Skip to main content

A natureza humana

A natureza humana

A ideia é simples. Dois voluntários que não se conhecem chegam ao laboratório no horário marcado para um experimento sobre memória anunciado no jornal da cidade. Os dois assinam documentos de obrigações contratuais típicos de experiências desse tipo. O pesquisador que os recebe então tira na sorte os papéis dos dois envolvidos: você será o instrutor e o outro sujeito, que vai para uma outra sala contígua, o aprendiz. Vocês dois se comunicarão através de um interfone. O aprendiz tem seus braços amarrados e um eletrodo fixado no seu pulso direito. Você lê de uma lista de perguntas que testam a capacidade de memorização do aprendiz. Quando o aprendiz acerta você é instruído pelo pesquisador a dizer-lhe algo encorajador como “bom” ou “isso mesmo” e quando ele erra você deve puxar uma das várias alavancas de um aparato sofisticado em cima da sua mesa. A primeira alavanca produz um pequeno choque de 15 volts no braço do aprendiz. O aparato tem trinta alavancas que indicam choques entre 15 e 450 volts.
Abaixo de algumas alavancas você pode ler pequenas legendas indicativas. Abaixo da décima alavanca (150 volts) você lê “choque forte”; abaixo da décima-sétima (255 volts), “choque intenso”; o vigésimo quinto nível (375) vem acompanhado pelo aviso “Perigo, choque severo” e
as duas últimas alavancas no topo do painel contém legendas simplesmente com a inscrição “XXX”. Antes de começar o experimento, a título de ilustração, você mesmo recebe um choque do nível 3 (45 volts) no braço direito que causa uma pequena pontada aguda de dor.
A cada erro do aprendiz, você é instruído a ministrar-lhe um choque, subindo em intensidade a cada novo erro. No começo o aprendiz vai razoavelmente bem, mas, à medida em que o teste fica mais complexo, os erros começam a aparecer com mais frequência e os choques vão subindo de intensidade. Você agora escuta o aprendiz na outra sala quando ele reclama da dor. Você olha apreensivo para o pesquisador que acena afirmativamente para que você continue. Quando os gritos do aprendiz aumentam de intensidade e transforma-se em urros de dor seguidos de súplicas, você diz ao pesquisador que não quer continuar com o experimento. Ele é firme e insiste categoricamente que você continue de acordo com as instruções recebidas, relembrando os contratos de compromisso assinados pelos dois evolvidos e assegurando que tudo está correndo dentro do esperado. Mais alguns choques seguidos de urros e súplicas e você mais uma vez hesita. Mais uma vez o pesquisador é inflexível e insiste que agora você não tem outra escolha a não ser prosseguir. Você pede pelo interfone que o aprendiz tenha mais atenção e continua com a bateria de perguntas. Os erros agora são ainda mais frequentes e o aprendiz começa a reclamar de fortes dores no peito. Você quase implora que ele se concentre no teste. Um simples olhar do pesquisador basta para compreender que é preciso prosseguir. Mesmo assim você agora reclama com veemência, dizendo que nunca fez isso e que não gostaria de machucar ninguém. O experimentador garante assumir toda a responsabilidade, menciona mais uma vez o contrato e a concordância de ambos em participar do experimento sem questionamentos e insiste que tudo está sob controle. Quando você chega aos choques de 300 volts o aprendiz já não responde mais nada. Você pede por favor ao experimentador que vá até o outro recinto e veja o que está acontecendo. Ele não se move e diz que, se não houver resposta para a pergunta em cinco segundos, você deve prosseguir com o procedimento: continuar elevando a intensidade dos choques e fazer a próxima pergunta. Você chega a se levantar da cadeira, mas o experimentador insiste: essas são as regras, continue com as perguntas e continue punindo os erros. Você faz uma nova pergunta, espera cinco segundos em um silêncio excruciante e aplica o choque da próxima alavanca até chegar ao XXX. Restam ainda três perguntas. O pesquisador manda que você repita o choque mais forte até completar o questionário.

Esse experimento, conduzido pela primeira vez nos Estados Unidos pela Universidade de Yale foi repetido com inúmeras variações: com mulheres e homens, de faixas etárias e classes sociais diferentes. Até o local da experiência foi transferido da universidade para um galpão abandonado em uma cidade vizinha para eliminar assim qualquer pretensa influência excessiva da respeitabilidade do meio. Depois dos anos 50 o mesmo experimento com todas essas variações e outras diferentes foi repetido em vários países e em épocas diferentes. O resultado foi sempre o mesmo: entre 60% e 65% das pessoas envolvidas foi até o fim com os choques. A grande maioria protestando até com veemência, mas mesmo assim passando de alavanca em alavanca até o choque de 450 volts.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema