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Showing posts from 2022

Diário de Babylon no Natal - "É o jingo!"

 1. Aqui em casa, no meio do sertão de Oklahoma, costumo dizer umas dez vezes por dia, "é o jingo" como sinal das festas de fim de ano. 2. O troféu Herodes desse Natal vai para o governador do Texas que mandou na noite do dia 25 mais de cem homens, mulheres e crianças que tentaram passar pela fronteira pelo seu estado para a porta da vice-presidente Kamala Harris enquanto os termômetros marcaram -7oC em Washington DC. 3. Aqui em Norman a rapaziada do Norman  Care-A-Vans se mobilizou para dar teto a todos os sem casa da cidade antes que o frio literalmente de matar chegasse. Destaque natalino positivo para eles - digamos que seja o nosso troféu manjedoura - para o dono do modesto Travelodge, hotel da cidade que liberou mais de vinte quartos para acomodar os miseráveis da cidade durante o Natal. Minha Ti também merece menção especialíssima porque participou do esforço de levar comida e auxílio ao sem-casa! 4. Nossa cidade é bacana demais, mas nem tudo são rosas. Temos vereador

Tradução: Emily Dickinson

  Recentemente não sei quem voltou pela enésima vez ao tema de que haveria escritores demais e leitores de menos hoje em dia. Disse a tal pessoa que deveríamos escrever menos. Logo pensei em Emily Dickinson, que pubicou menos de uma dúzia de poemas em vida e escreveu mais de 1.800. Estes aqui, chamados de "sobras"[scraps] ou "maravilhosos nadas" [gorgeous nothings], foram escritos no verso de envelopes e são pequenos tesouros. Minha rápida e [como sempre no caso de Dickinson] insuficiente tradução: Este é o livro:

Música

A dupla caipira contemporânea Gillian Welch and David Rawlings se apresenta normalmente assim: dois violões ou violão e banjo e duas vozes.  Como toda a boa canção parece que ela fala comigo, apesar da história sobre um lavrador miserável e sua mula amada dando duro o dia inteiro não ter nada a ver comigo. "Quando o dia encomprida como ele tem encompridado esses dias" eu também me lembro do refrão dessa canção tão simples e tão tocante: "esses tempos difíceis não vão tomar conta da minha cabeça". O lavrador perdeu sua mula e já não canta mais, diz a canção, então chegou a hora de outros vozes humildes, exaustas, vivendo de vinho e lágrimas pegar os instrumentos e cantar essa canção e dançar até "tirar a poeira das rachaduras do chão".   Hard Times Gillian Welch and David Rawling There was a camp town man.  Used to plow and sing 'n he loved that mule and the mule loved him When the day got long as it does about now I'd hear him singing to his mule c

Poesia da Guiné-Bissau: Odete Semedo

As minhas lágrimas   Odete Semedo As lágrimas  escapuliram  esboçaram  no chão do meu rosto  um fio de mágoa profunda  queimando  bem fundo   Nenhum grito...  nenhum gemido...  palavra nenhuma  letra alguma  jamais traduziu  tanto sofrer  os olhos sentiram  a minha gente viu  E eu?  E eu?  Odete Semedo, No fundo do canto. Belo Horizonte: Nandyala, 2007.

Paulo Freire

Colagem minha: "Cursed Century" Paulo Freire em entrevista de 1993: "Um terceiro risco que estamos correndo no começo do milênio em face de todo esse desarranjo histórico é exatamente o poder do neofascismo, que se assanha sobretudo na Europa, mas também no Terceiro Mundo (seja o surto de neonazismo em São Paulo, essas ameaças de fuzilar nordestinos, esse racismo de direita). É uma ameaça assustadora, que é de natureza material mas sobretudo espiritual, ideológica - o que não se via anteriormente. O educador não pode estar distante dessa preocupação. Isso tem que estar sendo discutido nas classes primárias, com linguagem de menino." A entrevista está aqui .

