Um dia eu fui a uma apresentação mais ou menos de rotina em Yale, alguém que ia falar de Favelas no Brasil, uma socióloga daqui dos Estados Unidos. No final quando se abriram as perguntas uma senhora incisiva apertou a tal socióloga quando trouxe à baila a questão da legalização das drogas e da criminalização dos habitantes da favela em geral que o tal combate às drogas trazia. Acabada a coisa toda fui falar com a senhora e encontrei pela primeira vez com Emilia Viotti da Costa, com quem tive o privilégio de conversar umas poucas vezes pela gentileza de um amigo em comum aqui na universidade que nos convidou para a sua casa umas três vezes. Quando estava preparando uma aula para apresentar o período da ditadura militar aos alunos estava buscando algo que mostrasse o impacto dos eventos históricos na cultura no seu sentido mais amplo e ao mesmo tempo mais íntimo. E não é que trombei com o depoimento de Emilia Viotti da Costa para a USP? Além dos trechos que abordavam as injustiças, arbitrariedades e oportunismos de que aqueles tristes anos estão cheios, descobri esses outros, igualmente interessantes. O depoimento está disponível na íntegra aqui.
“Quando
anunciei que precisaria um ajustamento do horário para amamentar, o professor
Oliveira França me fez um discurso dizendo que se eu pretendia ter filhos nunca
seria uma intelectual. Furiosa, disse a ele que, se pretendia cercear minha
vida pessoal, eu preferia me demitir. Foi o que fiz.”
[…]
“O
meu primeiro contato com Yale foi surpreendente. Eu era, na ocasião, a única
mulher no Departamento de História. Uma vez por semana os professors do
departamento reuniam-se para o almoço. Servia-se um cherry antes da refeição.
Tudo muito elegante, mas quando eu me aproximava de um grupo de homens que
conversavam animadamente todos se calavam. Vencendo o embaraço, um colega
polidamente me perguntava: e como vão seus filhos, como
estão
as coisas em Buenos Aires? Esse era o fim da conversa. Com exceção desse almoço
semanal, no departamento ninguém conversava com ninguém. As portas dos
escritórios estavam sempre fechadas. Eu estranhava o isolamento e a falta de
comunicação entre as pessoas. A ausência de interesse político espantava-me
ainda mais. Coisas importantes ocorriam no país e no mundo e no dia seguinte
ninguém comentava. Watergate, o impeachment do presidente Nixon, a
eleição
de Jimmy Carter, o resgate dos norte-americanos presos no Irã, a invasão de
Granada pelas tropas americanas, o bombardeio da Líbia, a revolução da
Nicarágua, as denúncias de participação da CIA na queda de Allende, todos esses
fatos e muitos outros se sucederam sem que provocassem comentários no meu
departamento. Até os dias de eleição no país eram dias normais. Todos estavam
voltados para o seu próprio trabalho. Acabei me acostumando. Hoje o
departamento mudou em vários aspectos. Se bem que sejam ainda uma minoria, há
mais mulheres no corpo docente. Há maior comunicação entre as pessoas.
Conversa-se mais. Mas ainda se evitam assuntos controvertidos que possam
ameaçar o consenso. A política continua tema proscrito.”
[…]
“Talvez
fosse melhor se nos preocupássemos mais em rever a imagem que temos dos Estados
Unidos e a que temos de nós mesmos.”
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