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Showing posts from October, 2016

Diário da Babilônia: Eleições presidenciais de 2016, parte 1

Foto minha: Fábrica abandonada   1. Um país atravessa complexas mudanças econômicas que produzem uma brutal concentração de renda com a combinação de um quase desaparecimento de empregos na indústria [eliminados por máquinas automatizadas ou exportados para outros países com mão-de-obra mais barata], um longo processo de redução na taxação do capital, uma educação pública dilapidada, uma saúde pública inexistente e conflitos militares de altíssimo custo que se arrastam por quinze anos sem qualquer perspectiva de resolução. Não é de se espantar que nesse país viva uma grande massa de gente muitíssimo amargurada com toda essa situação, principalmente quando a situação significa passar pela dura experiência concreta do empobrecimento.   Foto minha: Outra fábrica abandonada   2. Dentro dessa massa de gente tentando se segurar para não cair na pobreza, um grupo considerável que recebe diariamente, via redes sociais, rádio ou televisão, uma dose constante de um agressivo discurso p

Notícias do Novo Mundo

Com um mercado muito pequeno e empobrecido, é raro no Brasil termos edições anotadas de obras literárias. Hoje em dia há gente preparada nas universidades para fazer esse tipo de trabalho sobre muitos autores importantes, e a internet oferece, pelo menos potencialmente, oportunidades para viabilizar isso. Um projeto muito interessante que busca contornar as limitações reais do mercado do livro de papel [que custa caro para imprimir, armazenar e distribuir] foi feito com a obra de Machado de Assis . Claro que Machado de Assis oferece a vantagem de pertencer ao domínio público e assim dispensar tretas cabeludas com famílias e direitos autorais. Com essas coisas, pelo jeito, não há internet que possa. Aliás, o fechamento da internet, daquele campo meio bagunçado em que cada um  armava uma barraquinha de camelô ou um palco mambembe num blogue ou num canal próprio de iutubio acabou faz tempo. Tudo [ou quase tudo] passa agora pelos peneirões do gúgol, feicibuque e compania limitadíssima. O

Sobre políticas públicas para a leitura e os livros

Provocado por um post da minha amiga de feicibuque Denise Bottman, comecei a pensar sobre as mazelas da indústria do livro no Brasil. Na atual conjuntura política a gente só pode mesmo conversar sobre essas coisas no nível mais hipotético possível, mas tenho uma modestíssima opinião, muito incerta e precária: um papel do estado [na esfera federal, estadual ou municipal] na questão do livro deveria estar concentrado em manter uma biblioteca pública com acervo "em dia" em cada cidade mais de 200 mil habitantes e um número proporcional a esse nas cidades maiores [2 milhões=10 bibliotecas]. Isso teria que ser um primeiro objetivo, pois o número não é nada bom. O dinheiro teria que vir preferencialmente dos três níveis. Veja bem, não é uma biblioteca para guardar tudo o que se compra para todo o sempre amém; como as bibliotecas municipais de qualquer porcariazinha de cidade aqui nos EUA, seriam bibliotecas que de tempos em tempos vendem parte do seu acervo para fazer espaço para n

Sobre Música, Máquinas e Mãos

Era uma vez um jovem compositor chamado Steve Reich brincando com fitas magnéticas no começo dos anos 60. Ele começa a tocar duas ao mesmo tempo e se maravilha com as pequenas diferenças entre duas gravações de uma voz humana, pequenos desencontros que crescem e eventualmente se reencontram em estranhas abstrações sonoras, hipnóticas, maquinais. Ele chama esses micro-encontros/desencontros de "phasing". "Come Out" é uma das composições mais famosas do período, de 1966: Os anos passam e Reich parece que começa a se sentir sufocado no meio de tanta máquina e tanto fio e tanta fita. Ele começa então a compor música para instrumentos convencionais operados por músicos, mas com a ideia "... transformar as fantasias da máquina em eventos humanos" [o caderno de notas de Steve Reich]. Daí vem as "Fases" como a que está no vídeo abaixo. "Violin Fase" é de 1967: Reich passou um tempo longe das máquinas e mesmo quando voltou a elas, o fez

