A pior face do conglomerado homogeneizador Netflix é, de longe, os documentários produzidos e/ou promovidos pela plataforma. São quase todos sensacionalistas, esteticamente e epistemologicamente obsoletos. Eles reproduzem o pior da TV a cabo. De um lado, documentários que pretendem "dizer a verdade" sobre "casos" notórios: Flodelis, João de Deus, a mulher que esquartejou o marido, a filha que matou os pais, etc. Do outro lado, documentários que pretendem "dizer a verdade" sobre assuntos "científicos", principalmente de saúde: "curas" para o autismo ou o câncer, "verdades" sobre o funcionamento do cérebro humano etc.
O curioso é que, quando o Netflix entrou no mercado dos EUA, não era como uma plataforma, mas como uma espécie de videolocadora online. Sem a exigência de ter lojas físicas [os DVDs eram enviados pelo correio já com um envelope pronto para o retorno pelo mesmo correio], o acervo era muitíssimo maior do que qualquer videolocadora. Ao alcance do cliente, TODOS os filmes de Fellini, Bergman, Buñuel, Hitchcock, Eisenstein, Kurosawa, Welles etc etc etc e filmes alternativos, pouco conhecidos etc.
Ou seja, uma empresa que inicialmente representava uma imensa abertura do acesso ao conteúdo audiovisual, transformou-se numa plataforma que dirige/restringe o acesso das pessoas ao conteúdo audiovisual brutalmente. Ironicamente voltamos (obviamente em proporções adequadas ao capitalismo mundial do século XXI) aos tempos das TVs abertas e das minguadas salas de cinema, quando conseguir assistir um filme "diferente" era coisa de poucas cidades grandes que tinham cineclubes onde a projeção era precária e as cadeiras duras como a vida.
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