Em 1840 Turner exibiu em público pela primeira vez esse quadro [clique na imagem para ver melhor, vale a pena] pelo qual ele seria execrado, “Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying: Typhoon Coming On”. Até esse longo nome do quadro mereceria gozações e paródias, mas hoje há quem pense que esse é o quadro mais importante da pintura inglesa do século XIX.
O primeiro “defeito” desse quadro para os contemporâneos de Turner é que o tema escolhido vai provocativamente no sentido contrário do orgulho inglês pelo seu papel na luta pela extinção do tráfico de escravos que continuava a levar milhares de africanos para as Américas: o quadro se refere a um evento perto da Jamaica em 1871 quando o capitão inglês Luke Collingwood atirou ao mar 132 africanos, ainda vivos em sua maioria, do navio negreiro inglês “Zong” no mar para defender os interesses de seus patrões de Liverpool, já que o seguro não os indenizaria no caso de morte por doença mas apenas no caso de “death by the sea”.
Repare os monstros marinhos e pássaros que se revolvem em torno das correntes e algemas que misteriosamente flutuam no mar revolto e ao mesmo tempo o briho do sol que projeta uma faixa branca de calmaria no meio da tempestade e lá no cantinho direito uma réstia de céu azul [seria uma esperança?].
Não dá para um brasileiro não se lembrar do Navio Negreiro de Castro Alves:
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
Mas eu também imagino que este mar caribenho é quase o mesmo mar do poema de José Emilio Pacheco do post passado, o mesmo poeta que escreveu o seguinte poema, igualmente marcante:
Tierra
La honda tierra es
la suma de los muertos.
Carne unánime
de las generaciones consumidas.
Pisamos huesos,
sangre seca, restos,
invisibles heridas.
El polvo
que nos mancha la cara
es el vestigio
de un incesante crimen.
No me preguntes cómo pasa el tiempo, 1969
Comments
primeiro quero agradecer sua visita lá no "Suave Coisa".
Seu blog é muito bom! Vou virar freguesa...rs
E digo mais: vai ser muito bom estar aqui, com um poema. Pode ficar à vontade.
Obrigada e um abraço