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Showing posts from February, 2016

Um convite para conhecer um mundo: Nollywood

Sinto um rancor quase palpável nas palavras de alguns compatriotas quando reclamam do pouco reconhecimento que a cultura brasileira recebe fora do país [e às vezes até dentro do país]. O rancor não é apenas quase palpável, mas é também reconhecível, porque eu já o senti. Mas depois de anos  morando fora e ensinando literatura e cultura brasileira, mudei completamente. Eu acho que quem perde por não conhecer Machado de Assis, Guimarães Rosa, Villa-Lobos ou Pixinguinha são exatamente aqueles que não os conhecem. As obras e seus autores [pelo menos quando se trata de autores mortos] não perdem nem ganham tanto assim. Ora, se nós conhecemos Cole Porter e Miles Davis e também Cartola e Chico Buarque enquanto os estadounidenses só conhecem dois dos quatro, quem está em vantagem? Assim sendo, não sinto rancor nenhum. Mas também não sinto qualquer tipo de pena condescente pelos que não conhecem os inúmeros tesouros da cultura brasileira porque acho que, ao invés de se lamentar em rancores ou p

Traduzindo: "Árvores e calçadas" de Brenda Ríos

Brenda Ríos Árvores e calçadas Tenho visto árvores que arrebentam o cimento das calçadas, exibindo raízes nuas sem crescer muito alto; são pequenas e fortes, como o amor rancoroso. Não têm orgulho, se humilharam em casa e agora ficam ali com suas minúsculas vinganças contra os pedestres que tropeçam quando não veem suas raízes fazendo ondas no caminho. 

Noções de Produtividade ou "só quando o relógio pára o tempo volta à vida"

Faulkner pastou como um escritor jovem com ambições imensas vivendo numa cidade do interior do Mississippi. Editou pequenos livros escritos e ilustrados à mão como Marionettes . Publicou poesia sem maior sucesso. Tentou se alistar na força aérea para a Primeira Guerra Mundial, também sem sucesso. Na universidade da cidade, onde chegou a ter algumas aulas, ganhou o apelido de Count No Count [algo como Conde Não-Vale-Nada] pela mistura peculiar de comportamento altivo, vagabundagem completa e total indiferença ao mundo em sua volta. Dez anos mais tarde, ainda quase um desconhecido, Faulkner escreveria As I Lay Dying [ Enquanto Agonizo ] à noite, enquanto alimentava de carvão as caldeiras que aqueciam a universidade no turno noturno. Mais preocupado em escrever do que em fazer qualquer outra coisa, Faulkner chegou a receber de presente de familiares preocupados um posto de correio na cidade, no qual ele se comportava com exemplar mescla de incompetência e falta de vontade. A carta c

Poesia Mexicana - Salvador Novo

--> Salvador Novo EL AMIGO IDO Salvador Novo Me escribe Napoleón: "El Colegio es muy grande, nos levantamos muy temprano, hablamos únicamente en inglés, te mando un retrato del edificio..." Ya no robaremos juntos dulces de las alacenas, ni escaparemos hacia el río para ahogarnos a medias y pescar sandías sangrientas. Ya voy a presentar sexto año; después, según las probabilidades, aprenderé todo lo que se deba, seré médico, tendré ambiciones, barba, pantalón largo... Pero si tengo un hijo haré que nadie nunca le enseñe nada. Quiero que sea tan perezoso y feliz como a mí no me dejaron mis padres ni a mis padres mis abuelos ni a mis abuelos Dios. --> Traduzi o poema bem depressa assim: O AMIGO IDO Salvador Novo Me escreve Napoleão: "O Colégio é muito grande, nos levantamos muito cedo, só falamos em inglês, te mando um retrato do edifício..." Já n

Babylon & Pindorama entre o stop&frisk e o esculacho de todos os dias e os Michael Browns e as chacinas de todos os anos

Claudia Rankine, uma excelente poeta em atividade nos EUA "Stop and Frisk" é o nome dado a uma prática policial. O policial aborda e revista um "indivíduo qualquer" baseado em "uma suspeita razoável" de atividade criminal. Os indivíduos quaiquer são quase invariavelmente negros ou latinos e a suspeita fica por conta da imaginação do policial em questão. Claudia Rankine fez um poema/script e John Lucas um vídeo com o título "Stop-and-Frisk", que vocês podem assistir acima.  O refrão diz o seguinte: E você não é o suspeito mas ainda assim você se enquadra na descrição do suspeito porque só há um suspeito que é sempre o suspeito que se enquadra na descrição. [no original: And you are not the guy and still you fit the description because there is only one guy who is always the guy fitting the description.] Práticas de abordagem frequentemente muito mais agressivas são rotina no Brasil e são conhecidas pela população pelo nome de "

Sobre línguas e inocências

O escritor açoriano João de Melo abriu um encontro de escritores dizendo o seguinte: João de Melo “Viajamos numa língua comum que nunca foi instrumento de dominação, nem centro de qualquer colonialismo básico, e muito menos de um império que nunca existiu. Reclamamos, pois, a inocência histórica da língua portuguesa. Com ela, invocamos com solidariedade que se irmanou num sentimento fraterno dos povos, aquém e além de sistemas políticos e sociais”. Não tenho acesso ao discurso inteiro, então não quero ficar aqui tripudiando do escritor, mas a cho que há duas maneiras diferentes de respondar àqueles que falam em inocência da língua portuguesa para tentar manter viva, entre outras coisas, a ideia absurda de uma colonização gentil promovida por Portugal.  Uma primeira maneira é aceitar os termos da proposição feita e contestá-la em seus próprios termos. Nesse sentido podemos, por exemplo, deixar que o Marquês de Pombal fale por si mesmo: Parágrafo Sexto da Lei do Diretór