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Showing posts from 2023

Literatura e Música de outros mundos, mais interessantes que este

  Mesmo gostando também de música “velha”, continuo, ao contrário da maioria dos meus companheiros de geração, ouvindo música nova. Ainda mais porque hoje em dia a internet nos favorece acesso mais ou menos fácil a todo tipo de música. E esse espaço existe para eu compartilhar coisas que eu acho bacanas com o público que me visita aqui.   No último post do ano queria compartilhar um achado de 2023: a música de Adrianne Lenker e do Big Thief, quarteto do qual ela faz parte – já compartilhei aqui uma canção da banda, “Not”. Agora vou escrever mais especificamente sobre a música que Lenker fez durante a pandemia: dois álbuns inteiros sozinha no violão, um de canções e outro de instrumentais.  Ela passou boa parte daqueles tempos nebulosos em isolamento, no meio do mato, numa casinha de madeira nas montanhas Berkeshires, um lugar de onde só tenho memórias boas, região montanhosa no oeste de Massachussetts, onde a natureza revivida convive com as cicatrizes da primeiríssima era industrial,

Diário de Babylon - As Piores Comidas dos Estados Unidos PARTE 2

  6. Acenda uma fogueira no seu quintal. Pegue um estranho mashmelo com consistência de massa plástica e gosto de algodão e espete num espeto. Chamusque a tal massa plástica branca no fogo. Pegue um biscoito com sabor de papel e um leve toque de gengibre, um quadrado do chocolate mais parafinado que você encontrar no supermercado e faça um sanduíchinho. Eis o S'mores, terror do outono. 7. Em sétimo lugar, uma "maravilha" do verão estadounidense. Em qualquer lugar tem um caminhão vendendo "Snow Cones" [Cones de Neve]. Um cone ou copinho cheio de gelo raspado (preferivelmente feito com água da pia) recebe um jato de líquidos misteriosos, sempre dulcíssimos, tingidos com xaropes diversas cores "nucleares" e sabores que fazem do Ki-Suco um suco vegano. Os xaropes tem nomes como "sangue de tigre", "Mamãe Bahama", "Algodão Doce" e "Vermelho Havaiano". 8. Em oitavo, "Pop Tarts". Uma massa seca e esfarelada, re

Diário de Babylon: As piores comidas dos Estados Unidos - Parte 1

  1. Começamos pelo adorado [e repugnante] "Mac & Cheese": massa rigatoni normalmente afogada em um mingau gosmento feito de leite em pó com "pó de queijo", uma coisa que parece um leite em pó com cor de Donald Trump e cheiro de chulé.  2. Seguido de perto em segundo lugar, vamos ao horripilante burrito do Taco Bell, feito com o mesmo queijo/não-queijo e com uma maravilhosa "carne" que contém entre 88% [de acordo com a própria empresa] e 35% de... carne. E o resto? Não queira saber. Um dos aditivos de carne mais infames atende pelo singelo nome de “pink slime” [baba rosa]: restos de carne ainda presas aos ossos são raspados, centrifugados, aquecidos, rapidamente congelados e lavados com amônia e nitrito. 3. Em terceiro, o “Corn Dog” – uma salsicha fuleira [adivinha o aditivo nela?] coberta com massa de farinha ainda mais fuleira, banhada em óleo velho e espetada num prosaico palito de madeira. Suponho que seja o primeiro da série que vai desandar em m

Gênios do Riddim jamaicano

Era uma vez a maior dupla baixo/bateria do reggae jamaicano: Robbie Shakespeare e Sly Dunbar. Eles gravaram com Bob Marley, Peter Tosh e Jimmy Cliff. Mas foram além, gravando com grandes não tão conhecidos fora da Jamaica como Gregory Issacs, Yellowman e Dennis Brown. Gravaram com meio m mundo, de Grace Jones e até Vanessa da Mata.Sem  Sly & Robbie "Jokerman" de Bob Dylan não seria a maravilha que é - os dois levam a batida de reggae chamada "Rockers" (que muitos dizem ter sido inventada pelos dois).  As batidas do reggae são chamda de "riddim" [que os DJs copiam para várias canções diferentes]. Tenho a impressão que todos os principais riddims foram inventados por Sly & Robbie. rockers, rub-a-dub e bam-bam. Mas nada supera o que eles fizeram com a banda Black Uhuru. Basta ouvir os dois nessa faixa [Natural Reggae Beats]:  Era uma vez porque Robbie Shakespeare morreu em 2021. Acabou-se o que era doce, mas há quem diga que os dois deixaram mais de 2