Lista de 10 coisas que enchem o meu saco e passam desapercebido [eu acho]:

1. A forma como jornais na TV e no rádio fabricam um português pseudo-culto [que eu chamaria de "português curto"], e a maneira como esse monstrengo cheio de clichês, empréstimos inúteis do inglês, erros de concordância se espalha entre a gente que consome esse jornalismo, gente que geralmente se acham o supra-sumo do mundo - cem mil vezes QUALQUER outro português; 2.  A maneira como certas pessoas acham que eventos como o Oscar ou o Nobel tratam de qualidades artísticas e realmente escolhem os melhores do "mundo" [que mundo?]; 3. Os periódicos lamentos por uma suposta perda de qualidade da cultura em geral ou na música popular em particular, e a expectativa de que os meios de comunicação de massa funcionassem de acordo com critérios estéticos como guias iluminadores das massas; 4. A maneira como professores em geral são achincalhados e desvalorizados pelo governo, pela polícia, pelos pais, pelos administradores e pelos alunos enquanto algumas pessoas ficam fazendo
"Um artista faz algo novo de forma que outra pessoa faça daquilo algo bonitinho."  Pablo Picasso "Dizem que as crianças fingem que as coisas que elas amam tem vida. Bobagem - elas têm vida." Mary Butts "O colonizado é uma pessoa perseguida cujo sonho mais constante é tornar-se um perseguidor." Franz Fanon "História é ironia em movimento." E. M. Cioran
 ˙osíɐɹɐd ɯn ɹǝs ǝʌǝp oxᴉɐq ɐɹɐd ɐçǝqɐɔ ǝp opunɯ o

Tradução minha: Emerson

 

Poesia minha: Contabilidade Parte 2

Tradução minha: "Primeiro poema" de Robert Haas

Primeiro poema No sonho ele era um falcão com sangue no bico. No sonho ele era um falcão. No sonho ele era uma mulher, nua, indolente depois do gozo, uma centelha de esperma nos lábios vaginais. No sonho ele era uma mulher. (Ele podia ao mesmo ser a mulher e ver o fluido viscoso no sonho.) No sonho ele era um pássaro turquesa feito de pedra sabão por um povo que o cavava da terra e achava que ele era o céu despedaçado de um mundo antigo. No sonho ele era um pássaro turquesa. No sonho seus pés doíam, ainda havia muito que caminhar, os lagartos escapulindo na poeira. No sonho seus pés doíam. No sonho ele era um velho, sua mulher falecida, que acordava cedo todo dia e fazia o café e cortava pedacinhos de melão para os lagartos e os deixava no chão duro perto do muro do jardim. No sonho ele era um velho. As bocas tranquilas dos lagartos que esperavam, eles mesmos da cor da poeira, significava que todas as criaturas da terra eram singulares e solitárias. No sonho a mulher no elevad

Exaustão 2022

  Colagem minha: democrazy Acho que o termo mais justo seria dizer que eu estou exaurido pela campanha eleitoral. Não sei de nada de substancial, de nenhum debate de ideias, que tenha acontecido esse ano. As pesquisas registram - imperfeitamente - a vontade das pessoas em votar por um dos candidatos. Um registro mudo. Por que tanta gente vota em Bolsonaro? O que leio são meras suposições, tentativas que arranjar ideias em torno dos supostos fatos, justificando-os. Mas ninguém se exaure com tanto vazio. A canseira vem da avalanche diária de absurdos. Em ordem aleatória, puxando pela memória: - Briga e tumulto na festa de Aparecida e casos de gente até alvejada por tiros durante cultos; - Empresas ameaçando demissão ou dando descontos para quem vota no atual presidente; - Um coordenador de campanha recebendo com tiros de fuzil e granadas a visita da polícia federal e depois o candidato negando sequer conhecer pessoalmente o sujeito; - Fantasias sexuais perversas envolvendo menores de ida

Poesia minha: Conto de Fadas

Eu me lembro daquela noite em que me deitei acordado no vagão mal iluminado, num terno êxtase de agitação a maçã do meu rosto queimando o frio impecável da fronha  e o coração batendo com os pistões  da locomotiva que puxava o trem e me levava noite afora para longe de Belo Horizonte para longe da minha infância para longe da calma caiada  da casa da minha mãe, para o país desconhecido da vida adulta para nunca mais voltar.                                                                                                   Eu imaginava minha mãe passando a vista cansada em tudo o que eu deixei para trás no quarto que não era mais meu numa caixa de papelão pardo dormindo, cobrindo-se de pó debaixo da cama estreita. Da minha mão as curvas macias de um seixo, dos ouvidos o ressonar de veludo do vento, dos olhos o amarelado pesado da lua prenha, da boca o hálito da fome, das narinas o cheiro do couro curtido  no assento do trem, do coração o rugido sincopado do trem. Eu tinha 15 anos quando c

