Skip to main content

Posts

Showing posts from April, 2017

Obituário: Belchior

O cearense Belchior já tinha 29 anos quando finalmente estourou com o álbum Alucinação em 1976. No começo daquele ano a consagradíssima Elis Regina já tinha dado um certo impulso ao compositor gravando duas versões fantásticas para músicas dele ["Como nossos pais" e "Velha Roupa Colorida"] no disco Falso Brilhante . O Brasil atual produz cantores genéticos a granel e o contraste não podia ser mais forte, pois Belchior não podia ser confundido com ninguém: A voz anasalada inconfundível e um maneira de encaixar letra na música que deve um bocado a Bob Dylan, particularmente a aquele Dylan mesmo daquela época dos anos 70, que flertava com a música Country daquela época bem à sua maneira, o faziam único. Não se trata, como às vezes se diz por aí, de versos que não rimam, mas de versos que, rimando, esticam ou encolhem a métrica o tempo todo - na base de "o verso só acaba quando eu rimar".  Alucinação  era um disco de canções com longas letras escritas na prim

Quatro proposições sobre o mais célebre casal

Desenho meu: Auto-Retrato Quatro proposições sobre o mais célebre casal A ansiedade espreme e acelera até que o corpo explode: é o maquinário batendo pino. A depressão refreia e sufoca até que o corpo implode: é o maquinário fundindo motor. A ansiedade é uma espiral centrífuga apontando para cima e se sente no corpo como a pressão de um buraco negro ao contrário. A depressão é uma espiral centrífuga apontando para baixo e o corpo a sente como a imersão num nada opaco e viscoso. A ansiedade é uma contingência que ara o corpo no qual a depressão semeia a sua morte em vida. A ansiedade é uma substância que derruba o tronco onde o cogumelo frio da depressão viceja. A duas expressam e se alimentam da pressão constante, dentro e fora, da razão surda da produção e da emoção cega do consumo e das duas moléstias da propriedade, a ânsia de ganhar e o medo de perder.

Seder, Páscoa, Primavera, Equinócio

Brotos trancados no inverno, esperando a morte passar Aqui no hemisfério norte, em latitudes mais temperadas, o sol fraquinho do inverno "morreu" justinho dentro do cruzeiro do sul e "renasceu" agora forte e semi-tropical.  A natureza responde esplendorosamente à altura: em poucos dias os brotinhos das árvores peladas, que passaram meses e meses esperando o frio passar, se abrem verdinhos. O chão duro e seco do inverno se descongela de todo finalmente e da terra úmida brotam feito um milagre um monte de plantas que tinham aparentemente "morrido" no final do outono, mas que na verdade hibernavam subterrâneas durante o longo inverno de quase seis meses. Tulipas são as primeiras a sair da terra. Antes da chegada do verão já estarão "mortas" debaixo da terra outra vez. Os quase dez anos que vivi nessas alturas me ensinaram a observar a natureza e a aproveitar momentos como esse que marcam a possibilidade de passar longas horas no j

Música: do Belo Horror em volta de uma privada às Asas de sorvete

Dois mineiros, um pernambucano e um carioca com fortes raízes cariocas, todos muito jovens, se reuniram no Rio de Janeiro em 1973 para gravar um disco que quase não foi divulgado e era impossível de se encontrar antes da era digital/internética. Sem apoio da gravadora para fazer quatro discos separados, a ideia era juntar forças num disco dividido em quatro. Aí nesse disco mal-conhecido gravou-se a primeira versão de "Manuel, o audaz" de Toninho Horta e Fernando Brant e "Ponta Negra" de Danilo Caymmi e João Carlos Pádua. Uma das minhas favoritas nesse álbum é "Belo Horror" do lote de Beto Guedes. Na faixa fica claro que Beto Guedes e amigos andavam ouvindo os primeiros discos do Genesis e Yes, mas a coisa não fica no pastiche por causa da letra do Márcio Borges, que contrapõe Montes Claros [cidade natal do Beto e uma das cidades principais de uma região culturalmente riquíssima e financeiramente paupérrima] e a fatídica Belo Horizonte para onde iam pad