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Showing posts from January, 2010

Poema meu

Sonho cansado Repara este traço da mancha da espuma da baba do verso nervoso grafado no meu travesseiro: ao som abafado do osso esmagado por entre ferragens da porta do carro ardendo no fogo esvai-se o corpo em fumaça e cinza que o vento carrega maduro do chão e a chuva retorna fundida na lama que o sol do meu sonho resseca num pó preto, amargo e impuro, que irrita a garganta e desce ao pulmão. Como é que vem cá, no meio do sonho, e amarra a sua égua o velho cansado que espera o futuro aqui, bem no centro no meio de mim?

Provérbio da boca de um velhinho bem velhinho

“Nomás el poder se acaba. El querer no se acaba.” Do documentário "El abuelo Cheno y otras historias"

Homenagens a Davos

Poema de Efraín Huerta: Luz, más luz Es terrible Pero Cada día Son más claros Los intereses Más oscuros Fragmento de poema de Haroldo de Campos, "Sobre o neoliberalismo terceiro-mundista": 5. o neoliberal sonha um mundo higiênico: um ecúmeno de econômos de economistas e atuérios de jogadores na bolsa de gerentes de supermercados de capitães de intústria e latifundiários de banqueiros -banquiplenos (que importa? desde que circule auto-regulante o necessário plusvalioso numerário) um mundo executivo de mega-empresários duros e puros mós sem dó mais atentos ao lucro que ao salário solitários (no câncer) antes que solidários: um mundo onde deus não jogue dados e onde tudo dure para sempre e sempremente nada mude um confortável estável confiável mundo contábil

Lalo Guerrero: Elviz Perez

Quando um filho de mexicanos nasce e cresce nos Estados Unidos ele é chamado de chicano. Lalo Guerrero é um pioneiro chicano. Aqui ele conta a história de um tal de Elvis Perez - para mim esse tipo de humor escrachado é a cara das chanchadas brasileiras.

Cinema Mexicano: Juan Carlos Rulfo

Juan Carlos Rulfo é um documentarista excelente. Seu último filme, que tive a oportunidade de assistir em julho, é talvez seu melhor até hoje. A idéia em si já é excelente: em meio à enxurrada de filmes sobre imigração ilegal para os EUA, ele se propõe a olhar para os que ficam.

Diário de Pindorama: chacina da copa? chacina da olimpíada?

Roberta Duboc Pedrinha escreveu no Jornal do Brasil um artigo com o provocativo título de " Não queremos a chacina da Copa do Mundo". Passo aqui os dois primeiros parágrafos: Faz dois anos e meio que ocorreu a megaoperação policial no Complexo do Alemão, conhecida como Chacina do Pan. Foi em 27 de junho de 2007, que se firmou uma parceria entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro (através da Polícia Civil e Militar) e o Governo Federal (através da Força Nacional de Segurança). O efetivo policial contou com um total de 1.350 homens e a intervenção culminou, em um único dia, com 19 pessoas mortas e 62 pessoas feridas por arma de fogo. Me lembro bem disso, especialmente, quando de minha segunda visita após a operação, ao Complexo do Alemão, na condição de coordenadora de Sistema Penitenciário e Segurança Pública da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em 30 de junho de 2007, particularmente impactante para t

Sobre o que é justiça, de 1995 a 1945

Cinqüenta anos separam as duas citações, mas elas parecem ter sido feitas uma para a outra. O livro de Solomon articulou explicitamente coisas importantes para mim, coisas que a literatura como forma específica de conhecimento já tinha me contado implicitamente com o texto de Graciliano Ramos de onde vem o trecho abaixo e com o "Campo Geral" de Guimarães Rosa, coisas que eu li ainda na adolescência. My overall argument is that justice is a complex set of passions to be cultivated, not an abstract set of principles to be formulated, mastered and imposed upon society. Justice begins with compassion and caring, not principles or opinions, but it also involves, right from the start, such “negative” emotions as envy, jealousy, indignation, anger, and resentment, a keen sense of having been personally cheated or neglected, and the desire to get even. Our sense of justice is cultivated from these “negative” emotions. Robert C. Solomon, A Passion for Justice , 243 - 1995 As minhas pr

Damián Ortega

Video: That's Why I Chose Yale

Esse vídeo foi todo feito pelos alunos de graduação de Yale para captar alunos. Num dia de mal humor eu diria que era uma perda de tempo, mas eu não estou mal-humorado. De qualquer maneira todas as locações são reais e dão uma idéia melhor do lugar onde eu trabalho do que minhas fotos mambembes. Claro, que o filme não foi feito no inferno, digo, inverno...

