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Showing posts from February, 2010

Poema meu: Oração

Oração Vamos pedir piedade Pois há um incêndio sob a chuva rala Eu não quero nada, eu não preciso de nada, não gosto nem desgosto de mais nada, não prefiro nada. Dia ou noite, sim ou não, tudo ou nada, tanto faz. Me odeie, me ame, me pise, me engane, me roube, me mate, esqueça de mim, chore por meu nome, cuspa no meu prato, conte a verdade, minta até os ossos. Nada me afeta, nada me comove, nada mais me fere, nada me alivia, nada me aborrece, nada me diverte, nada me atribula, nada me dá paz. Estou morto por dentro, estou livre. Não tenho mais raiva, não tenho mais medo. Matei todos os desejos em mim. Matei meus sonhos e meus pesadelos, a soma de tudo o que não fui. Bebi meu sangue e comi meu corpo Apaguei meu rosto e minha memória. Morto agora igual por dentro e por fora, não tenho em mim nenhum sonho serei adubo de mim, o estrume das derrotas futuras, parede sem porta, serei aquele que morreu por nada, aquele que não nasceu.

Recordar é viver: aconteceu ontem em Santos

Deu na FSP ontem: Numa sala de cerca de 18 m2, trancada com cadeado, no segundo andar do Palácio da Polícia em Santos atrás de dois elevadores, duas estantes de madeira guardam cerca de 600 pastas e caixas, que abrigam entre dez e 15 dossiês cada uma. O arquivo do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) dormia ali, infestado por cupins, traças e poeira. O delegado da polícia civil em Santos Waldomiro Bueno Filho, responsável pelo arquivo, é acusado de ser um dos torturadores de Vladimir Herzog.

Clarice Lispector: Qualquer gato, qualquer cachorro

A via crucis do corpo é um livrinho fininho no qual, supostamente, Clarice Lispector “chuta o balde”. Chamado de “pornográfico”, o livro foi publicado em 1974, numa época que ainda vai ser conhecida algum dia, suspeito, como o “tempo de baldes chutados”. Numa curta explicação que introduz o livro Clarice diz: “ Uma pessoa leu meus contos e disse que aquilo não era literatura, era lixo. Concordo. Mas há hora para tudo. Há também a hora do lixo.” [12] Segue um trecho interessante de A via crucis do corpo , tirado de um dos três textos que se ligam à “Explicação” que introduz o livro, escritos todos [diz o narrador] no dia das mães e no dia anterior e posterior. Esses três textos misturam diário, crônica e ficção e aparecem lá pelo meio do livro, intercalados por contos. - Você? a você só importa a literatura. - Pois você está enganado. Filhos, famílias, amigos, vêm em primeiro lugar. Olhou-me desconfiado, meio de lado. E perguntou: - Você jura que a literatura não importa? -

Responda se for capaz

1. Qual é o país do doce de leite, do gaúcho, do churrasco, do truco e do "quilombo"? 2. Qual é o país do açúcar e do tabaco? 3. Qual é o país do malandro? 4. Qual é o país da cueca? 5. Qual é o país do arroz com feijão? 6. Qual é o país do bolo de aipim [o bolo doce, com coco]? 7. Qual é o país da manga e da jaca e do tamarindo? 8. Qual é o país da canja de galinha? 9. Qual é o país do café? 10. Qual é o país da cerveja? 11. Qual é a cidade do carnaval? 12. Qual é o país do pastel?

Calaveras de Guadalupe Posada a Diego Rivera a Felipe Ehrenberg

Sadismo, ternura ou sadismo com ternura?

