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Showing posts from July, 2016

I don't. I don't! I don't hate it! I don't hate it!"

Uma passagem marcante de Absalom, Absalom! hoje em dia me marca de um outro jeito, diferente de antes. É o seguinte diálogo, entre o colega canadense Shreve Cannon e Quentin Compson, num quarto gelado da Universidade de Harvard: Sol no Assoalho ou The Iron New England Light, 2006 "Tell about the South," said Shreve McCannon. "What do they do there? How do they live there? Why do they?…Tell me one more thing. Why do you hate the South?" "I don't hate it," Quentin said, quickly, at once, immediately; "I don't hate it," he said. "I don't hate it he thought, panting in the cold air, the iron New England dark: I don't. I don't! I don't hate it! I don't hate it!"  Ela me marca diferente hoje porque é o que eu sinto hoje a respeito de um país que, num lance de amarga ironia, é parte integrante do meu trabalho e um fantasma inexoravelmente mais apagado ano após ano. É o que sinto porque todas discuss

Traduções: Prazer e desconforto

Recentemente tive o privilégio de trabalhar na tradução para o inglês de um velho poema chamado “Dialego entre hu pastor e hu Irmitaõ" parte do memorial de Pero Roiz Soares escrito na virada entre os séculos XVI e XVII entre 1565 e 1628.    De um lado a sensação prazeirosa de ler bem de perto um texto de uma época em que gramáticas, dicionários, academias e escolas ainda não tinham engessado o português nem traçado fronteiras e controles de aduana entre português e espanhol. Saudades de uma liberdade que entre reformas e tratados ortográficos eu nunca tive.  Do outro lado o desgosto de constatar o quão antigo e articulado já era o anti-semitismo europeu, e reconhecer aquela retórica venenosa misturando preconceitos religiosos e étnicos num apelo populista contra as elites vendidas que trairam o povo cristão com um indulto aos judeus. 

Reflexões de um imigrante legal nos Estados Unidos em 2016

A verdade é que no bi-partidarismo toda eleição já é segundo turno e muitas vezes nos toca a votar no que parece o menos pior. Mas mesmo quando os candidatos são extremamente parecidos, eles são diferentes em muitas coisas importantes. E nesse caso nem é preciso ser muito sutil para ver as imensas diferenças entre os dois candidatos. E também é verdade que costuma ganhar quem consegue animar a gente a descolar o traseiro da poltrona e ir, muitas vezes num dia de semana de trabalho normal, se plantar por horas numa fila imensa para deixar o seu voto. Dependendo do seu patrão, só vota quem pode perder um dia de trabalho. E também é verdade que ganha a eleição quem mobiliza mais gente para votar nos estados onde o resultado pode ir para um lado ou para o outro. Esses não são necessariamente os estados mais populosos, embora também não sejam, em geral, estados com população muito pequena. Traduzindo para uma situação brasileira, seriam estados como Mato Grosso, Paraná, Espírito Santo,

Claudia Rankine, Serena Williams e a poesia que rompe a bolha e chega ao público além dos círculos de poesia nos Estados Unidos

Claudia Rankine escreveu de forma brilhante sobre Serena Williams no seu livro Citizen , livro de poesia incrivelmente bem sucedido para os padrões do século XXI. Aqui ela fala um pouco sobre o que interessa a ela no caso da tenista: Aqui ela lê trechos do seu livro e comenta de forma muito interessante sobre o uso de ilustrações no livro. A partir do 14o minuto [mais ou menos] ela lê e comenta um dos trechos sobre Serena e a irmã Venus Williams: A própria Serena Williams recentemente recitou um poema famoso de Maya Angelou em Winbledon:

Notas para livros impossíveis: sobre encontros fortuitos na biblioteca

Erwin Panofsky [1892-1968] Pelo menos uma vez por semana levo meus filhos para a biblioteca pública da cidade onde vivo. Segunda-feira, enquanto minha menina joga com uma amiga no clube de xadrez e meu filho faz as coisas dele no segundo andar. onde fica a seção infantil, eu gosto de descer e catar a esmo um ou dois livros que me pareçam interessantes. Desta vez trombei com uma pequena jóia do historiador Erwin Panofsky, uma reflexão retrospectiva sobre 3 décadas de contato com o meio acadêmico nos Estados Unidos. Transcrevo aqui oito trechos curtinhos desse encontro fortuito com uma velha figura dos maus tempos de recalcitrante estudante de arquitetura há mais de 20 anos atrás. 1. Panofsky contrasta curadores e bibliotecários nos Estados Unidos "que se consideram em primeiro lugar como orgãos de transmissão" com os europeus "que se enxergam como guardiões ou conservadores" dos tesouros que guardam em suas instituições. 2. Descreve o ideal da s

