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Showing posts from December, 2008

Guernica

Guernica Em 2003 Collin Powel foi às Nações Unidas apresentar “provas” da presença de armas de destruição em massa no Iraque, justificativa para a invasão que os Estados Unidos avisavam que fariam [e fizeram] com ou sem o apoio das Nações Unidas. De repente alguém nota que ao fundo, na sala onde Powell daria sua conferência de imprensa, estava uma reprodução em tapeçaria de um quadro famoso de Picasso: Guernica. O nome quadro se refere a uma cidadezinha do país Basco impiedosamente bombardeada por aviões alemães em ajuda às tropas franquistas durante a Guerra Civil. Guernica não era um alvo estratégico na concepção tradicional do termo, mas uma cidade significativa para os Bascos como Ouro Preto é significativa para Minas Gerais, de importância cultural e identitária. O bombardeio de Guernica foi o primeiro ensaio em uma tática que culminaria, ironicamente, com o bombardeio devastador dos aliados em Dresden, na Alemanha: sob o pretexto de abalar a moral do inimigo, levar o poder multip

2666

Já comentei que minhas leituras são quase sempre guiadas pelas minhas atividades acadêmicas – raramente leio o eu que quero, pelo puro prazer da leitura. Isso não significa que às vezes a gente consiga unir o útil ao agradável. Uma aluna me procurou para ser seu orientador na sua tese de bacahrelado e ela estava interessada em Roberto Bolaño, especialmente em 2666, seu último romance. Eu já conhecia um par de contos de Bolaño que eu achei muito bons e então aceitei na hora. Bolaño está com a bola tão cheia por aqui nos EUA que foi escolhido entre cinco romances para fazer uma lista de 10 livros mais importantes para o NYT. Agora cá estou eu, internado em casa com um bebê recém-nascido depois de uma tempestade de neve e com um mamute de mais de 1000 páginas para ler. Eis um trecho interessante, da página 62: “… Pelletier y Espinoza se descubrieron generosos aquella noche, y tan generosos se descubrieron que si llegan a estar juntos hubieran salido a celebrarlo, deslumbrados por el respl

Poetas Mexicanos - Gabriel Zaid

Nacimiento de Venus Así surges del agua, blanquísima, y tus largos cabellos son del mar todavía, y los vientos te empujan, las olas te conducen, como el amanecer, por olas, serenísima. Así llegas helada como el amanecer. Así la dicha abriga como un manto. Seguimiento, 1964 Nacimiento de Venus Así surges del agua, clarísima, y tus largos cabellos son del mar todavía, y los vientos te empujan, las olas te conducen, como el amanecer, por olas, serenísima. Así todo se aclara, como el amanecer, y se vuelve palpable el misterio del día. Práctica mortal, 1973

Nasceu Olívia

Olivia nasceu!!! Sobre ser pai pela segunda vez não há nada de articulado para dizer além dos lugares comuns que todo mundo sabe – então eu não vou dizer nada sobre o assunto. Vamos aos fatos: o parto foi diferente do Samuel mas tavez até mais difícil porque além de atado em um nó bem dado, o cordão umbilical estava enrolado [duas vezes] em volta do pescoço da Olívia - a pobrezinha querendo sair, a mãe fazendo uma bruta força, mas o cordão curto não dava linha. Faltando dois minutos de desconto para o final do segundo tempo e, com a ajuda de uma espécie de desentupidor de pia moderno, Olívia conseguiu sair ainda pelas vias naturais. Depois de assistir Letícia parir pela segunda vez, mais uma vez eu me curvo humildemente à força quase sobrenatural dessa mulher sensacional e tenho certeza que, se o ser humano fosse mesmo um animal racional, os maridos/pais machões estariam com os dias contados com o fim da era em que os pais fumavam charutos e andavam de lá para cá no corredor do hospit

Poesia Mexicana - Efrain Huerta

Companheiro muito menos conhecido de geração de Octavio Paz, para mim Efrain Huerta acertou a mão na obra madura, com os poemas curtos [que têm uma tradição respeitável no Brasil, mas eram muito “diferentes” para a poesia mexicana]: Desconcierto A mis Viejos Maestros De Marxismo No los puedo Entender, Unos están En la cárcel Otros Están En el poder. Con pasión Y así Le dije Con desolada Y cristiana Bondad: Desnúdate Que yo Te Ayudaré Idiot box Esta Declaración De amor Imposible Se destruirá En cinco Segundos Luz, más luz Es terrible Pero Cada día Son más claros Los intereses Más oscuros Ecología De la Ilusión A la Erosión No hay Más que Medio Siglo