Trecho inesquecível de conto de Juan Rulfo, La Cuesta de las Comadres [traduzi umas coisinhas para facilitar mas acho que Rulfo a gente só não lê em Espanhol se não consegue ler em espanhol de jeito nenhum]. "La luna grande de octubre pegaba de lleno sobre el corral y mandaba hasta la pared de mi casa la sombra larga de Remigio. Lo vi que se movía en dirección de un tejocote y que agarraba el guango [machado] que yo siempre tenía recargado allí. Luego vi que regresaba con el guango en la mano. Pero al quitarse él de enfrente, la luz de la luna hizo brillar la aguja de arria [ver ilustração], que yo había clavado en el costal [saco de pano]. Y no sé por qué, pero de pronto comencé a tener una fe muy grande en aquella asusta. Por eso, al pasar Remigio Torrico por mi lado, desensarté la aguja y sin esperar otra cosa se la hundí a él cerquita del ombligo. Se la hundí hasta donde le cupo. Y allí la dejé. Luego luego se engarruñó como cuando da el cólico y comenzó a acalambrarse hasta d

Com ou sem eloquência?

Dizem que os escribas que vendiam seus serviços em praça pública em Guadalajara no fim do século XIX [tipo Dora do filme Central do Brasil de Walter Salles] escreviam uma carta [normalmente petições] "a veinticinco centavos sin elocuencia y a cincuenta centavos con elocuencia". Escolha a opção de sua preferência: 1. Estatística A) A eloquência naquela época só valia 25 centavos. B) A eloquência naquela época já valia 50% de um texto. C) A eloquência naquela época já aumentava o valor de um texto em 100%. D) Não se pode afirmar nada a respeito do valor da eloquência sem dados estatísticos precisos a respeito da eficiência das petições com eloquência em comparação a petições sobre assuntos semelhantes sem eloquência no mesmo período. 2. Lingüíçtica [encheção de]: A) “Economizar na eloquência” não é mesmo apenas uma questão de estilo. B) Os gringos roubaram daí [entre muitas outras coisas] a expressão: “money talks”.

Poema meu

foto de Tony Lopes em http://i.olhares.com/data/big/73/731094.jpg [cortei toda a gordura que achei possível mas quem sabe encontro mais para cortar semana que vem; revisei o texto todo com cuidado; e principalmente desisti de misturar prosa e poesia. O que é pior: alguém dizer que seus poemas são ruins, fracos, bobos e ninguém dizer nada? Cada silêncio pode ser presumido como vindo de alguém que acha o que vc faz uma merda, mas uma presunção é melhor ou pior que uma certeza nesse caso?] Sobre o Amor Uma aura quase cheiro de desastre: dois olhos duros, amarelos, de gato, me estudando, sóbrios, especuladores, com a indiferença atenta de um bebê Esse tipo aí, conheço pelo cheiro, me atira um desses que moram em barco e só comem camarão congelado. Eu retruco afiado, seco, um jacaré: caráter é carne, caroço e casca: punhal de que não se vê o fio e o cabo. Aceita o outro meu truco e pede seis: negócio de amor é balela: a gente só ama mesmo o que não tem; e quando encosta um dedo de leve, ele

Recordar é viver: Arruda no Catatau

Em entrevista à revista Veja, em julho, intitulada “Ele deu a volta por cima”, Arruda disse que é “impossível governar sem fisiologismo”. Quando questionado sobre qual era é o seu limite em relação à fisiologia, ele respondeu: – É o limite ético. É não dar mesada, não permitir corrupção endêmica, institucionalizada. Sei que existe corrupção no meu governo, mas sempre que eu descubro há punição. Trecho do post do Catatau sobre o governador de Brasília. O julho em questão é o de 2009. Diga-se de passagem que Arruda dançou no senado em 2001 por fraudar uma votação para a cassação do mandato de Luis Estevão, seu atual vice-governador.
Um dos motivos para a crise financeira na Grécia: as dívidas contraídas para a realização das olimpíadas. Como sempre acontece [está acontecendo agora em Vancouver com os jogos de inverno], os grandes planos que previam a participação da iniciativa privada não passaram de planos que nunca saíram do papel.