Big Food - A democracia no século XXI

Eles atendem pelo singelo nome de “Big Food”, uma indústria que monopoliza toda a comida que é plantada, criada, colhida, abatida, processada, empacotada e vendida nos Estados Unidos. Na base “Big Ag”: basicamente um grupo seleto de produtores gigantescos de milho e soja [e outras “commodities”] mamando alegremente em subsídios generosos do governo americano e produtores de todo o aparato de sementes e agrotóxicos na base dessa indústria. Big Ag ganha uma grana preta fornecendo ração para Big Meat, outro grupo seleto que “produz” milhões de cabeças de gado, galinhas e porcos, enfia eles todos dentro de fábricas/matadouros gigantescos e empacota milhões e milhões de quilos de carne e outras coisas carnívoras. Aí vem mais um grupo igualmente seleto de empresas que processam com toda a ingenuidade química que produz sabores, cores, texturas e sabores de todos os tipos, empacotam e rotulam o que Big Ag e Big Meat produzem. Basicamente o milho vira xarope açucarado, a soja vira

O dia em que o terrorismo nasceu

Adoramos imaginar nascimentos e mortes para as coisas da cultura, encontrar ali na linha do tempo na num momento certo o aparecimento de uma novidade ou o desaparecimento do passado na história. Na verdade a cultura é sempre coletiva e as coisas dela nunca propriamente terminam nem começam. Imaginemos, mesmo assim. 22 de abril de 1915, começa a segunda série de batalhas entre forças francesas/britânicas e alemãs pelo controle da cidade de Ypres na Bélgica, perto da França. No ano interior já 100 mil soldados dos dois lados tinham morrido futilmente disputando o mesmo lugar na mesma fronteira. Dessa segunda vez as forças alemãs inovam e lançam de seus aviões cloro em gás para forçar o inimigo para fora das suas trincheiras. Mais ou menos seis mil soldados franceses, marroquinos e argelinos morreram por causa do gás ou na carnificina que se seguiu no campo de batalha. Os inimigos dos alemães não demorariam muito em também usar o mesmo expediente de guerra: gases venenosos lançado

Derrida professor

Derrida fazendo biquinho sensual Entre 1984 e 2003 [ele morreu em 2004] Jacques Derrida ensinou semanalmente um seminário de duas horas na Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais num total de 10 a 15 aulas de duas horas por ano letivo. Nesses seminários Derrida se encontrava com um público bastante variado, desde estudantes de filosofia preparando-se para os exames de entrada no sistema de ensino francês até amigos e parisienses curiosos de saber mais sobre filosofia. Para cada encontro semanal, Derrida escrevia cuidadosamente umas 20 a 30 páginas de texto completo. Fossem lidos sem interrupção à maneira de uma palestra, esses textos dariam para uns 20 a 40 minutos da aula, mas não se trata de notas soltas para a aula. Elas eram escritas primeiro à mão, depois datilografadas e finalmente escritas no computador e não foram publicadas em vida. Estão sendo publicados postumamente, os últimos seminários chegando ao inglês aí pelo final da primeira década do século XXI. Escl

Sobre adaptações cinematográficas e o limite do conceito de tradução

" ... é preciso fazer um reparo importante sobre a relação entre literatura e cinema em adaptações cinematográficas. Creio ser mais produtivo pensar nessas adaptações como uma forma peculiar de interpretação ao invés de pensá-las como traduções intersemióticas segundo a classificação de Jakobson. Isso porque as adaptações cinematográficas tradicionalmente têm uma relação muito mais livre com o texto de origem que têm as traduções, mesmo aquelas autodefinidas como “transcriações”. As noções textuais de fonte e derivação estão no cerne do trabalho tradutório e por isso faz sentido que elas tenham protagonismo na análise crítica desse tipo de trabalho, mas não são adequadas na análise de adaptações de textos literários ao cinema por levar frequentemente a previsíveis comentários sobre aquilo que, presente ou ausente no texto literário original, “faltaria ou sobraria” na adaptação cinematográfica. A matéria cinematográfica é, em geral, construída com extrema liber