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Showing posts from 2014

Sobre a parte do meu trabalho que eu amo - Parte 4

É maravilhosa a interpretação que Levi-Strauss dá às diferenças entre os mitos da descoberta do fogo entre os povos de cultura Tupi e aqueles de cultura Gê. Não só dando clareza às diferenças mas também às semelhanças, o texto é uma lição para quem trabalha com literatura.

Postal: Sobre a nossa nudez dos outros

Da série de Bonecas de Bellmer, 1934 “Todos andam inteiramente nus, as mulheres, porém, trajam uma tanga de forma triangular feita de folhas de palmeira bastante modesta , sendo maior do que um olho, mas menor do que uma orelha. Neste respeito o sentimento de vergonha, oriundo da nossa educação é inteiramente desconhecido por elles. Mas também não se póde contestar que já depois de uma curta estada no meio delles a sua nudez não dá mais na vista e pelo costume a falta de todas as vestimentas desapparece diante de nossos olhos. Nós tambem, já disse um philosopho, no final de contas, estamos nus dentro da nossa roupa.” Karl Von Steinen, "O rio Xingu", 1888 [ortografia e outras marcas como no original da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, Tomo IV, 3o Boletim]

Sobre a parte do meu trabalho que eu amo - Parte 3

Decobri que Levi-Strauss cita os trabalhos de Horace Banner e Schultz a partir das fontes brasileiras em que eles foram publicados primeiro, a Revista do Museu Paulista e a Revista de Antropologia da USP. Assim a históri a da onça e do índio e do fogo começa na língua dos Kayapo [e dos Krahôs] e passa do português para o francês. Teria Walnice ido direto às versões em português? Sim, ela mesmo deixa isso bem claro no seu famoso artigo:  "escolho de propósito, como se verá, a versão que Horace Banner publicou em seu trabalho 'Mitos dos índios Kayapó', intitulado 'O fogo da onça.'" Mas eu estou curioso mesmo para conhecer em português a versão que eu já encontrei em inglês.  Enquanto isso mais uma página da versão quadrinhos do Samuel:

Sobre a parte do meu trabalho que eu amo - Parte 2

Essa é a primeira página da história em quadrinhos que meu filho Samuel fez com base na versão que eu contei de memória da história da posse do fogo. Para ver a imagem melhor é preciso clicar em cima dela. O desenho menino foi baseado na observação d esta imagem . O tio do menino foi reduzida a um retângulo com a palavra "uncle" dentro.  

Sobre a parte do meu trabalho que eu amo - Parte 1

Alguém escuta um mito de índios Kayapó sobre a conquista do fogo. Esse alguém possivelmente transcreve o mito na língua original e logo traduz, provavelmente para a sua língua nativa [no caso o inglês]. Ainda não está claro para mim se esse alguém - Horace Banner - era um antropólogo ou um missionário. Seu livro tem um nome muito estranho - a princípio que tinha feito um erro na transcrição do título: On the trail of the Three Freds. Um antropólogo francês muito famoso traduz então esse mito Kayapó, entre outros coletados por várias pessoas diferentes. Provavelmente o antropólogo traduz o tal mito do inglês, talvez corroborando com o texto original, mas provavelmente não. Há uma chance de ele ter travado contato com o tal mito em português, já que Banner publicou os mitos que coletou em português em revistas acadêmicas em 1957 e 1961 - o livro do antropólogo francês é de 1964. Além disso o que o antropólogo francês faz no seu livro não se trata propriamente de uma tradução, mas ape

Sobre a papoula da história

Desenho Meu: História Recente  Eric Hobsbawn uma vez disse que a história era a matéria prima das ideologias nacionalistas, etnocêntricas e fundamentalistas que têm assolado o planeta, assim como a papoula era a matéria prima da heroína. Sinceramente acho que o historiador estava subestimando consideravelmente as qualidades da heroína, uma bichinha danada de perigosa também mas bem mais agradável do que essas outras drogas malhadas que se espalham pelo planeta de tempos em tempos. Se o hedonismo e o escapismo abastecem o desejo pela heroína, o desejo pelo nacionalismo, o etnocentrismoe fundamentalismo é abastecido, imagino, por impulsos sado-masoquistas. Digamos que o nacionalismo, o etnocentrismo e o fundamentalismo que andam grassando por aí deveriam ser comparados mais adequadamente com um vício mais besta como o tabaco [me desculpem os amigos e amigas fumantes que me juram sentir mil prazeres com o cigarro, mas o tabagismo é um vício quase tão besta quando a cafeína]. A histór

Poesia Mexicana: Xavier Villaurrutia

NOCTURNO DE LA ESTATUA A Agustín Lazo Soñar, soñar la noche, la calle, la escalera y el grito de la estatua desdoblando la esquina. Correr hacia la estatua y encontrar sólo el grito, querer tocar el grito y sólo hallar el eco, querer asir el eco y encontrar sólo el muro y correr hacia el muro y tocar un espejo. Hallar en el espejo la estatua asesinada, sacarla de la sangre de su sombra, vestirla en un cerrar de ojos, acariciarla como a una hermana imprevista y jugar con las fichas de sus dedos y contar a su oreja cien veces cien cien veces hasta oírla decir: «estoy muerta de sueño».

Diário da Babilônia: Tom Waits

No final dos anos 70, Tom Waits caça em Los Angeles um bando de músicos de estúdio, veteranos esquecidos, todos oriundos de New Orleans. Uma das canções que ele grava com eles, “Whistlin’ Past the Graveyard”, é uma pérola. Conheci primeiro uma versão alternativa, mais lenta, numa fitinha K7 [Heartattack and Vine, coletânea de 1980] que eu toquei 395.000 vezes numa época em que era difícil escutar qualquer coisa do primeiro Tom Waits no Brasil. A versão do disco de 1978, Blues Valentine , mais rápida, é bem melhor. É como um Chico Buarque meio vaudeville das rimas nonsense, naqueles momentos mais inspirados, tipo “Bye Bye Brasil” ou a Ópera do Malandro . Em “Whistlin’ Past the Graveyard” Tom Waits chega perto de um certo poeta judeu-americano conhecido pela alcunha Groucho Marx que, por exemplo, fez essa coplazinha em versos alexandrinos românticos: “One morning I shot an elephant in my pajamas. How he got into my pajamas, I don’t know.” A expressão idiomática “whistling past

Tradução: Manifesto dos Necronautas

Desenho meu: Auto-Retrato dos Meus Medos Manifesto Necronauta Nós do primeiro comitê da Sociedade Internacional Necronáutica declaramos o seguinte: 1.     Que a morte é um tipo de espaço que pretendemos mapear, entrar, colonizar e, finalmente, habitar. 2.     Que não há beleza sem a morte, sem sua imanência. Cantaremos a beleza da morte, ou seja, a beleza. 3.     Que tomaremos como nossa responsabilidade a tarefa de trazer a morte às vistas do mundo. Nós identificaremos todas as suas formas e meios: na literatura e na arte, onde ela é mais aparente; também na ciência e na cultura, onde ela espreita submersa mas nem por isso menos potente em seu obscurecimento. Tentaremos captar suas frequências – pelo rádio, pela internet e em todos os lugares nos quais estão ativos seus processos e avatares. No quotidiano a morte se move com a mesma intensidade: em acidentes de trânsito que acontecem ou quase acontecem; em funerárias e casas de velório, em coroas de flores, em congeladores