A Fernando Vallejo
ah, mísero presente sem futuro
sucessão de horas e dias vãos
vazios de intenção e cheios de mortos
és a luz que é desordem e eu
sou a escuridão suspensa estática
sou, mas já não tenho nome
sou nada, nada, nada, nada, nada
não tenho teu grande e metálico estômago
não sei digerir o veneno remédio
que me ofereces com essa cara dura
só posso alimentar comigo mesmo,
com meus desejos de largar
e meus ardores de se ter,
a chama viva dessa língua podre
que é um rio que ninguém contém,
fugaz, desprezível, mutante
passageiro, traiçoeiro
como o Riberão Arrudas de menino:
fiapo imundo de água morta
que nas chuvas de verão de repente
inchava e engolia a cidade inteira
com a fúria-felicidade infantil
que é porque não se sabe
só essa coisa macabra e bêbada
furiosa perra negra sem cabeça
que sai da boca desdentada e vil
dessa matilha de terno e gravata
feito sabão em pó e cocaína
me subindo derretendo as narinas
pode enfrentar essa tua luz que cega,
estúpido presente sem futuro,
e me salvar de mim mesmo por ti.
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