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Nacional e importado


O Halloween é uma festa popular nos Estados Unidos. Uma multidão de crianças e jovens e alguns adultos de todas as classes veste fantasias de todo tipo [com destaque para o tétrico, especialmente nas crianças após os dez anos e adultos]. Várias lojas vazias [coisa muito comum na economia atual] são alugadas durante um mês por gente vendendo todo tipo de fantasia, inclusive uma farta sessão de lingerie mais ou menos vagamente erótica. Quando cai a noite ou logo depois do jantar [que aqui é servido bem mais cedo], essa multidão mascarada e fantasiada sai pelas ruas pedindo doces e dando trotes no frio ainda suportável do outono. Quem quer receber os “foliões” compra baldes e baldes de doces e balas e decora a casa com motivos de terror.

Parece que o Halloween está sendo adotado no Brasil, suponho que adaptado, mesmo que por ignorância. Isso causa horror em algumas pessoas que vêem nisso uma babação de ovo para com tudo o que vem dos Estados Unidos [verdade] e uma perigosa descaracterização da cultura nacional [mentira]. Se eu já acho defender a pureza cultural da França ou da Alemanha uma farsa mal-ajambrada, imagine fazer a mesma coisa com qualquer país das Américas.

Basta olhar para trás para descobrir que a “alma nacional” é tão pura quanto a água do Tietê. Um exemplo é nossa festa mais nacional: o carnaval. Para celebrar os quatro dias antes da quarta-feira de cinzas que marca o começo da quaresma sem os “excessos” do entrudo, o carnaval foi introduzido no Brasil como uma festa bem comportada, civilizada, claramente importada, européia. Um empréstimo estrangeirizante, assim como já foram a manga, a jaca, o coco, o trigo, o frango e o arroz. Empréstimos que após gerações tornaram-se parte integrante da cultura nacional.

A Europa é diferente? Pense na culinária “típica” dos países europeus sem as importações de ingredientes estrangeiros. A Itália sem o macarrão dos chineses e o tomate da América do sul. A Alemanha e Inglaterra sem a batata também sul-americana. A Suíça sem o chocolate centro-americano. A França sem a pimenta do reino. Portugal sem o bacalhau dos mares do norte.

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