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Showing posts from October, 2018

Recordar é viver

Meu dilema agora é o seguinte: entre 1937 e 1945 nós tivemos uma ditadura semi-fascista com a participação direta de militares vários na instalação do regime e na administração do aparato repressor. O Estado Novo acabou e nós preferimos deixar quieto, inclusive elegendo um dos generais daquele golpe como presidente da república na primeira eleição livre que tivemos. Mal conseguimos nos manter como um país democrático por 20 anos. Aí veio 1964 - e pra quem não sabe, o general comandando as tropas no primeiro de abril era o mesmo oficialzinho integralista que falsificou o tal "Plano Cohen" que justificou 1937. Filinto Müller - o carrasco-mor do Estado Novo - foi senador por Mato Grosso e logo virou líder da ARENA no Congresso expurgado por cassações múltiplas. Aí tivemos outra ditadura que começou em 1964 e devia durar pouco - os militares do Brasil eram liberais diziam os especialistas da época. A Ditadura Militar durou pelo menos 20 anos - deveríamos contar como fim

Ensaio da Mangüaça 1

Os computadores e a internet alteraram radicalmente a nossa noção de espaço, principalmente a partir dos telefones conectados às redes sociais. Sinto que sei disso melhor que pessoas mais jovens do que eu, pessoas que já nasceram dentro deste mundo. Meu quarto de dormir, provavelmente o que havia de mais íntimo na minha vida privada, tornou-se de repente ponto de contato com um público imenso. São amigos, simples conhecidos, parentes, algumas figuras de um passado distante, colegas de trabalho e de profissão e mesmo alguns completos desconhecidos que formam esse público que, de repente, tem acesso a esse meu espaço mais íntimo. E eu tenho acesso à intimidade deles - uma certa versão maquiada dessa intimidade, é claro. Cada um usa os filtros que lhe convém - alguns se desnudam ao ponto do embaraço, outros se mantém rígidos atrás de fotos hiper-coloridas de pratos de comida e bouquets de flores e sorrisos resplandecentes. Esse curto circuito entre as distâncias que se desmancham e as i

Quando a barra pesa, só Drummond 7

Encerro sete dias de luta em luto com esse último poema de Carlos Drummond de Andrade sobre tempos difíceis. O poeta está cansado de preconizar " a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção" mas também nos alerta sobre a tentação orgulhosa que é essa "pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva". Não podemos perder. Ainda não perdemos. Não estamos sozinhos. Caetano, um exemplo vivo de que o Brasil não é podre, lê o poema e depois comenta: Elegia 1938 Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo

Quando a barra pesa, só Carlos Drummond de Andrade resolve 6

Chegamos ao sexto dia da série. Uma boa parte da melhor poesia de Carlos Drummond de Andrade foi escrita num período difícil dentro do Brasil e fora. Dentro encarávamos a Revolução de 30, a guerra civil em 1932, o Integralismo, o golpe em 1937, a ditadura do Estado Novo entre 37 e 45. Fora assistíamos o fascismo de Mussolini, o Estado novo de Salazar, a ascensão do nazismo, a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Não é por nada que os poemas de Drummond muitas vezes oscilavam entre a tristeza desesperançada e os apelos por esperança e luta.  O poema de hoje é soturno, sem deixar grandes esperanças frente a "esse anoitecer / mais noite que a noite.". O poeta "disperso" não consegue articular mais do que a determinação de ser aquele que desfia a recordação das vítimas comuns.  --> Sentimento do mundo      Tenho apenas duas mãos     e o sentimento do mundo,     mas estou cheio de escravos,     minhas lembrança