Desconfie dos que falam
de ética o dia inteiro.
Desconfie dos charmosos
que escondem viver
do amor alheio.
Desconfie daqueles que ignoram
que sem inteligência
nem sensibilidade,
o caráter é caroço duro,
sem polpa e casca.
Desconfie dos que negam
que nada dói mais do que a dor
que dois amantes podem dar um ao outro.
Desconfie da uva que nos ensinou
o vinho que aprendemos a beber,
mas desconfie também
dos que se dizem livres das drogas,
porque tudo nesse mundo
é uma droga perigosa
exceto a realidade,
que é insuportável.
Desconfie dos que nunca se perguntaram
se a civilização de hoje
é o esterco de amanhã
e dos que não desconfiam
do passado, a única coisa morta
que não cheira mal.
Desconfie dos que vivem
nas encubadoras de apatia e delírio
da classe média
e têm medo e amam o conforto vazio
e têm medo e amam o dinheiro
e têm medo e odeiam o que temem.
Eles não se matam
por medo do que os vizinhos
vão dizer.
Desconfie dos que escrevem poemas
como esse, cheios de imperativos.
Deus ri dos nossos planos
e nos faz promessas
antes de nos destruir.
Resta ao artista
salvar o mundo
entre duas tarefas:
levar a imaginação à ciência
e a ciência à imaginação.
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