Às vezes a gente escreve uma coisa que acha boa e ninguém gosta. Mesmo assim a gente continua gostando do que escreveu, às vezes. Mas às vezes a gente escreve umas coisas que nem a gente mesmo gosta. Um textos que eu classifico como insuportáveis, mas que, como filhos que a gente odeia mas também ama, a gente é obrigado a suportá-los. Segue abaixo um deles. É engraçado [ou triste] como uma idéia que a gente ser irresistível acaba gerando um texto que a gente mesmo acha insuportável - imagina os outros. Esse foi feito durante a oficina em Paraty mas não foi mostrado lá - afinal a primeira impressão é importante e ninguém quer ficar marcado como "o sujeito dos textos insuportáveis"...
o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final
Enfiar o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final, mas só depois de botar aquele vagabundo pra fora de casa e consertar de novo o alarme da minha alegria; aí pronto: é o mundo inteiro entre a maiúscula e o ponto final, ainda que ninguém entenda patavinas de piripitibas e ainda assim se ofendam os stalinistas do grande espírito das letras greco-latinas ocidentais e os stalinistas defensores por procuração dos frascos e comprimidos duas vezes ao dia e estejamos assim todos mal pagos e fodidos; mesmo assim tem que continuar até enfiar o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final porque, entre o universo dito e o infinito omitido o ponto final da frase onde cabe o mundo inteiro pode ser possível, sem truques baratos e sem truques raros porque entre populismos e elitismos lá vamos nós nos foder sem receber um tostão outra vez (quem nunca se fodeu mal pago não merece o papel e a caneta que tem muito menos o esplendoroso fracasso que só pode conhecer de perto quem tentar pelo menos umas trinta vezes enfiar o mundo inteiro entre a maiúscula e o ponto final; esses que não reconhecem derrota ou entendem tudo de uma vez e não sabem, por exemplo, nem que o mal existe e não precisa de motivos, que os assassinos e torturadores podem não ter nenhum trauma terrível no fundo do poço da infância, não merecem as florestas de celulose e rios de tinta preta que andam consumindo em vão), e ainda assim tem que ser assim nessa peleja descarnada até o fim porque o silêncio é uma covardia, ainda que socialmente tolerada e até incentivada, imperdoável e, como eu não acredito em reencarnação nem em livros psicografados, tem que ser da maiúscula ao ponto final no espaço de uma vida, que é, admito, um meio-soluço na história da humanidade e um trisco na história do planeta mas é tudo o que temos e, de tudo o que temos a fazer com o pouco tempo e recursos que temos, é o mais bonito e o mais divertido (e só a alegria e a beleza dadas assim completamente de graça têm esse sentido próprio que muita gente insiste em procurar no dinheiro e nos tênis e bolsas que custam um mês de aluguel), mas, veja bem, só depois de botar aquele palhaço para fora de casa e consertar o alarme da minha alegria que estragou desde o dia em que agora-não-vem-ao-caso-quem se instalou de mala e cuia na minha vida como um parêntese parasitário e infeliz, um parêntese que eu vou fechar agora, antes de começar a tentar mais uma vez enfiar o mundo entre uma maiúscula e um ponto final (pronto)
o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final
I’m trying to say it all in one sentence, between one Cap and one period.
I’m still trying to put it all, if possible, on one pinhead. I don’t know
how to do it. All I know to do is to keep on trying in a new way
William Faulkner
I’m still trying to put it all, if possible, on one pinhead. I don’t know
how to do it. All I know to do is to keep on trying in a new way
William Faulkner
Enfiar o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final, mas só depois de botar aquele vagabundo pra fora de casa e consertar de novo o alarme da minha alegria; aí pronto: é o mundo inteiro entre a maiúscula e o ponto final, ainda que ninguém entenda patavinas de piripitibas e ainda assim se ofendam os stalinistas do grande espírito das letras greco-latinas ocidentais e os stalinistas defensores por procuração dos frascos e comprimidos duas vezes ao dia e estejamos assim todos mal pagos e fodidos; mesmo assim tem que continuar até enfiar o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final porque, entre o universo dito e o infinito omitido o ponto final da frase onde cabe o mundo inteiro pode ser possível, sem truques baratos e sem truques raros porque entre populismos e elitismos lá vamos nós nos foder sem receber um tostão outra vez (quem nunca se fodeu mal pago não merece o papel e a caneta que tem muito menos o esplendoroso fracasso que só pode conhecer de perto quem tentar pelo menos umas trinta vezes enfiar o mundo inteiro entre a maiúscula e o ponto final; esses que não reconhecem derrota ou entendem tudo de uma vez e não sabem, por exemplo, nem que o mal existe e não precisa de motivos, que os assassinos e torturadores podem não ter nenhum trauma terrível no fundo do poço da infância, não merecem as florestas de celulose e rios de tinta preta que andam consumindo em vão), e ainda assim tem que ser assim nessa peleja descarnada até o fim porque o silêncio é uma covardia, ainda que socialmente tolerada e até incentivada, imperdoável e, como eu não acredito em reencarnação nem em livros psicografados, tem que ser da maiúscula ao ponto final no espaço de uma vida, que é, admito, um meio-soluço na história da humanidade e um trisco na história do planeta mas é tudo o que temos e, de tudo o que temos a fazer com o pouco tempo e recursos que temos, é o mais bonito e o mais divertido (e só a alegria e a beleza dadas assim completamente de graça têm esse sentido próprio que muita gente insiste em procurar no dinheiro e nos tênis e bolsas que custam um mês de aluguel), mas, veja bem, só depois de botar aquele palhaço para fora de casa e consertar o alarme da minha alegria que estragou desde o dia em que agora-não-vem-ao-caso-quem se instalou de mala e cuia na minha vida como um parêntese parasitário e infeliz, um parêntese que eu vou fechar agora, antes de começar a tentar mais uma vez enfiar o mundo entre uma maiúscula e um ponto final (pronto)
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