Sobre apropriações

Nos anos 80 alguns jovens latinos de Los Angeles começaram a se vestir em um estilo peculiar que eles chamavam de "cholo", frequentemente associado pela imprensa com gangues violentas. Uma jovem dançarina de origem italiana da outra costa dos EUA resolveu fazer a sua própria leitura do estilo das cholas de Los Angeles: maquiagem pesada em volta dos olhos, cabelos repicados, camisetas brancas, suspensórios, calças largas, adereços como colares com cruzes e brincos de argola grande. A tal dançarina transformou-se na toda poderosa Madonna e depois trocou o estilo cholo por uma espécie de pastiche de Marylin Monroe para vender a imagem de "Material Girl".  Nas redes sociais o primeiro ímpeto é julgar: estaria Madonna "certa" ou "errada"? Teria ela o "direito" de se apropriar do visual cholo? Só eu escrevo aqui justamente para fugir dos tribunais das redes sociais e não quero fazer esse papel de juiz dos bons costumes dos outros. Mesmo porqu

Da santidade que se oferece diariamente a cada um de nós

Sobre Moçambique 1

 O grande momento do futebol português foi na Copa do Mundo de 1966. O país chegou ao terceiro lugar, derrotando a União Soviética depois de perder para a Inglaterra nas semifinais. O artilheiro da competição foi o maior jogador da seleção portuguesa Eusébio, "o pantera negra".  O que poucos sabem é que Eusébio nasceu e viveu até os 17 anos em Moçambique. Eusébio era apenas um de quatro moçambicanos que formavam a espinha dorsal daquele time lendário. Eram Hilário da Conceição na defesa, Vicente Lucas e Mário Coluna no meio-campo e o mais novo deles todos, Eusébio, no ataque. Naqueles tempos Moçambique era ainda colônia portuguesa. A guerra pela independência havia começado em 1964 e prosseguiria por mais dez anos. Em 1966, não havia vagas para times africanos na Copa do Mundo e fora os moçambicanos do time de Portugal praticamente só havia negros no time brasileiro.  Em Moçambique, Eusébio jogou no "Futebol Clube os Brasileiros", time do mítico bairro de Mafalala e

Pesadelos Paralelos

 O neo-liberalismo é a ideia de que o mercado capitalista governado pelo lucro deve tomar conta de todas as esferas de atuação humana do mundo: da comunicação, da saúde, dos relacionamentos amorosos, dos transportes, da educação, da geração de energia, da segurança e até da guerra. E assim o capital segue se expandindo livremente do átomo ao espaço sideral com aquela fúria cega que lhe é particular.  Vejam como o neo-liberalismo tem afetado profundamente os conflitos armados no mundo.  Tanto Estados Unidos como Rússia (que poderíamos chamar de países que estão na ponta de lança do assunto) têm usado e abusado de forças mercenárias em seus combates. Não são mercenários contratados para serem incorporados ao exército regular. São corporações, empresas que contratam, treinam, armam, transportam e comandam mercenários mediante contratos. É como um par de espelhos fantasmagóricos: com os Estados Unidos a Blackwater fez e desfez, por exemplo, na Somália, no Iraque e no Afeganistão; e agora c

Diário da Babilônia

 Entre as heranças malditas do governo de George W. Bush está uma particularmente embaraçosa: há uma boa chance de que os culpados pelos ataques terroristas do início deste século morrerão presos num limbo legal absurdo. Semana passada o juiz da corte militar considerou as confissão de uma dessas pessoas inadmissível no seu julgamento. Como muitos outros casos daquele período, o acusado passou quatro anos comendo o pão que o diabo amassou em "prisões secretas" da CIA sendo torturado. Depois ele foi mandado para Guantánamo, onde equipes do FBI interrogaram o homem acusado de ter planejado um atentado a um navio estadunidense no Iêmen de acordo com os parâmetros do estado de direito. Só que o juiz não aceitou a confissão feita nesse segundo período como admissível no caso, mesmo porque o acusado recuou na confissão em 2007. 

RIP José Murilo de Carvalho

 Hoje foi publicada excelente entrevista a José Murilo de Carvalho feita por Rogério Tavares. Eis dois trechos: "Quando veio (o golpe militar de) 1964, a sensação que eu tive foi de perplexidade. Eu me lembro de a gente andar por Belo Horizonte, no dia 1º de abril, perplexo. Não é que as pessoas não esperassem o golpe. Havia uma expectativa. Expectativa havia. Pessoas que falavam na viabilidade do golpe. Mas ninguém previu o tipo de golpe que foi dado. Isso é... Os militares tomaram o poder e ficaram no poder. Isso era inédito no Brasil. Em 1930 não foi assim, em 1937 não foi assim, em 1945 não foi assim, em 1954 não foi assim. Aí comecei a me perguntar: 'Mas por que ninguém previu isso?' Como aluno eu comecei (a pensar): ‘Não, então eu vou ver que tipo de gente é essa, o que aconteceu no Exército que fez eles mudassem de posição em relação à intervenção política’. E aí comecei a estudar os militares. O Boris Fausto também havia me pedido um estudo sobre militares. No CPDO