Livros que eu amo: Oliver Twist de Charles Dickens

Charles Dickens teve sucesso extraordinário com Pickwick Papers,  um romance satírico, conseguindo finalmente afastar de si a sombra tenebrosa da pobreza que tinha marcado grande parte da sua infância e adolescência.  No meio do século XIX, um romance era muito mais que um livro vendido em livrarias: saía primeiro serializado em algum jornal ou revista e era adaptado para o teatro em forma simplificada, atingindo um público imenso - contam que no seu auge um romance novo de Dickens aparecia em 20 produções teatrais distintas só em Londres!  Ao contrário de muitos outros artistas, Dickens não tentou repetir a fórmula do sucesso dos Pickwick Papers no seu projeto seguinte .  Em 1838, Dickens publicou um livro que misturava em partes iguais comédia e drama e que tinha um alvo social bem claro:  Oliver Twist. O alvo do livro era o primeiro sistema de bem-estar social da Inglaterra industrializada, que tratava os pobres com disciplina vitoriana implacável em casas de confinamento com trabal

Confissão

Desenho meu: Auto-Retrato  Essa semana aconteceu uma coisa chata comigo. Eu resolvi usar uma camiseta um pouquinho mais apertada e alguém chamou atenção para minha barriga, várias vezes em sequência, já que eu tinha ignorado o primeiro e o segundo comentário. Banal, trivial, rotineiro. Mas está doendo, fundo, até agora. Como é de costume, essa é uma daquelas dores que vem de muito longe.  Dizem que um apelido é um gesto de aproximação. Quando eu era criança já quase adolescente, eu era rotineiramente chamado de "Baleia" e num certo momento quiseram também me chamar de "Rapariga". A intenção por trás desses dois apelidos "carinhosos" qual seria? Fazer uma aproximação agressiva? Talvez me transformar numa coisa ruim, fraca, ridícula, abjeta. Chamar a atenção para o que eu tinha/era que incomodava as pessoas à minha volta. A razão para essa agressividade era meu corpo e minha maneira de falar, meus gestos, minha voz, meu sotaque talvez. Coisas que são difícei

Edgar Morin

Desenho Meu Mistério  [Edgar Morin] A Realidade se esconde atrás de nossas realidades.  O espírito humano se encontra às portas do Mistério.   

Poema: Drummond

 Nos momentos difíceis, como este em que temos que aceitar que 50 milhões de brasileiros ainda escolhem votar em Jair Bolsonaro depois de 4 anos de pesadelo, eu me agarro naqueles poemas que Carlos Drummond de Andrade escreveu numa época muito mais dura do que essa. Entre 1935 e 1945, as pessoas tiveram que encarar nada menos que o Estado Novo, Franco, Hitler, Mussolini, o império japonês e a Segunda Guerra Mundial. Compartilho aqui um deles:  Foto minha: Caderno de notas

Poema meu

  Foto minha

Leituras: Doze pepitas de ouro nas cartas de Mário de Andrade pra Câmara Cascudo

Desenho de Anitta Malfatti 1. 1924: Uns imitam por incapacidade. Outros, para ensaiar asas. [32] 2. 1925: Não misturo amizade com valor. [37] 3. 1925: [sobre Oswald de Andrade] ... é o sujeito mais atabalhoado do mundo. Promete tudo de coração, se esquece e tem dez milhões de negócios complicadíssimos vai-se embora pra Europa sem a gente saber. [...] também ele é um pouco malabarista das vicissitudes. Brinca com elas e se diverte. [40-1] 4. 1926: [sobre Menotti del Picchia et caverna] "Esse homem está cada vez ficando mais pedante e como arranjou um grupinho de sequazes como ele deram pra patriotas por não poderem compreender a elevação de idea em que estamos alguns fazendo brasileirismo sem nacionalismo... [...] ... não me confundam com essa corja de nacionalisteiros de última hora que por aqui andam ganindo."[50] 5. 1926: [sobre Marinetti] Nunca me interessei pela obra dele que acho pau e besta porém esperava um sujeito vivo e mais interessante. Me deu a impressão dum sujei

Escrito meu: Seis proposições sobre a dor

Um carrapicho na grama 1. há um abismo intransponível  entre quem sente e quem não sente a dor e nunca conheci alguém mais solitário do que alguém sofrendo com a própria dor 2. sempre duvidam da dor do outro e preferem que o outro sofra em silêncio 3. a dor pode mentir quanto à sua causa e à sua casa  porque os sintomas não lêem os manuais de medicina e a dor se espraia por uma raiz comprida que vai da ponta dos pelos ao calabouço da mente 4. não há existência mais concreta  que a da eletricidade que descarrega a dor aguda  e a do torniquete que provoca a dor crônica  5. a dor aguda reduz o ser a um grito de um porco no talho de um punhal e a dor crônica é como uma infestação de ratos nas paredes podres da casa 6.  La lingua batte dove il dente duole

Poema meu - Sem Título

Subindo a Rua da Bahia em outra encarnação ir do pesadelo a uma experiência luminosa -  contra o silêncio contra o barulho -  de um futuro  que nunca existiu e uma liberdade que só diz não

Poema meu - Chuva

 

Música argentina: Liliana Herrero

Confesión del Viento   [Juan Falú / Roberto Yacomuzzi] El viento me confió cosas Que siempre llevo conmigo. Me dijo que recordaba: Un barrilete y tres niños, [barrilete: pipa, papagaio] Que el sauce estaba muy débil,     [sauce: salgueiro] Que en realidad él no quiso, Que fue uno de esos días Que todo es un estropicio. Me dijo que los pichones [pichón: pombo] A veces de apresurados Caen al suelo indefensos Y él no consigue evitarlo. Me habló de arenas de agosto, De cartas de enamorados, Del humo en las chimeneas, Del fuego abrazando el árbol. Iba quebrado de culpa Y seguía confesando En su lomo de distancias [lomo: lombo] No cabalgaba ni un pájaro. Era un fantasma ese viento, Un alma en pena penando Y en ese telar de angustias [telar=tear para fazer tecido] Tejió sus babas el diablo.  ["os babados do diabo", as teias de aranha quase soltas ao vento] Me dijo que recordaba, Que en realidad él no quiso. A veces de apresurados... Un barrilete y tres niños... Me habló de arenas al

10 sentenças de Guimarães Rosa em "Luas-de-mel"

Sou remediado labrador,  isto é,  de pobre não me sujo, de rico não me emporcalho. Sou quase de paz, o quanto posso. Eu ponho a mesa  e pago a despesa. Se ele riscou,  eu talho. Aroeira de mato virgem não alisa. A velhice da lã é a sujeira. Com tino e consideração, é que o respeito é granjeado: com honra, sossego e proveito. Se me diz, nem pensei: os namoros dessas gentes, são minhas outras mocidades. Com o que o outro míngua, eu me sobejo. As coisas que estão para a aurora,  são antes à noite confiadas.

Lendo os três livro de memórias de Fernando Gabeira

Essas são notas que eu tomei quando li ps três volumes de memórias de Fernando Gabeira para escrever um artigo sobre os filmes O que é isso, companheiro? e Batismo de Sangue : Cada um escreve suas memórias para fabricar-se como personagem para consumo público e escolhe um gênero e uma estratégia de caracterização específica para se inventar. Protagonista de um épico? Anti-herói de um mundo farsesco? Herói sacrificado numa tragédia? Bonachão tolerante numa comédia de costumes? Claro que o autor das suas próprias memórias deve suspeitar que sempre dirá um pouco menos e um pouco mais do que quer dizer.  Gabeira o heterodoxo, o companheiro sábio visionário, o militante consciência modelo, sempre sorrindo ironicamente, tanto para os companheiros ingênuos e fanatizados como para os algozes e torturadores. Gabeira sorrindo sempre para os fanáticos, os caretas, os burocratas, os dogmáticos, os iludidos, os ridículos com seus discursos pomposos e irrelevantes. Gabeira o inimigo gentil dos comp

Lendo Schiller

 

Lista para os Russófobos

Para derrotar o novo império do mal, por favor, não deixe de cancelar Dostoyevsky, vodka e a cerveja kaiser; Tolstoi, solos de balalaika, Renato Russo e Lenine; Nabokov, caviar, Engov e coquetel molotov; Kasparov, Karpov e, pelo seu assistente de palco, Chacrinha, Xuxa e sua filha Sasha e o Faustão; Bolshoi, Nijinsky, Baryshnikov e estrogonofe; Pushkin, Mayakovsky e todas as montanhas russas; Pasternak, Soljenítsin, Sákharov e o Lada ; Eisenstein, Tarkovsky e o molho tártaro; Turgueniev, Chekov, Gagárin e o Sputnik; Os cossacos, os kalashnikov e a roleta russa; Gogol, Brodsky e Elke Maravilha.

