Skip to main content

Leituras infecciosas

De notícias sobre o coronga, música para o isolamento, minhas leituras erráticas e obituários vive este quintal que a mim pertence ultimamente.

Hoje me lembrei de uma leitura antiga, da adolescência. O diário do ano da peste de Daniel Defoe, livro que ganhei de presente da minha madrinha inglesa e que fora traduzido pelo meu padrinho, esposo dela. As casas onde viviam os já infectados era fechadas. As portas marcadas por uma cruz vermelha bem grande e um cartaz que dizia "Senhor, tenha piedade de nós". 

Também me lembrei de um livro que comecei a ler para estudar italiano: o Decamerão de Giovanni Boccacio, onde os personagens se revezam contando histórias para passar o tempo enquanto estão trancadas por causa da Peste Negra. Instado por um sujeito mal intencionado a escolher entre Deus, Alá e Yaweh, um judeu responde com uma parábola sobre três irmãos que ganham anéis idênticos [dois deles, entretanto, falsos] para que não houvesse preferência de nenhum deles pelo pai amoroso.

E fiquei com vontade de deixar tudo o que ando fazendo [ou tentando fazer] de lado para ler The Last Man  de Mary Shelley, que fala sobre um mundo inteiro devastado por uma doença terrível, uma pandemia. O último sobrevivente é o narrador dessa ficção científica que mostra o regresso do ser humano ao silêncio: ele absurdamente escreve um livro contando a sua história para ninguém ler.

Mas, como dizia Borges em citação que usei a pouco,"A la realidad le gustan las simetrías y los leves anacronismos..." Só isso explica ler uma epígrafe latina numa crônica de Augusto Monterroso e reconhecer nela o tema de um conto de Eça de Queiróz, "O tesoiro": três irmãos abrutalhados pela pobreza e a ganância são destruídos pela descoberta de um tesouro, numa comédia de erros grotesca. Os livros infectam mais [e melhor] do que os vírus. 

Comments

Fal said…
Que coisa bem boa de ler.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na