Repente 4

[foto: filhos de meeiros no site http://newdeal.feri.org/] Dando seguimento ao repente com Sabina , retomo outra criatura sensacional [e geralmente muito incompreendida] dos contos de William Faulkner: Abner Snopes. Aqui ele termina de borrocar acintosamente com bosta de cavalo o tapete importado da sala do poderoso Major de Spain, onde ele vive uma vida de miséria como meeiro no Mississippi. Antes da Guerra Civil essas figuras conhecidas depreciativamente como "White Trash" valiam menos que os escravos que faziam todo o trabalho e eram propriedade valiosa dos senhores; agora estão todos na mesma situação mas a tensão racial continua. Abner quer ensinar ao seu filho [o protagonista do conto] alguma coisa sobre identidade de classe, mas o filho não aceita a lição do pai: "Seu pai não abrira mais a boca. E não abriu a boca de novo. Ele nem sequer olhou para ela. Apenas plantou-se rígido bem no centro do tapete, com seu chapéu na cabeça, as sobrancelhas cinza-ferro desgrenh

Viva México! - Muxes

Essa foto é de um Muxe de Juchitán no estado de Oaxaca no México. Eles são homens que sentem mulheres e se vestem assim, trabalhando geralmente em ofícios também tradicionalmente relacionados com as mulheres. Aí está uma prova de que a equação que se faz entre pobreza e preconceito sexual é equivocada.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Repente 1

Propus à Sabina Anzuategui um repente de citações e ela gostou da idéia. Ela postou um texto do Peter Handke e eu contrapostarei o final do conto "Barn Burning" de William Faulkner em uma tradução [infelizmente] ainda inédita feita por mim. O menino protagonista do conto acaba de denunciar seu próprio pai ao proprietário das terras onde eles vivem e foge correndo da fazenda. Faz isso quando percebe que o pai vai, mais uma vez, botar fogo em um celeiro como forma de revolta/protesto/vingança contra sua própria miséria e foge de casa. "À meia-noite ele estava sentado na crista de um morro. Ele não sabia que era meia-noite e não sabia o quanto havia caminhado. Mas já não havia clarão atrás e ele estava sentado, com as costas para o que ele chamara de qualquer maneira lar ainda que por quatro dias, seu rosto apontado para a mata escura onde ele entraria quando recuperasse o fôlego, pequeno, tremendo com regularidade no frio da escuridão, abraçando-se com os braços metidos d

Ainda nos mares - um poema meu

Nós vamos afundar Nós vamos afundar devagar até o fundo da garrafa e lá vamos nos encontrar transformados em bestas de corpo fosforescente, criaturas vivendo sem luz, no fundo mais fundo, submersos no lodo, sem olhos para abrir e ver, só um par de antenas cravadas no couro velho e duro. E, no momento mais agudo, esses monstros lá de baixo vão nos mastigar devagar e, como nossas irmãs, as hienas, vão nos enterrar na areia e voltar para comer o resto mais tarde. Mas um corpo morto é um copo deitado, não segura mais nada; aberto para o mundo, não se fecha nunca mais. Ah, nós vamos afundar devagar, e vai ser bom demais. Porque lá no fundo a felicidade vai estar nos esperando com a boca aberta, macia, sem dentes, pronta para nos engolir sem mastigar. Ah, vai ser bom demais. Nós vamos afundar agora, juntos.

Ainda nos mares do sul - JMW Turner

Em 1840 Turner exibiu em público pela primeira vez esse quadro [clique na imagem para ver melhor, vale a pena] pelo qual ele seria execrado, “Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying: Typhoon Coming On”. Até esse longo nome do quadro mereceria gozações e paródias, mas hoje há quem pense que esse é o quadro mais importante da pintura inglesa do século XIX. O primeiro “defeito” desse quadro para os contemporâneos de Turner é que o tema escolhido vai provocativamente no sentido contrário do orgulho inglês pelo seu papel na luta pela extinção do tráfico de escravos que continuava a levar milhares de africanos para as Américas: o quadro se refere a um evento perto da Jamaica em 1871 quando o capitão inglês Luke Collingwood atirou ao mar 132 africanos, ainda vivos em sua maioria, do navio negreiro inglês “Zong” no mar para defender os interesses de seus patrões de Liverpool, já que o seguro não os indenizaria no caso de morte por doença mas apenas no caso de “death by the sea”. Repare