Curiosa mescla de despretensão e eloqüência no ensaio de Alcir Pécora que encontrei aqui através de sugestão de Masé Lemos no FCBK.
1. Baseado em impressão pessoal, Pécora, que anda lendo ficção e poesia contemporânea no Brasil e achando-a "fraca", fala na "relativa perda da capacidade cultural da literatura de se mostrar relevante, não apenas para mim, mas para muitos que estão comprometidos com a cultura: como se alguma coisa se introduzisse nela (sem eventos violentos) e a tornasse inofensiva, doméstica." Vire o texto ao contrário e você vai encontrar uma enorme melancolia pelos bons tempos em que a literatura era ofensiva e pública. Mas eu acho que muita coisa "fraca" e "irrelevante" foi [e é] feita para ser literatura ofensiva e pública...
2. Logo depois Pécora fala da multidão de escrevinhadores espalhados pelos quatro cantos de tudo nesse mundo pindorâmico como "um problema basicamente de inflação simbólica". Gente demais escrevendo e muita gente escrevendo mal ou apenas medianamente. Mas, por exemplo, no começo dos anos 30 para cada Drummond - em geral ignorado por todos os meios de comunicação então - havia um exército de Bilacs sonhando em ser príncipes da poesia brasileira atochando todos os jornais e revistas e livrarias com seus livros... Vivemos realmente uma época diferente? Ou será que essa queixa contra o "o atual democratismo inflacionário das representações" [escorregamos da inflação para o democratismo...] vemos aqui um outro tipo de nostalgia, por um tempo em que uma meia-dúzia de mesas num bar no centro do Rio de Janeiro reuniria toda a inteligência nacional, oriunda quase toda, aliás, da mesma classe social, do mesmo grupo étnico e do mesmo gênero. Suspeito que sempre foi assim: 99.99% do que se escreve não é mesmo excepcional - e não fosse assim o 0.01% restante não seria chamado justamente de... excepcional.
3. Finalmente Pécora, que é um crítico muito mais inteligente que o deserto de idéias que anda preenchendo as páginas cada vez mais magras dos jornais de Pindorama, é mais específico ao descrever a literatura "forte":
"Fosse bom, problematizaria a representação, a identidade “nossa”, do “eu”, a própria ideia de identidade; nos obrigaria a retroceder para fora de nossa experiência comum. Ou mesmo nos expulsaria do poético, envelheceria de um golpe os lugares comuns da invenção. Ele teria complicado o mundo representado, e destruído a subjetividade expressa. Mas quem está fazendo isso?"
E agora, José? Para uma nota despretensiosa que ele chama de "palpites", Alcir Pécora exige muito da literatura contemporânea “forte”. E não é para exigir? Fico pensando em alguém que sente na frente do seu computador com essa missão e imagino um caso de paralisia instantânea. Isso sem falar que não basta querer tudo isso, não é mesmo?
Os falsos palpites de Alcir Pécora merecem mais que esses palpites de ½ tigela de um sujeito atarefado até as orelhas com outras coisas que lhe provém seu sustento...
Comments
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Mas vamos pensar estatisticamente: supondo que exista esse escritor talentoso que faz essa reflexão tão incisiva e tal.
Bem: ele encontrará espaço no meio editorial como é hoje? Provavelmente, só em pequenas editoras de democratismo inflacionado. Só será valorizado por grandes editoras depois de uma certa carreira (três, quatro livros, e alguns premios)
Enquanto ele não for reconhecido, quem é o leitor que tem pensamento límpido a ponto de ler um desconhecido e diferenciá-lo dos tantos outros escritores mais comuns ou diletantes?
Como identificar isso, a não ser pelo acompanhamento a longo prazo do trabalho do sujeito?
Mesmo que esse escritor exista, ele provavelmente só vai ser reconhecido na maturidade... porque antes nem é possível, a não ser por uma identificação muito profunda com as escolhas específicas daquele sujeito.
Hoje quem são nossos escritores na maturidade? Cristovao Tezza, Luiz Ruffato (são os que mais gosto). Depois Bernardo Carvalho, Milton Hatoum (que não gosto tanto). Tem uns outros que ganharam premios recentes, e não li ainda.
São os caras que sobreviveram a essa geração.
Mas, bem, quantas gerações passaram entre Lima Barreto e Carlos Drummond?
Entre todos os escritores brasileiros desde José de Alencar, de quantos REALMENTE gostamos, para além de considerações acadêmicas ponderadas?
Eu escolheria uns sete, entre os romancistas, num período de 160 anos.
Presenciar o surgimento de uma figura assim, em qualquer tempo, é pura sorte.
O que eu acho que a gente precisa urgentemente é de mais gente como Pécora, que se dispõe e que dá conta de fazer crítica literária no jornal mesmo. E eu concordo com as suas avaliações, mas acho que falta que, como ele, coloque essas questões na mesa com um sentido de ousadia, sem conformismo.
Agora, acho que o horizonte dele é o do crítico mesmo. O escritor acho que não tem que ter todas essas preocupações necessariamente em mente quando se senta para escrever. De qualquer maneira um debate mínimo sobre o assunto ajudaria o nível geral a subir mais um pouco, mesmo porque literatura não é feita só de GRANDES obras e GRANDES autores [magos, monstros, etc]. Os pequenos interesses e ambições podem dar em coisas geniais na mão de quem tem talento.
Dá pra mandar por email?
Concordo, somos um bicho nostálgico até não poder. Os que moram foram tem a desculpa da saudade e os que moram dentro são nostálgicos sem desculpa mesmo!