Para complicar um pouco as coisas, a história

1. Antes de ser Minas Gerais Minas era Minas dos Cataguases. 2. Entre 1831 e 1850 aproximadamente 700.000 africanos foram trazidos para o Brasil ilegalmente. Quase a totalidade dos escravos libertados em 1888 eram portanto escravos fraudulentamente. Isso não impediu que os grandes proprietários seguissem exigindo indenizações pelos escravos libertados pela Lei do Ventre Livre e até pela infame Lei dos Sexagenários. 3. As tropas que saíram de Minas Gerais para dar o golpe militar no Rio de Janeiro em 1964 cruzaram a fronteira às 11 horas da noite de 31 de março. Preocupados com o ridículo de declarar um golpe no dia da mentira, os militares insistiam em chamar o golpe de movimento ou revolução e cravar a data no dia 31 de março. E isso foi só o começo de 21 anos de mentiras, eufemismos e idiotices. 4. Um golpe de morte no apartheid americano foi o decreto que proíbe a discriminação em lugares públicos conhecido como  The Civil Rights Act. Ele foi votado no congresso dos Estados Unido

Diário da Babilônia - O mundo Country

 

Ainda sobre a Semana

Foi muito satisfatória a experiência de trabalhar em trio e organizar uma exposição celebrando os 100 anos da semana de 1922 aqui em Norman. A galeria estava linda e a música, a cargo do Ricardo Souza, foi simplesmente fantástica. Meu desafio era apresentar a semana a estrangeiros que não sabiam nada sobre ela e, ao mesmo tempo, não oferecer uma visão excessivamente simples do modernismo nos anos 20. Acho que consegui, mas não foi fácil. Outro problema é que, exceto a parte musical, o material documental sobre um evento tão badalado no Brasil é surpreendentemente escasso. Não há, por exemplo, um livro com as palestras dadas e poemas recitados nos três dias e há quadros e esculturas expostas que ninguém nem sabe bem como são até hoje. O SESC patrocinou um projeto fantástico voltado à parte musical que mudou esse relativo desconhecimento no campo musical. No resto o efeito tem sido o de glosas das glosas das glosas repetindo-se as mesmas descrições vagas de sempre. Acho que talvez isso t

Duas coisinhas só

 Acho triste a forma como tantas pessoas transformam qualquer assunto político numa briga de torcedores de futebol. A coisa fica ainda mais triste quando se trata de geopolítica no momento em a Rússia invade a Ucrânia. Vejo pessoas "torcendo" entusiasmadamente por um dos dois lados, como se não estivesse a vida de milhares de pessoas comuns que não tiveram escolha. Os lados deste conflito são muito complexos. Não quero nem contribuir para essa gritaria com mais uma interpretação - prefiro escutar pessoas mais bem informadas e preparadas do que eu. Infelizmente as vozes mais escutadas são as de pessoas que não tem preparo nem informações para falar sobre o assunto e preferem simplificações grotescas.  Só tenho duas coisinhas a dizer, aqui nesse canto mais sossegado, entre amigos.  Estou completamente de acordo com o direito de autodeterminação dos povos. Os eventuais problemas da Ucrânia, seja lá quais forem, são coisas para serem resolvidas entre eles. Isso involve até mesmo

