "Marte, lá vou eu":

Um apanhado de apenas SETE dias:   Revortados Online   1. Lutador de sei-lá-o-quê com problemas cognitivos se revolta contra Dilma na frente de uma obra inacabada do governo estadual de Goiás, que é do PSDB.    2. Malucos espalhando panfletos e falando grosserias no enterro de um ex-presidente da Petrobrás dizendo que Petista bom é petista morto.    3. Qualquer coisa exaltando que 50% da população concorda com a frase "Bandido bom é bandido morto" e qualquer pessoa usando qualquer variação dessa infâmia para comentar sobre bombardeios na Síria ou no Afganistão.   4. Colunista acusando político de usar as últimas palavras do filho que morreu de câncer para lançar campanha.    5. Gente dizendo que Obama está politizando o enésimo massacre estadounidense para tirar as armas do povo e que não adianta fazer nada porque "stuff happens".    6. Chefe de Gabinete inglês dizendo que os imigrantes destroem a coesão da sua nação e roubam empregos. 

Prazer e Dever

O prazer estético em si não é necessariamente subversivo porque não tem ideologia. Mas também o prazer estético em si não existe fora do laboratório. Fora do laboratório o prazer estético tem ideologia. Sempre. Mas esse prazer estético não é necessariamente subversivo. Ele pode ser até reacionário. O mesmo pode ser dito sobre o prazer sexual. O mesmo pode ser dito sobre qualquer prazer. O princípio do prazer pode nos levar a coisas maravilhosas ou a coisas atrozes. Não devíamos nem demonizá-lo nem santificá-lo.  Do outro lado da mesa, o princípio da realidade tem um imenso potencial para reprimir a felicidade dos outros e promover a felicidade perversa daqueles que sentem prazer em estragar o prazer ou mesmo em provocar o sofrimento alheio. A raiz desse potencial está precisamente na noção de realidade, no caso uma realidade produzida por um discurso que sempre serve a um poder que sempre pretende nos controlar, nos conter, nos formar.     A respeito dessa relação