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Informação ou embromação?

Estatísticas em jornais sempre me intrigam e freqüentemente me irritam. E não é porque eu tenha alguma coisa contra os números; ao contrário eu acho que as estatísticas são informação relevante na maioria das vezes, só que, ao contrário do cliché, não falam nunca por si. Agora, os números nos jornais quase nunca dizem nada, porque sempre aparecem pela metade, de forma meio torta. Vejamos um exemplo simples: na Folha de São Paulo de hoje saiu uma nota [“Bienal do Livro tem queda de público de 10%] que diz o seguinte:

“A 20ª edição da Bienal do Livro de São Paulo, que terminou no dia 24, teve queda de cerca de 10% em seu público na comparação com 2006, quando 811 mil pessoas estiveram no evento. Neste ano, em 11 dias, 728 mil pessoas foram ao pavilhão do Anhembi, segundo a organização. Entre os compradores, a média de livros adquiridos subiu de 3,45 para 4,97 por pessoa.”

Uma conta matemática simples, que eu tive que fazer por conta própria, já me revela um dado curioso: a bienal de 2008, apesar de menos gente, vendeu mais livros que a de 2006 – 800.000 livros a mais. Mas como é que a gente compara os dois eventos direito sem saber pelo menos quatro coisas:
1. Se os dois duraram o mesmo número de dias [sim],
2. se tiveram o mesmo número de expositores [não sei],
3. se aconteceram na mesma época do ano [um foi em março o outro em agosto; pode ter alguma coisa aí, mas eu não sei],
4. a quantas anda o consumo de livros no Brasil agora em comparação com 2006 [não sei; suponho que tenha crescido. Será que cresceu mais ou menos que crescimento em vendas da bienal?].
Em outras palavras, a nota da Folha de São Paulo só informa pela metade e informando pela metade não serve quase para nada – eu leio a nota e continuo quase que com a mesma incapacidade de comparar as duas bienais e muita ou relativa incapacidade são, na prática, a mesma coisa. Fica um fato solto no ar e como eu não consigo articular nada com esse fato solto, ele já fica pronto para um rápido esquecimento [dizem que somos um povo sem memória; com um jornalismo assim, só Funes, o memorioso, de Borges para lembrar-se de alguma coisa]. O pior é que não há nada aqui de particular no jornalismo da FSP, nem mesmo no jornalismo brasileiro.

Comments

Anonymous said…
Paulo , uma coisa te garanto , todo mês de agosto é um mês ruim na maioria dos segmentos, principalmente nos teoricamente "desnecessários", como um livro é considerado aqui no Brasil.Desde gastos excessivos nas férias de julho até o fraco desempenho na bolsa de valores , aliados ao "terror" vendido nos telejornais que só falam de inflação, recessão e crise.Concordo que em outro mês seria bem melhor.Como você sabe, notícias ruim e com informação pela metade vende bem mais...abraços.
eh isso ai, Luis. Isso eh uma outra coisa que me invoca: varios segmentos, varias atividades sao mais ou menos sazonais mas os jornais insistem em noticiar as melhorias no fim de ano comparado com, por exemplo, agosto [e nao com o dezembro do ano passado] como se fosse algo de outro mundo. Isso para nao falar da bolsa, em que os caras deitam falaçao e tocam manchete em cima de quedas e subidas que nao sao mais que soluços normais [alias eu como leigo adoraria ler um jornal mais bem feito exatamente para entender um pouquinho melhor essas coisas].
Abs
Paulo
Um caso que me horrorizou foi a manchete sobre um novo projeto de lei para empregados domésticos. Dizia: "nova lei dobra custos para empregador" ou algo assim. Bem, lendo a matéria a gente percebia 3 itens principais: inclusão de FGTS (12%), hora-extra e adicional noturno. Resumindo, quem não força o empregado a trabalhar acima do estabelecido, nem à noite, terá um custo apenas 12% maior. Então por que colocar "dobra os custos" na manchete?

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