Outra vez meu quintal - Inverno [para refrescar meus amigos no Brasil]

Recordar é viver: sobre o passado recente no Haiti

Foto: Descrição da atuação “heróica” dos marines americanos na defesa do ditador haitiano Vilbrun Guillaume Sam. A tomada do forte Riviere terminou com a morte de todos os 200 rebeldes haitianos e um marine atingido na boca por uma pedra. Em julho de 1915 os Estados Unidos invadiu o Haiti sob o pretexto de proteger os interesses americanos e estrangeiros no país – o Haiti devia os tubos a vários bancos americanos e europeus e temia-se uma moratória e, em 1911, um consórcio de investidores americanos tinha comprado o Banco Nacional do Haiti, única banco comercial e uma espécie de banco central do país. Os Estados Unidos ocuparam o Haiti por DEZENOVE ANOS. Frankin Delano Roosevelt, então secretário da marinha Americana, escreveu a nova constituição para o país. O exército americano treinou uma nova força militar especializada em CONTRA-INSURGENCIA, em vista da persistência de resistência armada à ocupação. O bairro dos militares e administradores americanos em Port-au-Prince era rigidame

a disparidade de forças não é nem será razão para que a gente se cale

Julio Cortázar escreveu, sob o impacto das notícias das atrocidades da ditadura argentina, o conto "Recortes de prensa" em que um escultor e a escritora/protagonista, ambos argentinos conversam sobre o sentimento de impotência e futilidade que os dois artistas sentem depois de ler uma carta de denúncia da perseguição implacável a uma família publicada no jornal [esse trecho, literalmente tirado de um jornal da época, é o primeiro dos dois recortes de jornal que aparecem no texto]. A parte mais importante do diálogo dos dois, na minha opinião, é esta: "—Ya ves, todo esto no sirve de nada —dijo el escultor, barriendo el aire con un brazo tendido—. No sirve de nada, Noemí, yo me paso meses haciendo estas mierdas, vos escribís libros, esa mujer denuncia atrocidades, vamos a congresos y a mesas redondas para protestar, casi llegamos a creer que las cosas están cambiando, y entonces te bastan dos minutos de lectura para comprender de nuevo la verdad, para... —Sh, yo tambié

Gênios da raça: Pat Robertson e o terremoto

"It may be a blessing in disguise. ... Something happened a long time ago in Haiti, and people might not want to talk about it. Haitians were originally under the heel of the French. You know, Napoleon the third, or whatever. And they got together and swore a pact to the devil. They said, we will serve you if you will get us free from the French. True story. And so, the devil said, okay it's a deal. Ever since they have been cursed by one thing after the other." –Pat Robertson, on the earthquake in Haiti that destroyed the capital and killed tens of thousands of people, Jan. 13, 2010 "Pode ter sido uma benção disfarçada. ... Alguma coisa aconteceu no Haiti há muito tempo atrás e o pessoal talvez não queira falar sobre isso. Haitianos estavam subjugados pelos franceses. Vocês sabem, Napoleão III, ou coisa parecida. E eles se juntaram e fizeram um pacto com o demônio. Eles disseram, nós vamos servir a você se você nos libertar dos franceses. História verídica. Então o

Sobre desastres e tragédias

As pessoas abusam desse jogo entre o natural [o desastre] e o cultural ou humano [a tragédia] para sutilmente atribuir ou desatribuir responsabilidades quando as coisas acontecem. Assim o humaníssimo desastre de Wall Street é descrito na imprensa como um tsunami criado por misteriosas forças do “mercado” e os terremotos, desabamentos, incêndios e enchentes que terminam em mortes às pencas quando envolvem pessoas pobres são todos “fatalidades”. Mas as fatalidades não acontecem em qualquer lugar. O furacão Katrina não era diferente nos bairros mais elegantes de Nova Orleans e no “Ninth Ward” - era o mesmo desastre, que só virou tragédia na parte da cidade onde viviam os “indesejáveis”. Os desastres naturais no terceiro mundo - incluo aqui certos territórios do chamado primeiro mundo - são sempre tragédias humanas, porque as cidades são construídas precariamente - mas essa precariedade, esse improviso mambembe, esse desleixo não é para todos, não é mesmo? O caso das enchentes no Brasil é

