O poema - em nova versão - ainda não está completo, mas depois de ter lido os jornais hoje, ando achando que ler poesia pode ser bem mais útil e informativo . As partes em itálico são poemas de outrem [putz, acabo de perceber que o itálico sumiu do word pra internet]. A história é sensacional e o elenco é muito forte - se não deu certo a culpa é toda minha.
Kafka e Drummond
1939,
quatro dias antes
da Polônia começar a cair;
imagine No meio do caminho
tinha uma pedra
traduzido por um judeu da Hungria.
“É um maluco de Budapeste”,
diziam aqui.
Preso numa ilha,
terceira margem do rio Danúbio;
condenado a levantar e, depois
de pronto, desmanchar com as mãos nuas
um prédio de pedra dura;
o tradutor louco de Budapeste
numa pausa entre arremate
e demolição,
foge e vem parar aqui, no Brasil.
Aqui pede ao poeta
funcionário de ferro e pedra,
apenas um rastro, não importa,
que o guiasse pelo labirinto,
dos jardins da gripe,
dos bondes do tédio,
das lojas do pranto
do Estado Novo.
Quer arrancar um par de vistos
para a mãe e a noiva,
morando ainda na Hungria, onde
os ferozes padeiros do mal
e os ferozes leiteiros do mal
dançam em brasa, aos pés de Hitler,
até Ferenc Szálasi chegar
e começar, pra valer,
a dança da morte.
Mas naquele tempo,
como hoje em dia,
era livre a navegação
mas proibido fazer barcos.
Mas, “tivesse encontrado
mais três como o poeta funcionário
de ferro e de pedra,
as duas estariam aqui, vivas,
comigo”; disse Paulo Rónai.
Mas aquele era um tempo de homens
partidos – como hoje em dia.
Imagine então,
anos e anos mais tarde,
lendo um artigo do amigo
de Budapeste, Drummond,
de repente, compreende,
lívido: “Kafka sou eu! Sou eu, Kafka!”
(de quem nem Rónai, nem Carpeaux, nem mesmo
Rosenfeld sabia,
até que Sérgio Buarque de Holanda
chegasse da Alemanha
com a primeira versão
de Raízes do Brasil
e O Processo na mala).
Kafka e Drummond
Ciego a las culpas, el destino puede ser despiadado con las mínimas distracciones.
(…)
A la realidad le gustan las simetrías y los leves anacronismos.
Jorge Luis Borges, “Sur”
(…)
A la realidad le gustan las simetrías y los leves anacronismos.
Jorge Luis Borges, “Sur”
1939,
quatro dias antes
da Polônia começar a cair;
imagine No meio do caminho
tinha uma pedra
traduzido por um judeu da Hungria.
“É um maluco de Budapeste”,
diziam aqui.
Preso numa ilha,
terceira margem do rio Danúbio;
condenado a levantar e, depois
de pronto, desmanchar com as mãos nuas
um prédio de pedra dura;
o tradutor louco de Budapeste
numa pausa entre arremate
e demolição,
foge e vem parar aqui, no Brasil.
Aqui pede ao poeta
funcionário de ferro e pedra,
apenas um rastro, não importa,
que o guiasse pelo labirinto,
dos jardins da gripe,
dos bondes do tédio,
das lojas do pranto
do Estado Novo.
Quer arrancar um par de vistos
para a mãe e a noiva,
morando ainda na Hungria, onde
os ferozes padeiros do mal
e os ferozes leiteiros do mal
dançam em brasa, aos pés de Hitler,
até Ferenc Szálasi chegar
e começar, pra valer,
a dança da morte.
Mas naquele tempo,
como hoje em dia,
era livre a navegação
mas proibido fazer barcos.
Mas, “tivesse encontrado
mais três como o poeta funcionário
de ferro e de pedra,
as duas estariam aqui, vivas,
comigo”; disse Paulo Rónai.
Mas aquele era um tempo de homens
partidos – como hoje em dia.
Imagine então,
anos e anos mais tarde,
lendo um artigo do amigo
de Budapeste, Drummond,
de repente, compreende,
lívido: “Kafka sou eu! Sou eu, Kafka!”
(de quem nem Rónai, nem Carpeaux, nem mesmo
Rosenfeld sabia,
até que Sérgio Buarque de Holanda
chegasse da Alemanha
com a primeira versão
de Raízes do Brasil
e O Processo na mala).
Comments
porque tudo é fantástico e inacreditável.
drummond de fato atendeu um hungaro em situação parecida e, muitos anos mais tarde, chegou realmente a se confundir?