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Gonçalves Dias, pensando o Brasil através da poesia

Caderno meu
Todo mundo conhece a canção do exílio, reescrita como paródia tantas vezes no século XX. Mas não se conhece o melhor de Gonçalves Dias. No longo texto "Meditação", Gonçalves Dias segue [e acho que supera] o Lamennais de "Confissões de um crente". É o melhor texto brasileiro da primeira metade do século XIX que eu li até hoje. Prosa poética romântica da melhor qualidade, porque Gonçalves Dias dominava o português como poucos até hoje. Ele supera portanto Lamennais; mas o faz na forma, não no conteúdo. Lamennais articula no seu livro um cristianismo radicalmente democrático quando diz coisas como:

"O que não ama seu irmão é sete vezes maldito, e o que se faz inimigo de seu irmão é maldito setenta vezes sete vezes. É isto porque os reis, os príncipes e todos aqueles que o mundo chama grandes foram malditos: não amaram seus irmãos, e os trataram como inimigos."

Gonçalves Dias não chega a condenar todos os príncipes e "grandes" do mundo por tratarem os seus irmãos como inimigos. Mas tem uma visão bastante dura do período colonial. Os portugueses saem assim:

"Eram homens sordidamente cobiçosos, que procuravam um pouco de oiro, pregando a religião de Christo com armas ensangüentadas.

[…]

Eram homens que pregavam a igualdade tractando os indígenas como escravos—envilecendo-os com a escravidão, e açoitando-os com varas de ferro."

E depois de palavras contundentes de admiração pelos povos indígenas [basta ler o que gente como José Bonifácio escrevia sobre os índios para se ter uma ideia do contraste radical]. Gonçalves Dias nos dá uma descrição da colonização como massacre prolongado por todo o terrritório:

"Começou então a lula porfiada, que de Porto-Seguro lavrou até á margem esquerda do Prata—e d'ali correu às margens do Amazonas com a rapidez do ar empestado.

Ouvia-se de instante a instante o som profundo, cavernoso e agonisante de uma raça que desaparecia de sobre a face da terra.

E era horrível e pavoroso esse bradar do desespero como seria o de milhões de indivíduos que ao mesmo tempo se afundassem no oceano.

E cadáveres infindos, expostos á inclemência do tempo e á profanação dos homens, serviam de pasto aos animais imundos."




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