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Showing posts from May, 2020

Recomendações

Vou puxar por um lado que suponho ninguém mais vai. 15 filmes muito bons. 2 do Chile e o resto de Argentina ou México. Aí vai: 1. La danza de la realidad [Alejandro Jodorowsky], 2. Crónica de una fuga [Adrián Caetano], 3. Leonera [Pablo Trapero], 4. Garage Olimpo [Marco Becchis], 5. El ciudadano ilustre [Gastón Duprat & Mariano Cohn], 6. Mi obra maestra [Gastón Duprat], 7. La Ciénaga [Lucrecia Martel], 8. Roma [Alfonso Cuáron], 9. Biutiful [Alejandro Iñárritu], 10. En el hoyo [Juan Carlos Rulfo], 11. La camarista [Lila Avilés], 12. El aura [Fabián Bielinsky], 13. El abrazo partido [Daniel Burman], 14. Machuca [Andrés Wood], 15. Luz silenciosa [Carlos Reygadas].

Obituário: José María Galante

O corona matou José María Galante, um símbolo da resistência ao franquismo e da tentativa (fracassada) de levar aos tribunais os carrascos e torturadores daquele regime fascista que sufocou a Espanho até os anos 70. Galante nunca aceitou a anistia de 1977 na Espanha, semelhante em certos aspectos a que o governo militar baixou na mesma época no Brasil. Seu torturador, Antonio González Pacheco morreu em maio também, ironicamente também por causa do Corona, mas morreu ainda com suas condecorações e sua gorda pensão de aposentadoria. José María Galante perdeu outras batalhas: não queria a Espanha na OTAN nem bases americanas no seu país.

Gonçalves Dias, pensando o Brasil através da poesia

Caderno meu Todo mundo conhece a canção do exílio, reescrita como paródia tantas vezes no século XX. Mas não se conhece o melhor de Gonçalves Dias. No longo texto "Meditação", Gonçalves Dias segue [e acho que supera] o Lamennais de "Confissões de um crente". É o melhor texto brasileiro da primeira metade do século XIX que eu li até hoje. Prosa poética romântica da melhor qualidade, porque Gonçalves Dias dominava o português como poucos até hoje. Ele supera portanto Lamennais; mas o faz na forma, não no conteúdo. Lamennais articula no seu livro um cristianismo radicalmente democrático quando diz coisas como: "O que não ama seu irmão é sete vezes maldito, e o que se faz inimigo de seu irmão é maldito setenta vezes sete vezes. É isto porque os reis, os príncipes e todos aqueles que o mundo chama grandes foram malditos: não amaram seus irmãos, e os trataram como inimigos." Gonçalves Dias não chega a condenar todos os príncipes e "grandes" do

Gonçalves Dias, patrono dos letristas da MPB

A caricatura Na caricatura, como em outras imagens, Gonçalves Dias parece um romântico francês. Observem a diferença com relação à foto abaixo. Não preciso nem comentar mais, né? Quem conhece as letras de grandes canções de Pixinguinha, Cartola ou Nelson do Cavaquinho, às vezes se deixa enganar por quem diz que eram parnasianas. Isso demonstra desconhecimento do poesia parnasiana. O primeiro grande poeta musical do Brasil é Gonçalves Dias. Não conto aqui com Domingos Caldas Barbosa, porque este era mais que tudo letrista mesmo. E indico a sua precedência com relação a Castro Alves, que era muita vezes mais bombástico, mas, nos seus momentos mais líricos, também era um grande "letrista". Várias estrofes de Gonçalves Dias me parecem muito adequadas para a música brasileira do século XX. Fico, na brevidade daqui, com apenas dois exemplos. O homem era fera musical em dois metros fundamentais para o português. Os decassílabos, um pouco mais lentos e introspectivos: Simp

Diário da quarentena no fim de Minas II

Eu estava numa vídeo-chamada com um primo querido de Belo Horizonte. Falávamos de arte, de oportunidades para a arte. Verdade seja dita, meus sentimentos estão em câmera lenta. A palavra arte está batendo numa parte de mim que amortece o impacto. Penso sem querer pensar: para que serve a arte em um mundo sem futuro? Para distração de isolados e desesperados? Então não é arte, é entretenimento. Mas haverá outro mundo depois desse que se esvai? Haverá arte? Entro numa vídeo-conferência, uma reunião de trabalho. Sou sempre a pessoa que escreve as atas e não será diferente dessa vez. Vejo o rosto da minha chefe e tento escutar o que ela está dizendo. De repente, quando dou por mim, percebo que estou numa vídeo-conferência. Vejo o rosto da minha chefe e tento escutar o que ela está dizendo. De repente, quando dou por mim, percebo que estou em uma vídeo conferência. Vejo o rosto da minha chefe e tudo em volta parece rodar. Onde está minha atenção? Sumiu de novo. E voltou. E sumiu. E voltou.

