"O sujeito que o recrutara por um salário mínimo lhe dissera que ele ainda tinha sorte, pois o desemprego grassava no país. Era um sujeito que gostava de usar verbos desse tipo, de dicionário, que lhe pareciam conceder dignidade e pompa às suas palavras, embora ele não chegasse a materializar em sua mente tais substantivos abstratos. Autoridade e importância, sim, eram prerrogativas das quais ele se revestia em seu cargo, ele ali sentado com a gravata e a palavra, enquanto que os homens que desfilavam à sua frente permaneciam de pé e mudos, a não ser por certas respostas quase monossilábicas como "sim senhor", ou "não senhor" quando se tratava de vícios como a cachaça. Se audiência fosse um pouco mais qualificada, ele discorreria também um pouco mais sobre os problemas do país, que provinham do atraso do povo, a desonestidade e incompetência dos políticos, agravadas pelo gigantismo do estado. Na intimidade do lar, ele apontava ainda causas como as condições climáticas, uma colonização de degredados e a mistura de raças. Ele era um homem da iniciativa privada numa posição de comando intermediário, embora achasse que ganhava pouco, o que era amenizado pela perspectiva de subir alguns degraus, desde que fosse perseverante e duro até o ponto da inflexibilidade."
Trecho de "Um discurso sobre o método" de Sérgio Sant'anna, onde ele descreve com precisão e brevidade um homem comum que foi o gérmen do homem comum que elegeu o atual presidente da república do Brasil
"O Brasil é um filme de terror."
Último post do perfil de Sérgio Sant'anna no FCBK
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