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Notas para livros impossíveis: sobre encontros fortuitos na biblioteca


Erwin Panofsky [1892-1968]
Pelo menos uma vez por semana levo meus filhos para a biblioteca pública da cidade onde vivo. Segunda-feira, enquanto minha menina joga com uma amiga no clube de xadrez e meu filho faz as coisas dele no segundo andar. onde fica a seção infantil, eu gosto de descer e catar a esmo um ou dois livros que me pareçam interessantes. Desta vez trombei com uma pequena jóia do historiador Erwin Panofsky, uma reflexão retrospectiva sobre 3 décadas de contato com o meio acadêmico nos Estados Unidos. Transcrevo aqui oito trechos curtinhos desse encontro fortuito com uma velha figura dos maus tempos de recalcitrante estudante de arquitetura há mais de 20 anos atrás.

1. Panofsky contrasta curadores e bibliotecários nos Estados Unidos "que se consideram em primeiro lugar como orgãos de transmissão" com os europeus "que se enxergam como guardiões ou conservadores" dos tesouros que guardam em suas instituições.

2. Descreve o ideal da sua profissão como "um espírito de descoberta e experimentação temperados pelos escrúpulos da erudição."

3. Fala sobre as possíveis vantagens da distância e os limites de certas delimitações impostas pela cultura em que estamos inseridos chamando a atenção para os limites que os estudiosos europeus se impunham ao pensar sempre em termos de fronteiras nacionais e regionais e pela distância geográfica e cultural que favoreciam uma abordagem mais livre.

4. Fala da importância de existir em outra língua para ganhar uma perspectiva crítica do uso da própria língua natal: "Ao tentar se fazer compreender em inglês, o historiador da arte educado em alemão percebe que sua terminologia era, às vezes, desnecessariamente obscura ou simplesmente imprecisa." 

5. Fala da importância de ser forçado a lidar com o público mais amplo para, de novo, ganhar perspectiva crítica sobre seu próprio trabalho: "... ser convocado para encarar um público não-especializado e não-familiarizado força o estudioso a se expressar, ao mesmo tempo, de maneira mais compreensível e mais precisa."  

6. Fala sobre a formação intelectual muito além de qualquer transferência de conteúdo: "... o objetivo do processo acadêmico em si não é transmitir ao aluno um máximo de conhecimento, mas sim um máximo de flexibilidade - não tanto ensinar um assunto, mas um método. [...] ... a capacidade de se transformar num especialista em qualquer domínio que atraia a sua imaginação..."

7. Fala sobre o que eu estava fazendo ali naquela mesa meio nanica no andar destinado às crianças na biblioteca pública: "É principalmente ali onde não temos nada a ver que acabamos encontramos aquilo que precisamos."
Erwin Panofsky, 1952

8. E cita um ditado latino para defender a necessidade do ócio: "Só é livre aquele que não faz nada de vez em quando" [Liber non est qui non aliquando nihil agit]

  

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