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Perplexidade

Otimistas e pessimistas, informo-lhes que pertenço a um minoritário, o grupo dos perplexos. Mas digam-me aí, o que vou dizer para os que já perderam alguém para a pandemia? Tenho uma conversa assim marcada para amanhã. Parentes muito queridos que perderam um pai, um avô.

E talvez alguém possa aproveitar e tentar me fazer entender outras coisas. Faz mesmo alguma diferença se os mortos eram contra ou a favor do confinamento? Alguém pode me explicar como tanta gente pode atribuir intenções políticas a um vírus? E pior até, como se pode falar tanto em conspirações que envolvem milhões de pessoas nos quatro cantos do planeta?

Minha perplexidade só aumenta com o passar dos dias. Quer dizer que agora usar máscara no rosto ou lavar as mãos quando chega em casa passou a ser um gesto político? Um gesto até mesmo provocativo? Faz um mês que o governo dos EUA (o país mais rico do mundo) anunciou uma parceria pomposa com grandes gigantescas cadeias de comércio para criar centros de testes. Uma dessas empresas, a Target, até agora abriu UM centro! Como não estar perplexo?

E como assistir a uma reunião de ministério pior do que uma reunião de torcida organizada e não ficar perplexo? "Ah, eu já sabia que seria isso mesmo!" Dizem uns. "O que é que tem falar muito palavrão?" Perguntam retoricamente outros, como se minha perplexidade fosse um hipocrisia pudica. E a minha perplexidade se dirige ao fato de que, ainda assim, a pesar de tudo, um em cada cinco ou seis brasileiros ainda apoiam, mesmo com esse desastre, o governo do "e daí?" Alguns balbuciam, "mas, e o Petê?" ou "ele não é o único a dizer besteiras." Mais de 500 mortos por dia e a sua resposta é essa?

E deixe-me explicar que quando falo de perplexidade não falo de surpresa. Por exemplo, que algumas pessoas aqui nos EUA pensem que mesmo assim está tudo bem, não me surpreende. Mas isso não significa que eu não possa continuar perplexo. Já me espantava a capacidade de um país de manter-se em guerra durante 19 ANOS e trilhões de dólares gastos sem obter nada com isso e mesmo assim muita gente achar que continua tudo bem. Parece que os aspectos mais absurdos do 1984 de George Orwell viraram o novo normal. O livro era uma sátira, não era uma profecia!

Daí a minha perplexidade, me desculpem a franqueza. Pode parecer inocência ou hipocrisia, mas não é. Mantenho os olhos bem abertos. Continuo tentando me informar e continuo refletindo. Talvez daqui há uma década alguém consiga dar um formato narrativo coerente a tudo isso. Agora, no presente, está difícil.

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