Damián Ortega outra vez

Dou um doce para quem souber porque essa escultura se chama "Homosexual"

Um pouco de Carlos Drummond de Andrade

Imagem: Cristina Kahlo y Donald Cairns (Mural de Diego Rivera en City College, San Francisco, California) Foto: Raúl Fernández-Berriozábal 2000 Ser O filho que não fiz hoje seria homem. Ele corre na brisa, sem carne, sem nome. As vezes o encontro num encontro de nuvem. Apoia em meu ombro seu ombro nenhum. Interrogo meu filho, objeto de ar: em que gruta ou concha quedas abstrato? Lá onde eu jazia, responde-me o hálito, não me percebeste, contudo chamava-te como ainda te chamo (além do amor) onde nada, tudo aspira a criar-se. O filho que não fiz faz-se por si mesmo.

Em defesa do detalhe

“Le détail d’une chose peut être le signe d’un monde nouveau, d’un monde qui comme tous les mondes, contient les attributes de la grandeur.” Bachelard

Desde México: Damián Ortega

Poema meu: Passagem

[Um dia há pelo menos 10 anos atrás numa manhã ensolarada eu assitia uma aula meio devagar na Letras e comecei esse arremedo de Walt Whitman. Depois numa manhã sozinho num café de Belo Horizonte e um par de horas depois, enquanto esperava a hora de dar uma aula dentro do carro, terminei a primeira versão dele. E continuo revisando o safado desde daquela época. Deve ser a maldição do Leaves of Grass ...] arco de sangre, puente de latidos, llévame al otro lado de esta noche, adonde yo soy tú somos nosotros, al reino de pronombres enlazados… Octavio Paz Olho pra fora, não fujo, não quero mais me sentir outro, de fora; quero a comunhão barata do barulho dos carros, da gente, do rádio. Ainda está tudo do lado de fora, do outro lado da mesa, o outro lado da porta de vidro: gente dando as mãos, atravessando a rua, chorando, sorrindo, sozinhos, em bando, em dupla, nascendo, amadurecendo, secando, morrendo. Um par de folhas de um broto cai no chão, a chuva cai e leva as duas juntas, que escure

Rodrigo Fresán: sobre a memória

La memoria es el playback de nuestra vida y, en ocasiones, nosotros no hacemos otra cosa que mover los labios sin emitir sonido alguno, porque es nuestra memoria la que canta a través de nosotros. A lo sumo, en contadas ocasiones, cantamos un poco, desafinamos; pero la memoria nos ayuda poniendo a girar la música de nuestro pasado, nuestros Greatest Hits cada tanto remasterizados, cada tanto incorporando un bonus-track , versiones alternativas de la misma canción de siempre. Hay un momento imperceptible pero terrible y trascendente en que, pienso, finalmente estamos llenos de pasado, de memoria, por lo que nuestro presente y lo que nos queda del futuro no es más que un constante actuar ---cantar--- de acuerdo con lo que nos ordena y nos sugiere todo aquello que tuvo lugar hace tiempo. De ahí que los ancianos suelan recordar sucesos remotos con mayor facilidad que aquello que hicieron hace unas horas. El ayer es el refugio y ya no hay nada nuevo que pueda ocurrirnos, porque todo lo que

Alberto Manguel: prisoners of their own language

"Sometime in the Age of Thatcher, Reagan and Mulroney, English-speaking readers became ignorant. First, translation into English was practically stopped: today, less than 0.1% of everything published in English is a translation, and that includes Japanese computer manuals. (...) English-speaking readers locked themselves into something worse than an imperial mentality, since the empire forced them at least to look outside England: into a state of stolid contentment. Readers and writers in English today know practically nothing of what is taking place in the cultures of the rest of the world. Step into a bookstore in Bogotá or Rottendam, Lyons or Bremen, and you can see what the writers from other countries are doing. Ask in Liverpool, Vancouver or Los Angeles who Antonio Lobo Antunes or Cees Nooteboom are (...) and you will be met with a blank stare. But such a question would probably not be asked because English-speaking readers have become prisoners of their own language, living