O mal ator de suas emoções
Julio Torri [1889-1971]
E ele chegou à montanha onde vivia o ancião. Seus pés estavam ensangüentados por causa das pedras no caminho e o brilho dos seus olhos manchado pelo desalento e pelo cansaço.
- Senhor, sete anos se passaram desde que vim pedir-lhe conselho. Os varões dos mais remotos países louvavam sua santidade e sua sabedoria. Cheio de fé escutei as suas palavras: “ouve a teu próprio coração, e o amor que tenhas por teus irmãos não ocultes.” E desde então não encobria minhas paixões aos homens. Meu coração foi para eles como guia em águas claras. Mas a graça de Deus não desceu sobre mim. As mostras de amor que dei a meus irmãos, eles as tomaram por fingimento. E veja então como a solidão obscureceu o meu caminho.
O ermitão o beijou três vezes na testa; um leve sorriso iluminou a sua face e ele disse:
- Encobre o amor que tenhas a teus irmãos e dissimula tuas paixões ante os homens, porque és, meu filho, um mal ator de tuas emoções.
Esse é um poema em prosa escrito no México mais ou menos na mesma época do Modernismo brasileiro por uma figura importante da geração de intelectuais que antecedeu à Revolução Mexicana. Não era um grupo de artistas, embora muito fossem artistas também. Julio Torri, por exemplo, era professor de literatura e escreveu uma Historia da Literatura Espanhola. É uma reflexão simples sobre uma coisa que todo mundo que escreve deveria estar careca de saber, mas nem sempre percebe: que para ser autêntico há que saber representar, que para ser simples há que se ter artifício, que autenticidade e simplicidade, ao contrário do dita o senso comum, precisam de muita elaboração estética e não tem nada de transparente.
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