Acredite se quiser

William Paul Young está na lista dos mais vendidos do New York Times há 64 semanas. Seu romance, The Shack , foi inicialmente publicado na sua garagem. Na nomenclatura do mercado editorial The Shack é um livro “evangélico”, voltado para um público crente. O surpreendente é que dizem que grande parte de The Shack gira em torno de idéias desenvolvidas principalmente pela teologia da libertação, entre outros por Leonardo Boff. O livro parte de três conceitos teológicos quase proibidos pela igreja católica e pelos protestantes conservadores: 1. que toda a linguagem teológica é metafórica, não literal; 2. que a trindade é uma comunhão amorosa não-hierárquica [Ratzinger fritou Boff por conta dessa]; 3. que TODAS as pessoas são salvas pela graça divina, não importa o que elas façam ou deixem de fazer ou no que elas acreditam ou não. Vejo com simpatia que a fé seja aqui motivo de algo diferente de bombas e proibições ridículas. Sinceramente eu não consigo achar muita graça nesse Deus que é p

E há quem diga...

E há quem diga que São Paulo não é no Brasil...

Arte: Letícia Galizzi

Sobre o comparatismo

[Esse post veio do incômodo que muita gente leiga tem quando digo que me formei em literatura comparada...] Toda a comparação deveria ser um jogo delicado entre continuidades ou semelhanças e rupturas ou diferenças. Infelizmente a balança costuma pender exageradamente para um lado ou outro, mesmo porque parece que vivemos um verdadeiro culto dos juízos categóricos e das afirmações bombásticas. E não há nada de categórico ou bombástico em afirmar, por exemplo, que Brasil e Estados Unidos se parecem em muitas coisas e são bem diferentes em outras tantas. Aliás, se não entramos no no mérito da questão e definimos melhor as semelhanças e diferenças, isso não quer mesmo dizer nada. Nos Estados Unidos fala-se muito no “excepcionalismo”, a idéia de que esse país foi e é diferente dos outros, único. O termo aparece, em geral, quando comparações são feitas entre os Estados Unidos e os países mais ricos e influentes do oeste europeu [Inglaterra, França, Alemanha]. Mas é curioso que o termo apare

Os racistas americanos aprendem com os racistas brasileiros

Justin Barrett, policial de Boston, soltou um email público referindo-se ao professor de Harvard Henry Louis Gates, Jr. [que foi absurdamente preso por atividades "suspeitas" quando entrava pela porta da frente da própria casa] como um "banana-eating jungle monkey". Quando questionado sobre o assunto num programa de entrevistas da CNN, Barrett disse, com a cara mais limpa do mundo, “I am not racist”. Ainda sobre o mesmo caso do professor Gates, Glenn Beck, comentarista político ultra-conservador da rede Fox News, saiu-se com a seguinte pérola: “This president has exposed himself as a guy over and over and over again who has a deep-seated hatred for white people or the white culture. I don't know what it is..." Pressionado por outro sujeito que estava no programa que dava exemplos de inúmeros brancos no governo e dizia que talvez 70% da administração Obama era de brancos, Beck afunda ainda mais o pé na lama e diz, I'm not saying he doesn't like whit

Gabriel Orozco, de novo, agora "made in Brazil": "Turista Maluco"

Gabriel Orozco já disse, com uma certa dose de ironia, que "desapontar sempre foi importante no meu trabalho". Hoje em dia, mais do que nunca, sempre se espera de um artista uma obra que deslumbre ou que assuste, “um soco no estômago”, “uma viagem ao sublime”, para usar clichês de críticos de segundo caderno. Pois Gabriel Orozco parece propor o desapontamento como terapia estética: aprender com as suas obras a ser artista enxergando a beleza na experiência concreta, na rua, no dia-a-dia, sozinho. Uma receita simples para a obra de Orozco exibida neste post: 1. Passear de madrugada por um mercado de feira já vazio na cidade de Cachoeira na Bahia; 2. arranjar uma laranja amassada em cima de cada um dos tabuleiros; 3. tirar uma fotografia; 4. dar um título que se refira aos três pinguços que ficaram rindo e gritando “turista maluco!”

Um instantâneo das elites brasileiras

•De 1968 a 1972 ele foi assessor de imprensa de governos da ditadura em SP. •Foi dele a "inocente" pergunta sobre as convicções religiosas de FHC durante debate nas eleições para prefeito de SP ganhas por Jânio Quadros. •Em público ele está sempre indignado e comenta as notícias dizendo "Isso é uma vergonha!" •Em off ele comenta depois que dois garis aparecem desejando feliz ano novo: "Que merda: dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala do trabalho..."