Modernismo não é só libertação

Ocupado com a minha primeira experiência trabalhando numa exposição, mergulhei de cabeça nos anos 20 no Brasil e nos Modernistas . Muito se fala sobre como figuras como Mário de Andrade e Oswald de Andrade articularam visões do Brasil que nos influenciam até hoje. Muito pouca atenção é dada aos vários modernistas reacionários, mas lendo o manifesto deles em 1928 encontrei a articulação perfeita do discurso conservador negacionista que elegeu o atual presidente da república.  "Não há entre nós preconceitos de raças. [...] Também não conhecemos preconceitos religiosos. [...] Não há também no Brasil o preconceito político: o que nos importa é a administração [...]"   Os autores do manifesto vão ser figuras importantes de vários tipos de conservadorismo autoritário no Brasil.  Menotti del Picchia foi chefe da polícia política (o temido DIP) durante o Estado Novo em São Paulo. Plínio Salgado foi fundador e líder da Ação Integralista Brasileira. Alfredo Élis Jr. foi o criador do te

Obituário - Elza Soares

Elza Soares em 1960 gravou um samba antigo de 1938, que tinha sido gravado por Aracy de Almeida. A gravação abre "A Bossa Negra", na qual a cantora canta sambas com arranjos modernos com metais e brinca de quando em quando com o scatting do jazz americano. O refrão anuncia: " Ai, ai, meu Deus, Tenha pena de mim! Todos vivem muito bem Só eu que vivo assim: Trabalho e não tenho nada, Não saio do miserê. Ai, ai, meu Deus! Isso é pra lá de sofrer."  Seu reconhecimento maior demorou quase 50 anos. Mas ainda bem que veio antes de Elza Soares morrer! A versão de Aracy de Almeida é linda, mas é mais lenta, mais delicada [o compacto inclui "Marido da Orgia", sobre a violência doméstica]: Elza Soares volta ao clássico no meio da onda da Bossa Nova impondo aquela combinação de vigor animado e afinação perfeita. Seu reconhecimento maior demorou quase 50 anos para acontecer.  Mas ainda bem que veio antes de Elza Soares morrer!

A melhor banda dessa semana: Big Thief com "Not"

It's not the energy reeling, Nor the lines in your face, Nor the clouds on the ceiling, Nor the clouds in space. It's not the phone on the table, Nor the bed in the earth, Nor the bed in the stable, Nor your stable words. It's not the formless being, Nor the cry in the air, Nor the boy I'm seeing, With her long black hair. It's not the open weaving, Nor the furnace glow, Nor the blood of you bleeding, As you try to let go. It's not the room, Not beginning, Not the crowd, Not winning, Not the planet, Not spinning, Not a rouse, Not heat, Not the fire lapping up the creek, Not food, Not to eat. Not the meat of your thigh, Nor your spine tattoo, Nor your shimmery eye, Nor the wet of the dew. It's not the warm illusion, Nor the crack in the plate, Nor the breath of confusion, Nor the starkness of slate. It's not the room, Not beginning, Not the crowd, Not winning, Not the planet, Not spinning, Not a rouse, Not heat, Not the fire lapping up the creek, Not food

O que o barranco destruiu com a ajuda de governos omissos

Chamar de fatalidade ou de acidente a queda do barranco em Ouro Preto neste janeiro é muito enganoso. O barranco que destruiu o solar Baeta Neves estava condenado há pelo menos dez anos e ninguém fez nada para contê-lo. Só interditaram a ocupação do imóvel - e já é extraordinário que o tenham feito - e sentaram esperando pelo que acabou acontecendo.  O Brasil não tem desastres naturais como terremotos, tsunamis ou furacões como tantos outros lugares do mundo. Essas chuvas intensas são o normal em Minas Gerais todos os anos do período de dezembro e janeiro. O patrimônio de Ouro Preto sofreu essa perda por culpa de omissão dos governos. Não sei quem tem mais culpa, se o municipal, o estadual ou o federal. Espero que algum jornalista investigue, mas não sei se vai interessar a algum jornal apontar responsabilidades. Talvez baste a audiência com a filmagem impressionante do barranco devorando as casas em tempo real.  As fotos são do acervo pessoal do meu irmão Pedro da Luz Moreira.    

Música e adolescência - 5 princípios básicos

1. Perder tempo sem conta discutindo obsessivamente sobre música; 2. Dar a essas discussões sobre gosto musical o peso de questões de grande significado moral; 3. Considerar certos tipo de música não apenas piores, mas um "erro" que não deveria existir; 4. Quando mais "transgressor" o seu estilo preferido, mais cheio de regras rígidas; 5. Acreditar piamente que tudo o que é bom está necessariamente escondido em algum lugar muito marginal porque tudo o que é promovido por gravadoras é uma porcaria.