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Os enigmas que Sor Juana escreveu para as freiras da Assembléia da Casa do Prazer

Juana Inés de la Cruz retratada aos
15 anos, já com um livro em punho. 
A freira mexicana Sor [Irmã] Juana Inés de la Cruz tem para a literatura colonial em espanhol a mesma estatura do Padre Vieira na literatura colonial em português. Preconceitos e ignorâncias linguísticas fazem com que aqueles que tecem loas a Sor Juana  praticamente desconheçam o Padre Vieira e vice-versa. Entre os dois não era bem assim: Sor Juana se meteu numa enrascada quando se publicou a sua ousada carta/resposta conhecida como Carta Atenagórica em que fazia uma crítica desabusada a um dos sermões do mandato do Padre Vieira [este aqui], quando o brasileiro era um verdadeiro superstar dos púlpitos da contra-reforma.

A ligação de Sor Juana com o mundo do português não acaba aí. No final dos anos 60 descobriram em Lisboa uma série de 20 quadras construídas como enigmas sobre o mesmo tema [o amor] que Sor Juana escreveu para um grupo de freiras literatas chamado nada mais nada menos que Assembléia da Casa do Prazer

Não vou incluir aqui os versos da dedicatória nem o soneto que Sor Juana fez para prólogo dos enigmas - vocês podem ler o texto completo aqui. Deixo apenas os enigmas, lamentando que seus editores, entre eles o grande especialista Antonio Alatorre, tenham "depurado" o texto "de los muchos lusitanismos que presentaba":
Antonio Vieira encarnado por Lima Duarte
para filme de Manoel Oliveira. Fico imaginando
assim a cara dele se tivesse lido os enigmas.

1

¿Cuál es aquella homicida
que, piadosamente ingrata,
siempre en cuanto vive, mata,
y muere cuando da vida?


2

¿Cuál será aquella aflicción
que, con igual tiranía,
es callarla cobardía,
decirla desatención ?


3

¿Cuál puede ser el dolor
de efecto tan desigual;
que, siendo en sí el mayor mal,
remedia otro mal mayor?


4

¿Cuál es la sirena atroz
que en dulces ecos veloces
muestra el seguro en sus voces,
guarda el peligro en su voz?


5

¿Cuál puede ser el cuidado
que, libremente imperioso,
se hace a símismo dichoso
y a sí mismo desdichado?


6

¿Cuál es aquella deidad
que con tan ciega ambición,
cautivando la razón,
toda se hace libertad?


7

¿ Cuál será aquella pasión
que no merece piedad,
peligra en necedad
por ser toda obstinación?


8

¿Cuál puede ser el intento
que, con hipócrita acción,
por sendas de recreación,
va caminando al tormen to?


9

¿Cuál será la idolatría
de tan alta potestad
que hace el ruego indignidad,
la esperanza grosería?


10

¿Cuál será aquella expresión
que cuando el dolor provoca,
antes de voz en la boca,
hace eco en el corazón?


11

¿Cuáles serán los despojos
que, al sentir algún despecho,
siendo tormen ta en el pecho,
es desahogo en los ojos?


12

¿Cuál puede ser el favor
que, por oculta virtud
si se logra es inquietud,
y si se espera es temor?


13

¿Cuál es la temeridad
de tan alta presunción
que, pudiendo ser razón,
pretende ser necedad?


14

¿Cuál el dolor puede ser
que en repetido llorar
es su remedio cegal;
siendo su achaque no ver?


15

¿Cuál es aquella atención
que con humilde denuedo,
defendido con el miedo
da esfuerzos a la razón?


16

¿Cuál es aquel arrebol
de jurisdicción tan bella
que, inclinando como estrella,
desalumbra como sol?



17

¿Cuál es aquel atrevido
que, indecentemen te osado,
fuera respeto callado,
y es agravio proferido?


18

¿Cuál podrá ser el portento
de tan noble calidad
que es con ojos ceguedad
y sin vista entendimiento?


19

¿Cuál es aquella deidad
que, con medrosa quietud,
no conserva la virtud
sin favor de la maldad?


20

¿Cuál es el desasosiego
que, traidoramen te aleve,
siendo su origen la nieve
es su descendencia el fuego?

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