Perplexidade

Otimistas e pessimistas, informo-lhes que pertenço a um minoritário, o grupo dos perplexos. Mas digam-me aí, o que vou dizer para os que já perderam alguém para a pandemia? Tenho uma conversa assim marcada para amanhã. Parentes muito queridos que perderam um pai, um avô. E talvez alguém possa aproveitar e tentar me fazer entender outras coisas. Faz mesmo alguma diferença se os mortos eram contra ou a favor do confinamento? Alguém pode me explicar como tanta gente pode atribuir intenções políticas a um vírus? E pior até, como se pode falar tanto em conspirações que envolvem milhões de pessoas nos quatro cantos do planeta? Minha perplexidade só aumenta com o passar dos dias. Quer dizer que agora usar máscara no rosto ou lavar as mãos quando chega em casa passou a ser um gesto político? Um gesto até mesmo provocativo? Faz um mês que o governo dos EUA (o país mais rico do mundo) anunciou uma parceria pomposa com grandes gigantescas cadeias de comércio para criar centros de testes. Um

Soneto VIII - A uma senhora natural do Rio de Janeiro de Basílio da Gama

Foto minha: Cemitério em Ouro Preto

Saudades da Pedra

Foto minha: Brumadinho O soneto é de Cláudio Manoel da Costa: Destes penhascos fez a natureza O berço, em que nasci! oh quem cuidara, Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigre por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano: Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura.

Diário da quarentena no fim de Minas Parte I

Há tanto silêncio quanto barulho aqui. Cinco horas da tarde, faça chuva ou faça sol, seja feriado, domingo ou segunda, as vacas caminham pelas ruas mugindo baixinho em direção ao estábulo que fica no outro quarteirão. Minha cadelinha entra em desespero e começa a latir. Se alguém tiver esquecido o portão de casa aberto, ela foge e avança nas vaquinhas que respondem com coices que nunca acertam o alvo. Dia desses fui tentar pegá-la e quase levei chifrada. No terreno vizinho existe uma pequena matinha que o proprietário tentou arrancar. Ele não usou motosserra na tentativa, não. Ele usou calcário e bodes. Foi multado, mas não pagou e talvez nunca pague. O calcário sumiu. A mata está  verde. Os bodes ainda estão lá. E como berram! Há uma estradinha rural ao término da rua. Vejo carros passarem. Placas do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, de São Paulo e Brasília. Ao que tudo indica, as pessoas já estão fugindo para os montes. E trazem consigo um vírus bárbaro invisível. Já são três mor

Obituário: Sérgio Sant'anna

"O sujeito que o recrutara por um salário mínimo lhe dissera que ele ainda tinha sorte, pois o desemprego grassava no país. Era um sujeito que gostava de usar verbos desse tipo, de dicionário, que lhe pareciam conceder dignidade e pompa às suas palavras, embora ele não chegasse a materializar em sua mente tais substantivos abstratos. Autoridade e importância, sim, eram prerrogativas das quais ele se revestia em seu cargo, ele ali sentado com a gravata e a palavra, enquanto que os homens que desfilavam à sua frente permaneciam de pé e mudos, a não ser por certas respostas quase monossilábicas como "sim senhor", ou "não senhor" quando se tratava de vícios como a cachaça. Se audiência fosse um pouco mais qualificada, ele discorreria também um pouco mais sobre os problemas do país, que provinham do atraso do povo, a desonestidade e incompetência dos políticos, agravadas pelo gigantismo do estado. Na intimidade do lar, ele apontava ainda causas como as condições

Obituário: Little Richard

Nos meio dos anos 50 ele era claramente, obviamente gay na sua performance. O topete Madame Pompadour, a maquiagem, as roupas, os gritos agudos. E era um negro da Georgia, criado num humilde cortiço, trabalhando como lavador de pratos, nos anos 50. E tocava uma música "selvagem": gritada, repetitiva, sensual, obsessiva, rápida. Primeiro, em 1956, vieram "Tutti Frutti" e depois "Long Tall Sally"; depois veio "Lucille" em 1957 e "Good Molly Miss Molly" em 1958.   Naquele domínio total do puritanismo classe média, Little Richard rebolava, revirava os olhinhos, fazia caras e bocas, tocava piano com violência - Jerry Lee Lewis era muito superior no mesmo estilo de música. As letras às vezes eram poemas non-sense e não tinham importância pelo "conteúdo": no breque de Tutti Frutti, o que era: "a wop bob alu bob a wop bam boom"? Era o veículo para uma voz que era pura alegria sexual despudorada e livre. Claro que, numa s

