Skip to main content

Obituário: Little Richard



Nos meio dos anos 50 ele era claramente, obviamente gay na sua performance. O topete Madame Pompadour, a maquiagem, as roupas, os gritos agudos. E era um negro da Georgia, criado num humilde cortiço, trabalhando como lavador de pratos, nos anos 50. E tocava uma música "selvagem": gritada, repetitiva, sensual, obsessiva, rápida. Primeiro, em 1956, vieram "Tutti Frutti" e depois "Long Tall Sally"; depois veio "Lucille" em 1957 e "Good Molly Miss Molly" em 1958. Naquele domínio total do puritanismo classe média, Little Richard rebolava, revirava os olhinhos, fazia caras e bocas, tocava piano com violência - Jerry Lee Lewis era muito superior no mesmo estilo de música. As letras às vezes eram poemas non-sense e não tinham importância pelo "conteúdo": no breque de Tutti Frutti, o que era: "a wop bob alu bob a wop bam boom"? Era o veículo para uma voz que era pura alegria sexual despudorada e livre.

Claro que, numa sociedade segregada e racista, ainda iriam esperar por um Elvis Presley para fazer aquela música estourar de verdade. Nenhuma delas chegou ao topo da parada. Simultaneamente, Pat Boone fazia versões [aguadas] das mesmíssimas canções e chegava ao topo da parada - qualquer semelhança com a dinâmica racial da "Axé Music" não é mera coincidência.

E aí, no final dos anos 50, Little Richard abandonou tudo e foi para um seminário virar pastor! E pela vida afora ele iria e voltaria entre o roque e o gospel. Desde que foi expulso de casa pelo pai [adivinhem porque motivo...] E alternaria entre entrevistas em que se dizia gay ou "omnisexual" e entrevistas em que chamava o homossexualismo de um horror "contagioso" e uma ofensa a Deus.

Mas os Beatles, os Rolling Stones, Bob Dylan, Elton John e outros da mesma geração tocavam Little Richard nas suas respectivas garagens e shows de espelunca - há versões deles para todas elas. E sem Ricardinho na música americana não haveria James Brown e não haveria Prince. Os Beatles ainda adolescentes abriam os concertos de Little Richard em Hamburgo! Aqui uma canção deles que é claramente calcada em Little Richard:



Jimi Hendrix na banda de Little Richard
E o sucesso dessa geração trouxe Little Richard de volta, pela primeira vez em 1964, com um rapazinho chamado Jimi Hendrix na guitarra [com quem ele teve atritos porque Hendrix era "aparecido demais"]. De volta à música "profana" [e põe profana nisso!]. Abaixo em 1973, vemos Little Richard no que eu acho que seu auge, proclamando-se "rei do roquenrrol" para uma platéia completamente entregue:

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na