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Showing posts from August, 2008

Muletas

Muletas São dois pares de muletas: A ciência e a fé.

Elegia à mulher barbada

Zompantli, 24 x 24" woodcut © 2001 Artemio Rodriguez Elegia à mulher barbada Logo abaixo dos bigodes da mulher barbada, triunfante em sua melhor pose fatal, em postas, os lábios carnudos vendem a boca e a boca rosada dessa nossa fêmea peluda vende em fileiras seus alvos dentes que vendem pasta de dente que, vermelha e radiante na ponta da escova, desce, branca e espumante, alagando, cremosa, a baía escura do estômago (que vende acidulantes e corrosivos artesanais orgânicos, inofensivos desde que se siga estritamente a bula) e que depois sobe, num espasmo, pelo golfo pérsico da garganta em convulsão que, nervosa e relutante por dentro, aqui de fora arqueja ao brilho dos holofotes e nos vende um belo colar, uma jóia que é uma épica em surdina impecável e diamantina, réplica perfeita de um flexível zompantli que pende da penugem espessa da nuca até o poço do umbigo, que, potencial de repente redescoberto, vende um belo pingente dourado do Líbano, q

Masturbação mental também é cultura

É um falso dilema, não tem grande ligações com a realidade, mas eu sou daqueles que, embora não seja um entusiasta da modalidade, acredito no valor relativo da masturbação mental [aliás já pararam para pensar no moralismo implícito de quem usa uma expressão qualquer agregada ao termo masturbação para significar algo negativo, improdutivo, inútil?]. Depois de ler um par de reportagens em jornais brasileiros sobre o que chamam [para mim num equívoco completo] de “fiasco olímpico”, textos típicos em sua fúria, no ódio e desprezo a si mesmos e no complexo de inferioridade misturado com megalomania que compõe a psique particular do meu país, imaginei a seguinte situação, assumidamente fantasiosa e quase imbecil. Se o gênio da lâmpada maravilhosa oferecesse ao Brasil um nível de vida do Canadá em troca de termos um futebol “canadense”, o que responderia o Brasil?

GRANDES e pequenos livros e seus leitores

[De volta à Gringolândia, melancolicamente, retomo esse meu blogue de meia-tigela.] Eis um pequeno e significativo trecho de carta de Guimarães Rosa para Harriet de Onís em 1959: "Ah, que lástima, não se pode preferir as frases em 'worse English', mas a bem do poder expressivo e sugestivo, à maneira de Joyce." Se alguém quiser começar a entender o relativo ostracismo de Guimarães Rosa nos EUA, está aqui o X da questão. GR escreve em português "mal-escrito", que chuta o traseiro das boas maneiras gramaticais em nome da criação à maneira de Joyce, mas quem está disposto a render a um desconhecido do terceiro-mundo a mesma atenção amorosa que devota a Joyce? Não quero resumir essa questão a um grito de revolta terceiro-mundista, mesmo porque, depois de quatro anos vivendo fora do país, esse estado de espírito teria me levado ao suicídio. Identifico nesse caso de GR um outro problema, que gostaria de entender em seu caráter mais geral: para os leitores em ger

Provérbios

"O provérbio é uma ruína que restou do que era uma velha história" Walter Benjamin [mais ou menos, citado de memória] Segue então um mineiro: "O mundo acaba é para quem morre..."

Coisas óbvias

Às vezes o óbvio precisa ser dito e o novo livro de James Wood [How Fiction Works], apesar do título pretensioso, parece cheio dessas coisas óbvias que, pelo que vejo, preciusam ser ditas muitas vezes mais. Um exemplo: “Actually, first-person narration is generally more reliable than unreliable; and third-person ‘omniscient’ narration is generally more partial than omniscient.”

Mulheres e homens

Fiquei sabendo [por um post de um blogue que eu sempre acompanho] que o metrô do Rio de Janeiro adotou o sistema de reservar um carro só para mulheres. O sistema vigora no Mexico suponho que há mais tempo e quando estive lá esse ano, sem saber de nada e armado da minha habitual distração e ignorância, tive uma experiência sui generis. Duas ou tres viagens de metro e eu reparando que só havia uma, duas, no máximo três ou quatro mulheres em um vagão cheio. "Cadê as mulheres? Será que mulher não anda de metrô no Mexico? Será que o México é o espelho das lendas que circulavam em Belo Horizonte, onde gente me afirmava categoricamente com aquela convicção que só a ignorância permite aos seres humanos que a proporção de mulhres para homens na cidade era “sete por um”? Como é que eu explico essa falta de mulheres aqui no trem? Lá fora a presença feminina era normal, mas que diacho..." Só lá pela minha quarta viagem é que eu trombo com o espaço reservado às mulheres na estação. Ufa! A

