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Showing posts from August, 2017

Sobre reportagem do New York Times sobre Angola

Título de  reportagem recente do jornal New York Times  sugere que houve uma inversão na relação entre Portugal e Angola e que a antiga colônia estaria agora "dominando" sua antiga metrópole. A reportagem centra atenção nos investimentos feitos por angolanos endinheirados em imóveis de alto luxo e em outros negócios em Portugal e nas dificuldades em investigar possíveis irregularidades nessas transações por causa de um possível tráfico de influência ou mais simplesmente pelo poder daquele dinheiro que se conta em bilhões. Isabel dos Santos, filha de Agostinho dos Santos Volto à sugestão do título de que acontecia uma repetição, agora com os papéis invertidos, da situação colonial. Só mesmo uma miopia muito particular para sugerir algo assim. Seria porque o repórter e talvez muitos dos seus leitores imaginam que no período colonial o que se passava era que os endinheirados portugueses iam fazer investimentos de luxo em Angola? O tom algo sarcástico me fez lembrar cert

Entre o 1984 de Orwell e o nosso 2017

Estamos lendo em voz alta em conjunto e ao ritmo de um capítulo por dia o livro 1984 de George Orwell. Estamos ainda no capítulo 5 e, se algumas passagens me impressionam, não é pelo que o livro teria, supostamente, de profecia sobre o futuro. Acho que Orwell foi esperto o suficiente ao não tentar adivinhar como seria a vida de fato em 1984, mas em concentrar-se numa espécie de caricatura grotesca para coisas grotescas que já aconteciam na época mesma em que o livro foi escrito.    Nem por isso deixei de sentir um arrepio, por exemplo, lendo em voz alta para o meu filho, que nasceu nos Estados Unidos menos de três meses antes do ataque de 11 de setembro e que, portanto, vive num país em guerra desde sempre, a seguinte passagem:  "Winston could not definitely remember  a time when his country had not been at war..." "Winston não podia se lembrar com exatidão sobre um tempo  em que seu país não estivesse em guerra..." O curioso é que o estado de gu

Poesia mexicana: Muerte sin fin de José Gorostiza

Natureza Morta da pintora Janet Fish [mais dela aqui ] Como chamar a atenção de gente que não conhece literatura mexicana para um poema maravilhoso como "Muerte sin fin" de José Gorostiza? Enchê-lo de superlativos do tipo "o melhor", "o mais importante", "o mais maravilhoso"? Fazer comparações com poemas maravilhosos que o leitor brasileiro conhece? Escrever desse jeito é fazer u m ritual que para mim está gasto e sem sentido, mas não fazer esses rituais significa escrever às moscas? Minha gastura ganha. Não sou hoje um bom defensor de "Muerte sin fin" nem de Gorostiza. Paciência. Hoje estou assim, "um desabar de anjos caídos à delcícia intacta do seu peso "  contido dentro do meu corpo como a água do poema de Gorostiza está contida nessa primeira parte do poema dentro do copo "rede de cristal que a estrangula".   MUERTE SIN FIN                                     Conmigo está el conse

Juan Rulfo por ele mesmo, entre o horror e a maravilha, desde a infância

Juan e seu irmão Severiano Eis aqui Juan Rulfo, contando do seu encontro formador com os horrores da guerra e as maravilhas da leitura ali na infância: Cuando se fue a la Cristiada, el cura de mi pueblo dejó su biblioteca en la casa porque nosotros vivíamos frente al curato convertido en cuartel y, antes de irse, el cura hizo toda su mudanza. Tenía muchos libros porque él se decía censor eclesiástico y recogía de las casas los libros de la gente que los tenía para ver si podía leerlos. Tenía el índex y con ése los prohibía, pero lo que hacía en realidad era quedarse con ellos porque en su biblioteca había muchos más libros profanos que religiosos, los mismos que yo me senté a leer, las novelas de Alejandro Dumas, las de Victor Hugo, Dick Turpin, Buffalo Bill, Sitting Bull. Todo eso lo leí yo a los diez años, me pasaba todo el tiempo leyendo, no podías salir a la calle porque te podía tocar un balazo. Yo oía muchos balazos. Después de algún combate entre los f