Porque NUNCA cito pesquisa de opinião sobre qualquer assunto

As pessoas adoram pesquisas de opinião, principalmente quando elas confirmam a opinião pessoal que elas têm sobre um determinado assunto. O jogo se repete de maneira, para mim, entediante: as mesmas pessoas fazem alarde sobre as pesquisas cujo resultado lhes interessam e uma semana depois questionam a validade das pesquisas cujo resultado não me agradam. Faz tempo que eu li um longo artigo sobre as pesquisas de opinião e decidi NUNCA MAIS citar pesquisas de opinião de qualquer tipo.  Pensem numa amostra de 1.000 pessoas que fosse representativa da população brasileira para fazer uma pesquisa de opinião, digamos, sobre a popularidade de um governante ou de um candidato a presidente. Começando pelo mais fácil, teríamos que encontrar 500 mulheres e 500 homens que respondessem à pergunta proposta. 790 dessas pessoas teriam que ganhar até 3 salários mínimos. Seriam divididos em 395 homens e 395 mulheres? Como as mulheres ganham menos que os homens, suponho que não. 150 viveriam no c

Ainda a primeira recepção de Grande Sertão Veredas

Joel Silveira se apresenta como o "amigo" [da onça], que "gosta muito" de Guimarães Rosa "mas"... e lá vai a marreta. Finalmente a enquete demolição traz uma lista da fina flor da literatura nacional "confirmando" que Grande Sertão Veredas é difícil demais e que isso é um defeito.

Sobre a primeira recepção de Grande Sertão: Veredas

A revista Leitura lançou em 1958 uma venenosa enquete com o título "Escritores que não conseguem ler "Grande Sertão Veredas". Destaco dela dois depoimentos: 

De tempos em tempos: Alton Sterling e "the guilty pallor of the white man"

--> No dia 12 de fevereiro de 1946, portanto há setenta anos, Isaac Woodard Jr., horas depois de deixar oficialmente o exército americano que ele servira durante a segunda guerra, ainda vestido com o seu uniforme, foi denunciado à polícia por um motorista de ônibus que discutira com Woodard por não querer permitir que ele fosse ao banheiro durante uma parada. Espancado brutalmente por um grupo de policiais e depois jogado numa cela de delegacia sem receber qualquer tratamento após ser atingido várias vezes nos olhos com socos e cassetetes, Woodard perdeu a visão permanentemente. No dia 28 de julho de 1946 Orson Welles se sentou na cabine do rádio para mais um episódio ao vivo do seu programa “Orson Welles Commentaries” e o tema era o que havia acontecido poucos meses antes com Woodard: Orson Welles era um mestre do rádio, tanto quanto do cinema ou do teatro. O seu programa acabou sendo cancelado logo depois desse programa e Orson Welles, mais uma vez, perdeu seu

Um fantasma de William Faulkner

Beth Grant fez o papel na adaptação de 2013 Três momentos inesquecíveis do capítulo narrado pela defunta Addie Bundren em As I Lay Dying [Enquanto Eu Agonizo] de Faulkner: 1. Sobre como ódio e frustração desembocam em violência física contra os filhos: "I would look forward to the times when they faulted, so I could whip them. When the switch fell I could feel it upon my flesh; when it welted and ridged it was my blood that ran, and I would think with each blow of the switch: Now you are aware of me! No I am something in your secret and selfish life, who have marked your blood with my own for ever and ever." 2. O pedido de casamento: Anse vem querendo pedir a mão de Addie Bundren em casamento e fala em falar com os pais dela: 'I aint' got no people. So that won't be no worry to you. I don't reckon you can say the same.' 'No. I have people. In Jefferson.' His face fell a little. 'Well, I got a little property. I'm forehanded;

Momento Pai Coruja - Um presente de Aniversário Muito Especial

Meu filho fez para minha mulher este presente de aniversário:

Lições da história de um esplêndido fracasso

Noel Polk Irritados com prosa difícil de Faulkner, os editores mexeram muito em Absalom, Absalom! , que é o único romance cuja versão “restaurada” por Noel Polk apresenta mudanças substanciais. Polk descreve o processo de edição:    Clifton Fadiman, autor da resenha “The editors of Absalom, Absalom! […] made massive alterations, deleting dozens of passages of sometimes 10 lines or more, altered punctuation to shorten some of his long sentences, and, for example, clarified deliberately ambiguous relative pronoun antecedents because, as they note in the margins, they couldn’t figure out what kinds of challenges Faulkner was presenting in the new novel. Since he preserved the typescript that the editors worked from, it was pretty easy to restore those cuts and make an Absalom more nearly what Faulkner wrote.” Pelo jeito a mão pesada dos editores não adiantou nada. A resenha da revista New Yorker (uma poderosa instituição nas letras gringas que nunca