"Quando minha prima e eu descemos do táxi, já era quase noite. Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima.
-- É sinistro.
Ela me impeliu na direção da porta. Tínhamos outra escolha? Nenhuma pensão nas redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes com liberdade de usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refeições ligeiras com a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, cheirando a creolina.
-- Pelo menos não vi sinal de barata -- disse minha prima.
A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho. "
Adoro os contos de Lygia Fagundes Telles e esse "As Formigas" entrou na minha vida meio que pela porta de trás. Eu dou muitas aulas em inglês e aí a seleção dos textos segue um critério "novo" com o qual custei a me acostumar: seu poema preferido pode ser o X, mas se só há uma tradução decente de Y, Y entra na aula e X fica de fora. Depois de dar aula desse conto duas vezes gosto cada vez mais dele. Só para dar uma idéia do quão doido eu sou, leio esse conto com um "cuentito" tirada das Historias de las Indias sobre uma praga de formigas no Caribe no século XVI...
Comments