Música de Quarentena: "Invasion" de Macka B

Invasion Macka B "Look here old chap it's us who gave you civilization!" Invasion! If a man in your house told you to come out And told you to live in the garden If it happened to you tell me what would you do Wouldn't you fight and fight and fight them? Those old old Europeans, they had a lot of men. They went over to other peoples' land To conquer was their intention. Those old old Europeans, they had a lot of men. They went over to America to conquer the red Indians. Well, I don't know about you, but I tell you what I do When I am looking at a western. When I'm watching the telly, I'd don't really see The red Indians as the real bad man. They had a lot to give, because they did not want to live In a little old dirty reservation. Cause they didn't care cause they were just there Defending their own homeland. Europeans come not 1 by 1 but in their tens and thousands With the intention of taking all the best land

Coronga Blues: tolerância ou rigor?

Desenho meu 1. Postei há muito tempo atrás sobre uma polêmica envolvendo pai e filho, Increase and Cotton Mather, ambos professores e pastores, no tempo dos julgamentos das "bruxas" de Salem. Os dois eram igualmente contra as bruxas, mas o pai, Increase Mather, dizia que preferia deixar escapar uma bruxa ou outra a matar uma inocente e seu filho dizia que valia a pena arriscar a morte de um inocente desde que nos livrássemos para sempre das bruxas. 2. Esse confronto retórico é recorrente: arriscar-se a ser leniente ou arriscar-se a ser severo demais? Tolerar a existência daquilo que você combate em nome da justiça? Ou agir com máximo rigor contra o inimigo para finalmente destruí-lo? Seria melhor arriscar-se a prender alguns inocentes ou arriscar-se soltar alguns culpados? 3. Diga-se de passagem que o confronto das ideias [e das palavras] apresentado em 1 e 2 tem a beleza de uma coluna Barroca. Pai contra filho, leniência contra severidade, tolerância contra rigor, am
Quando chega o inverno e a comida rareia, os corvos passam a viver em grandes bandos, que se reúnem assim, em qualquer lugar para "conversar" em congresso.   1. A gente sonha com uma vacina, mas aí se lembra: o HIV começou a matar gente há quase quarenta anos. Até agora nada. Mesmo porque a indústria farmacêutica não é muito fã de vacinas. Ela prefere que você primeiro fique doente para depois vender uma penca de tratamentos, possivelmente por um período de tempo bem maior. 2. Sobram as universidades. Sejam públicas ou privadas, se o dinheiro da pesquisa vem da indústria farmacêutica, as mesmas prioridades problemáticas de 1 se repetem. Os governos estaduais aqui nos EUA cada vez dão menos dinheiro às suas universidades, e cada vez mais indicam às universidades que se virem com financiamento externo ou federal. 3. As universidades, para fazer esse tipo de pesquisa, teriam então que ser financiadas por dinheiro público, do governo. E esse dinheiro teria que vir, é clar

Obituário: Aldir Blanc

Em tempos de coronga, a ocupação principal aqui neste meu canto é escrever obituários. Uma letra de Aldir Blanc que eu adoro é essa aqui: Incompatibilidade de gênios Doutor, jogava o Flamengo, eu queria escutar; chegou, mudou de estação, começou a cantar. Tem mais: um cisco no olho, ela em vez de assoprar Sem dó, falou que por ela eu podia cegar. Se eu dou um pulo, um pulinho, um instantinho no bar, bastou: durante dez noites me faz jejuar. Levou as minhas cuecas pro bruxo rezar. Coou meu café na calça pra me segurar. Se eu estou devendo dinheiro e vem um me cobrar Doutor, a peste abre a porta e ainda manda sentar. Depois, se eu mudo de emprego que é pra melhorar, vê só, convida a mãe dela pra ir morar lá. Doutor, se eu peço feijão ela deixa salgar. Calor, mas veste casaco pra me atazanar. E ontem sonhando comigo mandou eu jogar. No burro e deu na cabeça a centena e o milhar. Ai, quero me separar