Ode à Redondilha
a matéria prima
de todo o meu canto
cabe em cinco toques
d’uma redondilha
desde a minha infância
quando eu escutava
d’um canto da sala
minha mãe cantando
que você não vinha
pela estrada nova
não chegava hoje
não chegava nunca
minha mãe cantava
como era triste
a raiva, a mágoa
com que a avó contava
do seu casamento
aos quatorze anos
com um homem velho
que não conhecia
“eu brincava ainda”
ela se trancava
no quarto sozinha
era em cinco toques
que sua voz pulsava
se desenrolando
pela noite escura
eram em cinco toques
que se apresentava
cada verso branco
um golpe preciso
de ponto em linha
trêmula escultura
traçada na luz
e na sombra imensa
sussurrada a gás
de dois lampiões
“tira a mão, menino,
isso não é brinquedo”
até os pés batiam
cinco toques claros
na tábua corrida
da casa cansada
balançando as pernas
da mesa de cartas
cujo feltro verde
me esquentava a mão
até o meu silêncio
de menino novo
no frio estrelado
da alto da Serra
tinha cinco pulsos
cada baforada
do charuto aceso
na mão do meu tio
desenhava sonhos
nos meus olhos mansos
e um dente brilhava
entre a barba branca
cheirando à tabaco
era um sorriso
que hoje é meu sorriso
era em cinco toques
são em cinco toques
serão cinco toques
a matéria prima
d’uma redondilha
da minha lembrança
e todo o meu canto
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