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Poesia minha: Conto de Fadas



Eu me lembro daquela noite
em que me deitei acordado
no vagão mal iluminado,
num terno êxtase de agitação
a maçã do meu rosto queimando
o frio impecável da fronha 
e o coração batendo com os pistões 
da locomotiva que puxava o trem
e me levava noite afora
para longe de Belo Horizonte
para longe da minha infância
para longe da calma caiada 
da casa da minha mãe,
para o país desconhecido da vida adulta
para nunca mais voltar.

                                                                               Eu imaginava minha mãe
passando a vista cansada
em tudo o que eu deixei para trás
no quarto que não era mais meu
numa caixa de papelão pardo
dormindo, cobrindo-se de pó
debaixo da cama estreita.


Da minha mão as curvas macias de um seixo,
dos ouvidos o ressonar de veludo do vento,
dos olhos o amarelado pesado da lua prenha,
da boca o hálito da fome,
das narinas o cheiro do couro curtido 
no assento do trem,
do coração o rugido sincopado do trem.




Eu tinha 15 anos
quando cheguei à cidade
onde eu não conhecia ninguém.



Um deserto é o lugar para se perder de si mesmo
e finalmente se encontrar consigo mesmo.

Comments

Borges Machado said…
Fui imaginando os detalhes da despedida. É emocionante, uma cartografia da memória, dos detalhes que saltam do papel para dialogar com as nossas despedidas, nossas inseguranças, nossos recomeços. Belo poema.

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