Patriotismo de López Velarde

Efigie de Ramón López Velarde (1888-1921) na Feira Internacional do Libro (FIL) de Guadalajara em 2002 Foto: Carlos Cisneros Fonte: La Jornada Tenho feito uma série de autores que representam uma série de possíveis relações com esse sentimento que chamamos de patriotismo. Agora é a vez do poeta nacional mexicano, López Velarde: La suave patria – Proemio Yo que solo canté de la exquisita Partitura del íntimo decoro, alzo hoy la voz a la mitad del foro, a la manera del tenor que imita la gutural modulación del bajo, para cortar a la epopeya un gajo. Navegaré por las olas civiles con remos que no pesan, porque van como los brazos del correo chuan que remaba la Mancha con fusiles. Diré con una épica sordina: la Patria es impecable y diamantina. Suave Patria: permite que te envuelva en la más honda música de selva con que me modelaste por entero al golpe cadencioso de las hachas, entre risas y gritos

The Affair of the Fire Eaters - Nancy Kuhl

So much better the brittle ash, better than tearing. So much seashell gone silent, spiral, translucent white burn.The chemical smell of it. A struck match to a photograph — bubbles, blackens. Run the film backwards: the fire goes out when he holds the match to the baton. What we do we do with the body. Home movies emptied on to a sheet hung in the basement. Wife of soot, wife of burnt hair and the man gone electric. Everything is soaked in the slippery smell of gasoline. The woman he loves holds a drink like you’d hold a pistol. A joke’s a joke so tell it. The fire eater is reckless, head back eyes wide open, wide open spilling red reflection. They can’t help but think of his salt cooled mouth. If it’s a sideshow bring them all. fonte: http://jacketmagazine.com/19/kuhl.html

Dr. Bruce Ivins

Saiu no New York Times um trecho de e-mail do suspeito de ter mandado cartas com antraz para um punhado de gente em 2001 logo depois dos atentados de 11 de setembro: “I wish I could control the thoughts in my mind. It’s hard enough sometimes controlling my behavior. When I am being eaten alive inside, I always try to put on a good front here at work and at home, so I don’t spread the pestilence.” Não deu para o Dr. Bruce Ivins continuar controlar as coisas e mostrar-se positivo e ele cometeu suicídio terça-feira. Duas possibilidades foram aventadas: ele era um homem profundamente desequilibrado há muito tempo e enviou as cartas ou ele ficou assim depois de ter sido virado de ponta a cabeça pelo FBI depois de tornar-se suspeito de enviar as cartas contaminadas com antraz.

A locomotiva do Brasil

Eis a sucinta descrição do Monumento aos Bandeirantes do então governador de São Paulo, fundador da USP, primo de Júlio Mesquita, herói constitucionalista [ironicamente interventor em 1933], quatrocentão de quatro costados, Armando de Salles Oliveira: "Os homens surpreendidos numa subida, caminham para o alto: é o idealismo paulista em ação. Dois bandeirantes, os chefes, vão na frente, a cavalo: é o princípio da autoridade, o mais forte esteio da civilização que o comunismo tenta destruir. As figuras decrescem de tamanho: é a hierarquia, inseparável da disciplina, e um dos mais belos princípios da organização social".

Fernando Vallejo entre o amor e a furia

Dois trechos do livro La virgen de los Sicarios do colombiano Fernando Vallejo: "La felicidad no puede existir en este mundo de televisores y casetes y punkeros y rockeros y partidos de fútbol. Cuando la humanidad se sienta en sus culos ante un televisor a ver veintidós adultos infantiles dándole patadas a un balón no hay esperanzas. Dan grima, dan lástima, dan ganas de darle a la humanidad una patada en el culo y despeñarla por el rodadero de la eternidad y que desocupen la tierra y no vuelven más." Esse conteúdo raivoso de quem se sente acima do lugar, do tempo e da sociedade em que vive não é novidade desde Gregório de Mattos, pelo menos. Mas quem sabe escrever sabe dar vida ao mais gasto dos conteúdos e Fernando Vallejo chega muito mais além quando seu narrador também fala apaixonadamente: "Entre el susurro de las voces díspares mi alma se fue yendo hacia el alto como um globo encendido, sin amarras, subiendo, subiendo hacia el infinito de Dios, lejos de esta mísera

Exame de rotina

Rivane Neuenschwander, Life on Mars Exame de rotina Presta a atenção: o mundo é um moinho. Cartola Laura tem 16 anos. Chega sozinha ao consultório ginecológico para uma consulta de rotina. A sala de espera é fria e desconfortável, decorada pela mesa marrom da secretária vestida com um jaleco dois números maior que o seu, meia dúzia de cadeiras de plástico e um único quadro, uma abstração toscamente pintada em azul e prateado, pregado alto demais na parede. Todas as cadeiras exceto uma já estão ocupadas por meninas como Laura e mulheres de várias idades, todas caladas, folheando revistas velhas e amarrotadas ou simplesmente esperando em silêncio, olhos fixos no nada. Após uma hora e meia de espera a secretária chama Laura pelo nome completo. A menina entra no consultório e é dirigida até o banheiro para despir-se e colocar o avental branco aberto na frente. Sem cumprimentá-la, a médica começa o exame. A paciente se deita, a médica insere o espéculo na vagina – por trás dos óculos observ