Foto minha: Fantasma de Menina de Rosa, Minha Filha |
“Entanto que enfim, agora, desforrada. O povo ruim terminou.
Meus filhos, Lopes, também, provi de dinheiro, para longe daqui viajarem gado.
Deixo de porfias, com o amor que achei. Duvido, discordo de quem não goste. Amo,
mesmo. Que podia ser mãe dele, menos me falem, sou de me constar em folhinhas e
datas?
Que em meu corpo ele não mexa fácil. Mas que, por bem de
mim, me venham filhos, outros, modernos e acomodados. Quero o bom-bocado que não
fiz, quero gente sensível. De que me adianta estar remediada e entendida, se
não dou conta de questão das saudades? Eu, um dia, fui já muito menininha...
Todo o mundo vive para ter alguma serventia. Lopes, não! – desses me arrenego.”
Esse é o final do monólogo de Flausina em "Esses Lopes", conto de Guimarães Rosa, que em 1967 respondeu a uma daquelas perguntinhas safadas sobre "o comportamento da mulher atual em desacordo com a condição feminina" na lata, dizendo que era melhor assim porque "antigamente
havia um exagero, o homem era homem demais e a mulher era mulher demais". Em tempo, flausina num velho dicionário de português significava “rapariga moderna que traja com todas as
extravagâncias da moda” e era gíria para uma mulher lésbica. Quem quiser saber mais sobre o conto, pode procurar meu livro [momento propaganda...].
Infeliz quem ainda insiste em ser "homem" demais ou "mulher" demais [os dois bem cobertos de aspas], mas cada um faz o que quer da sua vida. Mais infeliz ainda quem não reconhece a necessidade de respeitar as escolhas, a autonomia dos outros, o direito dos outros de ser quem eles quiserem ser do jeito que eles querem ser e não sabe que há que mudar muitomuitomuitomuito para poder libertar de verdade as pessoas que querem ser livres de outros jeitos. Agora triste mesmo é achar que homem só por ser homem não tem motivo para querer mudar muitomuitomuitomuito. Quem quer ser Lopes nessa vida? Me inclua bem fora disso.
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