Skip to main content

Poema meu


foto de Tony Lopes em http://i.olhares.com/data/big/73/731094.jpg
[cortei toda a gordura que achei possível mas quem sabe encontro mais para cortar semana que vem; revisei o texto todo com cuidado; e principalmente desisti de misturar prosa e poesia. O que é pior: alguém dizer que seus poemas são ruins, fracos, bobos e ninguém dizer nada? Cada silêncio pode ser presumido como vindo de alguém que acha o que vc faz uma merda, mas uma presunção é melhor ou pior que uma certeza nesse caso?]


Sobre o Amor




Uma aura quase cheiro de desastre:
dois olhos duros, amarelos, de gato,
me estudando, sóbrios, especuladores,
com a indiferença atenta de um bebê

Esse tipo aí, conheço pelo cheiro,
me atira um desses que moram em barco
e só comem camarão congelado.
Eu retruco afiado, seco, um jacaré:
caráter é carne, caroço e casca:
punhal de que não se vê o fio e o cabo.

Aceita o outro meu truco e pede seis:
negócio de amor é balela:
a gente só ama mesmo o que não tem;
e quando encosta um dedo de leve,
ele abre as asas e vai embora.

Respondi sucinto só:
o amor não morre;
ele vai embora,
e aí quem morre
é você, fulminado, carcomido,
cego, e pior:
sem nem saber que.
Só é corajoso
quem descrê da boa sorte.

Ele pediu oito:
esse amor, quando ele pega
bate a carteira dos dois e cai fora;
fica a carne pendurada
dos dois no açougue,
tentando, sozinha,
acender um fósforo
numa lata cheia d’água.

Azar.
Baixei as malas no chão
tranquei a porta do quarto
brigando com as chaves.
Quando me virei
lá estava ela,
nua, descalça,
nem vergonha, nem modéstia:
a fome.

Comments

sabina said…
bem, o comentário sob a foto é golpe baixo... agora fico até com vergonha de comentar, =)

bem, achei que o conjunto tinha um tom barroco, pelo tema e sonoridade.

mas algumas frases me intrigam: por exemplo, quem mora em barco e come macarrão congelado?

e o desastre, no primeiro verso, me lembrou o poema famoso da e. bishop (one art).
Eu e minha boca grande, Sabina! O comentário foi mesmo um tremendo golpe baixo. Ainda mais porque os seus comentários são valiosos para mim, pode acreditar. Eu às vezes fico até querendo comentar seus textos em e-mail ao invés de postar porque acho que tem gente que fica até irritada com eles achando que eu estou achando defeito. Mas sei lá, o propósito de um blogue não é jogar abertamente?
É "camarão gelado", mas a talvez eu mude para macarrão, ficou interessante até mais interessante :]!
nossa, juro que li "macarrão"!

tenho uns amigos que moram num barco, e quando viajamos rola muito miojo e etc. talvez por isso minha confusão.

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...