Sobre o Santuário de Faulkner

  Depois de escrever uma obra-prima que acabou vendendo quase nada ( The Sound and The Fury ), casado, dono de uma casa de fazenda caindo aos pedaços e duro de dar dó, Faulkner resolveu chutar o balde:  Comecei a pensar em um livro em termos de dinheiro… tentei adivinhar o que uma pessoa no Mississippi acha que são os assuntos do momento, escolhi os que me pareciam os mais prováveis e inventei uma história, a mais escabrosa que eu conseguisse imaginar.  Conta a lenda que, quando leu o primeiro manuscrito de Sanctuary , o editor Harrison Smith teria dito “pelo amor de Deus, eu não posso publicar isso. Vamos acabar os dois sendo presos!” Não era a primeira nem a última vez em que Faulkner tinha um manuscrito seu rejeitado. O escritor simplesmente deu de ombros e foi escrever As I Lay Dying nos intervalos quando trabalhava alimentando de carvão a caldeira da Universidade do Mississippi.   Qual foi a surpresa de Faulkner quando um tempo depois recebeu de Harrison Smith as provas de Sanctu

Commonplace Book - Maio 2023

"O futuro só é escuro quando visto de fora. De um salto para o futuro - e ele EXPLODE em luz !"  Mina Löwy, 1914 "O termo "mahatma" fede até arder as narinas - eu não sou um Deus; sou um ser humano." Gandhi "Tentar entender o mundo digital só estudando o Facebook ou o Google é querer entender uma obra arquitetônica estudando só os frescos pintados nas paredes." Resenhista do New York Times  falando sobre livro sobre a produção de chips de computador, atualmente concentrada em Taiwan [40%]

A música não acabou 1: Duas canções maravilhosas da banda Paramore

Em "Ain't it Fun" baixou o espírito do Michael Jackson mais roqueiro de Thriller  na banda Paramore. Um irônico convite à vida adulta, traduzida como viver o mundo real world, estar sozinho, ser um de nós e não poder voltar chorando para o colo da mamãe, com direito a um coro gospel na parte final.  Na mais recente "This is Why" baixou o espírito do Talking Heads. De novo muita ironia para tratar da vontade de nunca mais sair de casa depois da pandemia por causa da chuva de opiniões e convicções descabeladas que inundam a gente todos os dias. 

Poesia meu - "Atormentações"

 

Diário da Babilônia: Um conto de duas cidades

 Existe uma Monterey [assim, com um r só] na Califórnia. É uma cidade com um passado industrial já bem remoto, hoje aprazível. As fábricas foram transformadas em hotéis ou galerias de lojas e o aluguel de um apartamento de um quarto não sai por menos de dois mil dólares por mês. Uns 12 quilômetros ao norte de Monterey está uma comunidade bem menos conhecida: o Vale do Pájaro, construída próxima a um rio de mesmo nome. Com o dinheiro do aluguel de um apartamento de um quarto em Monterey dá para alugar uma casa inteira em Pájaro. Lá moram os cozinheiros, camareiros, faxineiros, porteiros, caixas, atendentes, jardineiros, pedreiros, carpinteiros e pintores de paredes que trabalham em Monterey além de trabalhadores das várias fazendas da área. Praticamente quase todo mundo fala espanhol em Pájaro.  Desde de os anos 60 todo mundo sabe que o sistema de barragens do rio não é adequado, mas não há "vontade política" de investir nesse terceiro mundo do primeiro mundo entre os turistas

Notas para livros impossíveis

 

Minhas Leituras: Dodie Bellamy

 Em um ensaio do livro Bee Reaved  [que eu li março do ano passado], a escritora Dodie Bellamy faz uma advertência importante para qualquer escritor brasileiro no século XXI: "Se eu fingir que o que eu escrevo se posiciona fora do vexame que é os Estados Unidos, que o meu ego-id-superego não é impulsionado por esse vexame, eu não estou apenas mentindo para os meus leitores, eu estou mentindo para mim mesmo." [19-20] As redes sociais exercem uma pressão constante para que nos coloquemos nesse lugar supostamente superior, além e portanto fora, daquilo que criticamos. Isso acontece porque as redes sociais nos requisitam a fazer o papel de juízes de tudo e de todos, necessariamente gostando ou desgostando de tudo. Essa postura narcisista em si mesma já é muito ruim para a inteligência de qualquer pessoa, mas é particularmente ruim para um escritor. No mínimo deveríamos, por exemplo, ao fazer análises sobre o que é ou deixa ser o Brasil, usar a primeira pessoa do plural. Nossas fa